Troca da Medicina pela
Literatura
Pedro
J. Bondaczuk
O escocês Archibald
Joseph Cronin – nascido em Cardross, em 19 de julho de 1896 – tem uma
trajetória de vida no mínimo pitoresca. Fez, por exemplo, uma escolha que
poucos fariam. Trocou a Medicina, que cursou com imenso sacrifício, pela
Literatura que, salvo exceções, não permite que alguém viva com conforto e
tranqüilidade financeira. Muito pelo contrário. Constituiu-se, todavia, em uma
dessas raras exceções. Deu-se muito bem como homem de letras. Descobriu essa
vocação quase que por acaso. Como tinha talento para escrever, tornou-se
romancista dos mais consagrados até sua morte, ocorrida na cidade suíça de
Montreux, em 6 de janeiro de 1981, seis meses antes de completar 85 anos de
idade. Confesso que, por mais que goste de Literatura (e gosto demais!), eu não
faria essa troca em hipótese alguma. Admito, todavia, que cada caso é um
caso. Mas... contemos essa história com
um pouquinho mais de ordem e de coerência.
Cronin mostrou-se um
filho amoroso e leal. Perdeu o pai ainda quando criança, quando coube à mãe,
mulher guerreira, no melhor sentido da palavra (o figurado) a manutenção da
casa. Casou-se muito jovem, mas o casamento durou pouco, com a morte da
esposa Como a mãe não conseguisse
sobreviver sozinha, não teve dúvidas: sem vacilar, voltou à casa materna dois
anos depois de enviuvar, para ajudá-la a sobreviver com dignidade. Cronin,
apesar das dificuldades financeiras, tinha um sonho: cursar Medicina. Diga-se a
seu favor que era bom aluno. Porém, não tinha dinheiro para cursar o que tanto
queria.
Com muito esforço, e
principalmente ajudado financeiramente por um tio, entrou, finalmente, na
faculdade. E, em 1919, aos 23 anos de idade, formou-se médico. Qualquer outro
se daria por satisfeito com esse sucesso. Afinal, fora uma conquista que
compensou todos os sacrifícios feitos. Serviu algum tempo como cirurgião a
bordo do Royal Navy. Após esse estágio, passou a atender em consultório
próprio, no País de Gales, para onde se mudou depois do novo casamento. Tudo
indicava que sua vida profissional estava resolvida. Não tardou para ser
nomeado Inspetor Médico de Minas e a começar a empreender estudo detalhado das
doenças que afetavam os mineiros de carvão.
Sujeito sensível e
aplicado, vivia aflito com as péssimas condições sanitárias do lugar. O que
mais o incomodava era o fato de não conseguir dar conta das doenças causadas
pelas condições insalubres das minas, sobretudo a silicose. Foi tamanho seu
empenho, e foram tantas as frustrações que passou, além da imensa quantidade de
casos que tinha que tratar, que não demorou para Cronin entrar em um processo
de esgotamento, tanto físico, quanto psicológico. Pudera! Ninguém é de ferro!
Com a saúde abalada, viu-se obrigado a dar um tempo nas suas atividades
médicas, retirando-se para as montanhas, em busca de ar puro e de
tranqüilidade. Foi aí que o acaso atuou e mudou sua trajetória de vida por
completo.
Possivelmente por
“hobby”, para preencher o tempo ocioso, Archibald Joseph Cronin começou a
escrever um livro. E, logo de cara, um romance! O texto fluiu. Quase sem
perceber, redigiu uma história de mais de 400 páginas, uma temeridade para
veteranos, imaginem para um “projeto de escritor”. Surpreendentemente,
descobriu ser detentor de um estilo agradável, atrativo, gostoso de ler. Foi
assim que nasceu o romance “O castelo do homem sem alma”. É desses livros que,
apesar da quantidade de páginas, não cansa. Você quer logo chegar ao desfecho,
ao final, sem nem mesmo perceber que leu tanto. Para surpresa geral, o romance
foi estrondoso sucesso de crítica e de público. Cronin resolveu dar mais um
tempo na Medicina. Não tardou para vir um segundo romance. Afinal, o sucesso do
primeiro poderia não passar de “sorte de principiante”. Mas não foi.
O livro “Sob a luz das
estrelas” confirmou o sucesso de “O castelo do homem sem alma” (que no Brasil
recebeu primorosa tradução de Rachel de Queiroz). Foi, inclusive, vendido a um
grande estúdio de cinema. Nascia, ali, magnífico romancista. A redação do
terceiro livro, “A cidadela” (o mais polêmico, mas para mim o melhor de todos
os que escreveu), apenas confirmou que ali estava um dos mais completos
ficcionistas do século XX. Alcançou êxito retumbante. Foi então que Cronin
decidiu renunciar de vez à medicina, para viver exclusivamente de sua produção
literária. Eu não tomaria essa decisão. Tentaria conciliar as coisas e exercer,
simultaneamente, as duas atividades que, aliás, nem mesmo são incompatíveis.
Nosso (saudoso) Moacyr Scliar fez isso. Tornou-se magnífico escritor sem abrir
mão da Medicina. Mas...
É aquela história do
“em cada cabeça uma sentença”. O prestígio de Cronin cresceu mais ainda quando,
com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, mudou-se com a família para os EUA.
Findo o conflito, fixou-se na Suíça, sem nunca parar de escrever (e de fazer
sucesso). Foi um caso raro em que a Literatura permitiu a alguém se sustentar e
ganhar mais do que talvez conseguiria como médico. Talvez, sabe-se lá! Todavia,
correu um risco que, reitero, eu jamais correria. O saudoso escritor e teólogo
Rubem Alves (de cuja companhia tive o privilégio e a honra de privar, tanto no
Correio Popular de Campinas, quanto na Academia Campinense de Letras),
escreveu, em um de seus tantos textos: “Amo a minha vocação, que é escrever.
Literatura é uma vocação bela e fraca”. Todavia ponderou, com o bom senso que o
caracterizava: “O escritor tem amor, mas não tem poder”. E não tem mesmo,
sobretudo no Brasil. Archibald Joseph Cronin fez uma “troca” que dificilmente
dá certo para alguém, mas que para ele deu. Optou pela Literatura, em
detrimento da Medicina. E se deu bem!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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