No fundo, Malthus era otimista
Pedro J.
Bondaczuk
O assunto fome, por ser desagradável, costuma desaparecer,
periodicamente, do noticiário, dando a falsa impressão, aos desavisados (ou aos
cínicos, ou aos insensíveis, etc.) de que o problema foi resolvido, ou no
mínimo, reduzido a proporções mínimas, ínfimas até.
Claro que não é o que ocorre de
fato. No ano passado, por exemplo, enquanto as câmeras de televisão não haviam
focalizado as imagens pungentes, que viriam, finalmente, a despertar a
comunidade internacional para a questão, ela era tratada, até, com certo
menosprezo por diversos governos.
Apenas entidades que se dedicam à
assistência social, e assim mesmo poucas, diretamente vinculadas ao problema, é
que se preocupavam com o que estava acontecendo na Etiópia e em outros 29
países da África. Com o início do período de chuvas nessa região, cerca de um
mês atrás, a maioria imaginou que, finalmente, as hordas de famintos, à beira
da morte, poderiam mitigar a fome e dar continuidade a suas vidas, outra vez
relegadas ao anonimato a que são submetidos os que não têm nada de seu, sequer
um naco de pão para comer, tratados como meros números estatísticos e nada
mais. Quem pensou isso, no entanto, se enganou, e muito!
Para começar, recorde-se que uma
safra não é colhida, obviamente, da noite para o dia. Primeiro, é necessário
que a terra ressequida por onze anos de uma severíssima estiagem fique embebida
de água e possa, dessa forma, ser arada.
A seguir, é indispensável que se
semeie. Para isso, lógico, não podem faltar sementes que, neste caso, só podem
ser conseguidas mediante doações externas. É lícito supor que as que existiam
antes, foram todas comidas, no período mais agudo de escassez, por serem o
único recurso que restava, aos habitantes dessas áreas, para evitar a morte por
inanição.
Tomadas todas essas providências,
elementares, resta, ainda, esperar a ação da natureza, que tem o seu próprio
ritmo. Contar, por exemplo, que não chova em excesso e muito menos a
conta-gotas. Ou seja, o lavrador, ainda acossado pela fome, por não contar com
reservas de alimentos, vai, mais uma vez, depender dos caprichos do clima. Não
há como fugir disso!
Se tudo correr conforme as mais
otimistas expectativas, ou seja, se as sementes forem de boa qualidade, imunes
a pragas, se germinarem no tempo certo, se as chuvas forem regulares e na
medida certa, se o sol não queimar a plantação, ainda assim ele irá depender de
novo elenco de condições e circunstâncias, tão grande quanto o descrito, antes
de poder ter alimento para pôr à mesa.
Por exemplo, vai precisar dispor
de braços fortes para a colheita. Onde arrumar essas pessoas? Boa pergunta!
Terá, ainda, de contar com a sorte, para que não chova na época da colheita,
para que os grãos possam secar e não mofar. Além disso, vai precisar dispor de
um sistema, mesmo que rudimentar, mas que seja eficiente, de silagem do que for
colhido, para estocar eventuais excedentes. E torcer, além de tudo, para que os
ratos (famintos quanto ele) e outras pragas não produzam quebras consideráveis na
safra.
Contudo, antes, muito antes de
dar todos esses passos, será indispensável que não falte, a esse lavrador, o
que comer, enquanto se dedica à tarefa de arar, semear, colher e armazenar os
alimentos. E é aí que surge o grande obstáculo, capaz de inviabilizar sua
recuperação.
A ajuda internacional, é verdade,
segundo informam as entidades assistenciais – embora a conta-gotas – está
chegando aos 30 países africanos assolados pela fome. Mas como se tratam de
Estados muito pobres, suas estradas, por exemplo, (se é que essas picadas de
pastores de cabras podem ter esse nome) estão, literalmente, intransitáveis.
Transformaram-se em imensos lamaçais, por causa das chuvas!
Parte daquilo que é enviado pelos
doadores, por sua vez, é desviada para as mãos dos mercadores de desgraças,
parasitas que existem em todos os lugares, e ali também. Essas hienas corruptas
e cínicas, que existem em todas as sociedades, e que fazem fortuna às custas da
infelicidade alheia, estão mais ativas do que nunca nesses pises miseráveis e
desorganizados. O leitor, certamente, sabe a quem estamos nos referindo.
Falamos dos tais intermediários,
que afirmam que fazem a ponte entre as entidades internacionais de socorro e os
flagelados. Só que, na verdade, não intermediam coisa nenhuma. Embolsam, isso
sim, parte, senão a totalidade dos donativos, arrancados a poder de muito choro
dos países desenvolvidos.
Enquanto isso, 30 milhões de
africanos, a despeito das chuvas, continuam na iminência de morrerem de fome,
sob as vistas complacentes de quem poderia e deveria evitar essa tragédia.
Depois ainda dizem que Robert Malthus estava exagerando quando fez as suas
previsões, sobre a ocorrência de “epidemia” mundial de fome, há três séculos!
Como era otimista esse economista britânico!!
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 4
de junho de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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