As inesquecíveis “vilãs”
de Eça de Queiroz
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor português
Eça de Queiroz criou personagens femininas marcantes? Essa é uma pergunta
recorrente, que me fazem a todo instante. Sim, criou!! E muitas!!. E em
praticamente todos os romances que escreveu e publicou. São mulheres
inesquecíveis, porém com algo em comum: nenhuma delas é heroína nas tramas em
que aparecem. Todas, sem exceção, são, de alguma forma, vilãs. Alguém pode me
contestar, apontando Joaninha, prima de Zé Fernandes, de “As cidades e as
serras”, como uma exceção, com a clara finalidade de me desmentir. Não
desmente. Até nela Eça apontou um defeito. Não de adultério, como no caso de
Luísa, de “O primo Basílio” e no de Amélia, em “O crime do Padre Amaro”. E nem
de incesto (posto que involuntário), como fez Maria Eduarda, no romance “Os
Maias”. Joaninha, todavia, era por demais “palradeira”. Ou seja, rematada
tagarela.
Como se vê, nenhuma
personagem feminina de Eça de Queiroz escapou de suas ácidas críticas. Ainda
assim... são inesquecíveis. Sobretudo, para nós, leitores, deste século XXI, em
que a visão que temos das mulheres é radicalmente diversa da que nossos remotos
antepassados do século XIX tinham delas. Nos romances de Eça de Queiroz, as
personagens femininas representam o pecado da luxúria e da perdição. Todas são
caracterizadas como seres fúteis e envoltas num ambiente de insatisfação. O
falecido ensaísta português, Mário Sacramento, discorda. Ele afirmou, em um de
seus ensaios: “As mulheres (…) são pelo menos da qualidade dos seus homens. Não
há tangível diferença de nível entre os seus mundos masculino e feminino. E
até, quiçá, as suas Maria Eduarda, Amélia e Luísa sejam superiores aos seus
Carlos Eduardo, Amaro e Basílio. São elas pelo menos, as vítimas, as figuras
mais sinceras, as únicas que abandonam e sacrificam”. Embora concorde com a
“sinceridade, o abandono e o sacrifício” apontados por Mário Sacramento, desta
vez sou eu que discordo do ilustre ensaísta. Eça de Queiroz trata de forma
muito diferente seus personagens masculinos e femininos. Por que?
Os historiadores tentam
explicar isso com base na rejeição materna que o escritor sofreu após o
nascimento. Ele foi fruto de uma relação extraconjugal de seus pais. Na sua
época, esse “delito” era considerado imperdoável pela sociedade, embora,
“debaixo dos panos”, o adultério (tão combatido e execrado em público) fosse,
não somente comum, como (reservadamente) tido como “quase normal”, tantas eram
suas ocorrências. Isso não apenas em Portugal, mas em todas as partes do mundo.
É verdade que seus pais “corrigiram” esse erro e se casaram. Tiveram,
inclusive, mais filhos depois do casamento, Todavia, Eça de Queiróz foi batizado como filho
natural de José Maria d'Almeida de Teixeira de Queiroz e de mãe incógnita. Foi
criado pela avó, distante do carinho materno. Posteriormente, esteve aos
cuidados de uma ama e, por fim, de um colégio.
Não posso garantir que
isso tenha influenciado sua visão das mulheres que, ademais, repassou para a
Literatura. Presumo que sim. Por mais que queira dissimular, o escritor passa,
para suas obras, o que é, o que viveu e o que pensa, mesmo que
subconscientemente. Por isso, concordo com os historiadores que tentam
estabelecer paralelo entre o que a mãe de Eça representou para ele e a
caracterização que fez das mulheres em sua obra. Rejeição é fogo! Deixa no
rejeitado marcas que nunca se apagam.
Das três principais
personagens femininas que Eça criou – Luísa, de “O primo Basílio”; Amélia, de
“O crime do Padre Amaro” e Maria Eduarda, de “Os Maias” – todas inesquecíveis,
cada uma por razões peculiares, a que considero a mais marcante das três é a
última. Presumo que seu “criador” pensou da mesma forma, talvez
subconscientemente, sabe-se lá. Tanto que as duas primeiras, que cometeram
adultério por razões diferentes, morrem nas respectivas tramas. Já Maria
Eduarda, que comete incesto com o irmão Carlos Eduardo, sem sequer desconfiar
do parentesco entre ambos, é poupada. Sai de cena, um tanto discretamente, com
profundas marcas psicológicas, sem dúvida, porém viva.
E o que acontece com os
homens que as induziram ao erro? Amaro, morta e enterrada Amélia no parto do
filho ilegítimo, parte para outras paragens onde vai continuar a carreira de
eclesiástico. Basílio volta as costas a Luísa, corroída pelo remorso, e parte
para Paris, esquecendo sua “aventura” e talvez em busca de outras. Carlos
Eduardo também foge sem dar a mínima para os sentimentos de Maria Eduarda face
à terrível revelação. A posição das mulheres, portanto, nos romances de Eça, ao
contrário do que Mário Sacramento afirmou, é muitíssimo diferente da dos
homens. Isso retrata bem a idéia dominante na sociedade do século XIX e que
ainda se mantém viva até hoje em muitas e muitas localidades, em que o
preconceito de gênero, posto que dissimulado, se mantém mais vivo do que nunca.
Ou não?!!!
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