Tuesday, November 17, 2015

A fascinante Sherazade das mil e uma histórias

Pedro J. Bondaczuk

A bela, fascinante, sedutora (e todos os adjetivos positivos que o leitor possa imaginar) Sherazade, protagonista central dos quase vinte volumes de “As mil e uma noites”, é, sem a mais remota dúvida, uma das personagens femininas mais inesquecíveis da literatura mundial. Claro, para os que tiveram o privilégio de ler essa obra monumental, a que poucos, pouquíssimos, convenhamos, tiveram acesso. Mesmo quem não leu essa coletânea, todavia, cujos autores são rigorosamente desconhecidos, certamente já ouviu, ou leu em algum lugar, muitas das histórias que a astuta princesa narrou, ao longo de mil e uma noites, ao truculento e ciumento rei, ao qual teve que entreter para salvar a vida.

Quem não conhece, por exemplo, o conto “Aladim e a lâmpada maravilhosa”, mesmo que seja através de quadrinhos, ou de desenho animado no cinema e, principalmente na TV? Só mesmo quem não teve infância. Não dá para citar, aqui, “todas” as narrativas feitas pela esperta Sherazade, já que estas são, como o título da coletânea define, mil e uma. Mas entre elas muitas e muitas, como “Ali Babá e os quarenta ladrões”, “Simbad, o marujo” e outras tantas, são clássicos universais do gênero. Diferem das narrativas de Hans Christian Andersen ou dos irmãos Grimm, apenas num aspecto: desconhecem-se seus autores. Presume-se que sejam muitos, embora seja impossível de sequer estimar quantos, e muito menos quais.

E qual a participação de Sherazade nisso tudo? É fundamental. Ela é a narradora dessas mil e uma histórias para distrair o rei e demovê-lo da intenção de executá-la. Dá-se a entender que todos esses contos eram invenções suas, saídas de sua fértil imaginação. Portanto, só mesmo um sujeito totalmente alienado, ou o distraído dos distraídos, ou sumamente bronco, mas que logicamente tenha lido toda a coletânea, conseguiria, ou consegue se esquecer de Sherazade. Ela é absolutamente INESQUECÍVEL!! Para entender o motivo da bela princesa narrar tanta história, é necessário conhecer, pelo menos (mesmo que superficialmente) o contexto. Vamos, pois (hiper-resumidamente) a ele:

“Conta a lenda que na antiga Pérsia o Rei Shariar descobriu ter sido traído pela esposa, que tinha um servo como amante. Enfurecido, mandou matar os dois. Depois, tomou terrível decisão: todas as noites, casar-se-ia com uma nova mulher e, na manhã seguinte, ordenaria sua execução, para não mais ser traído. E assim foi por três anos, causando medo e lamentações em todo o reino. Um dia, a filha mais velha do primeiro-ministro, a bela e astuta Sherazade, disse ao pai que tinha um plano para acabar com aquela barbaridade. Porém, para aplicá-lo, precisava casar-se com o rei. O pai tentou convencer a filha a desistir da idéia. Sherazade, contudo, estava decidida a acabar de vez com a maldição que aterrorizava a cidade. E assim aconteceu, Casou-se com o Rei”.

Bem, pela lógica, deveria ser executada na manhã seguinte. Idealizou, porém, uma estratégia que poderia ou não dar certo. A pretexto de que sua irmãzinha caçula não conseguia dormir se não ouvindo uma história, pôs-se a narrar uma delas. Sua narrativa era tão bem feita, que era impossível não lhe prestar atenção. E o rei, à sua revelia, quase que sem perceber, ficou atentíssimo ao que a bela esposa narrava. Só que, ao chegar ao clímax da história, ela a interrompia. E dormia. Para não perder o final, o rei adiava, por mais um dia, a execução. À noite, Sherazade concluía a narrativa interrompida na noite anterior e iniciava uma nova, mas também interrompendo, como antes, no desfecho dela. Assim fez por mil e uma noites, sem que o rei perdesse em momento algum o interesse e, por isso, fosse adiando e adiando e adiando a execução.

Ao cabo de quase três anos, ou seja, de mil e um dias (ou noites, como queiram), Sherazade, finalmente, disse ao marido que não tinha mais nenhuma história a contar e que estava pronta para ser executada. Sua narrativa havia sido tão atrativa e eletrizante, que o rei nem percebeu que nesse período todo fez três filhos na bela esposa (vá ser distraído assim na...). E que a irmãzinha caçula de Sherazade havia se transformado em belíssima mulher. Esqueceu-se, pois, da traição da mulher anterior e de sua determinação de casar-se a cada noite com uma nova fêmea para executá-la na manhã seguinte para vingar a afronta que havia sofrido. Ficou, para sempre, com a espertíssima Sherazade. De quebra, promoveu o casamento da irmã dela com seu próprio irmão.

Quem dera que tivéssemos mesmo que parcela ínfima do magnífico talento narrativo da bela princesa persa! Nossos livros venderiam aos milhares, aos milhões, aos borbotões. Conquistaríamos lugar cativo no coração e na mente dos leitores. Seríamos quase imbatíveis na arte de narrar. Para tanto, contudo, teríamos que contar com a maior virtude literária, a mais difícil e rara de todas, que Sherazade tinha de sobejo: a da simplicidade da linguagem, sem descambar para o simplório e sem violar a mínima regra do idioma. Há, paciente leitor, como contestar, que essa bela e astuta mulher é – mesmo se desconhecendo seu real criador – personagem feminina absolutamente inesquecível?! Como esquecê-la, se ela emergiu da sabedoria do povo e sobreviveu a inúmeras gerações?! Sim, como?!!!


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