A fascinante Sherazade
das mil e uma histórias
Pedro
J. Bondaczuk
A bela, fascinante,
sedutora (e todos os adjetivos positivos que o leitor possa imaginar)
Sherazade, protagonista central dos quase vinte volumes de “As mil e uma
noites”, é, sem a mais remota dúvida, uma das personagens femininas mais
inesquecíveis da literatura mundial. Claro, para os que tiveram o privilégio de
ler essa obra monumental, a que poucos, pouquíssimos, convenhamos, tiveram
acesso. Mesmo quem não leu essa coletânea, todavia, cujos autores são
rigorosamente desconhecidos, certamente já ouviu, ou leu em algum lugar, muitas
das histórias que a astuta princesa narrou, ao longo de mil e uma noites, ao
truculento e ciumento rei, ao qual teve que entreter para salvar a vida.
Quem não conhece, por
exemplo, o conto “Aladim e a lâmpada maravilhosa”, mesmo que seja através de
quadrinhos, ou de desenho animado no cinema e, principalmente na TV? Só mesmo
quem não teve infância. Não dá para citar, aqui, “todas” as narrativas feitas
pela esperta Sherazade, já que estas são, como o título da coletânea define,
mil e uma. Mas entre elas muitas e muitas, como “Ali Babá e os quarenta
ladrões”, “Simbad, o marujo” e outras tantas, são clássicos universais do
gênero. Diferem das narrativas de Hans Christian Andersen ou dos irmãos Grimm,
apenas num aspecto: desconhecem-se seus autores. Presume-se que sejam muitos,
embora seja impossível de sequer estimar quantos, e muito menos quais.
E qual a participação
de Sherazade nisso tudo? É fundamental. Ela é a narradora dessas mil e uma
histórias para distrair o rei e demovê-lo da intenção de executá-la. Dá-se a
entender que todos esses contos eram invenções suas, saídas de sua fértil
imaginação. Portanto, só mesmo um sujeito totalmente alienado, ou o distraído
dos distraídos, ou sumamente bronco, mas que logicamente tenha lido toda a
coletânea, conseguiria, ou consegue se esquecer de Sherazade. Ela é
absolutamente INESQUECÍVEL!! Para entender o motivo da bela princesa narrar
tanta história, é necessário conhecer, pelo menos (mesmo que superficialmente)
o contexto. Vamos, pois (hiper-resumidamente) a ele:
“Conta a lenda que na
antiga Pérsia o Rei Shariar descobriu ter sido traído pela esposa, que tinha um
servo como amante. Enfurecido, mandou matar os dois. Depois, tomou terrível
decisão: todas as noites, casar-se-ia com uma nova mulher e, na manhã seguinte,
ordenaria sua execução, para não mais ser traído. E assim foi por três anos,
causando medo e lamentações em todo o reino. Um dia, a filha mais velha do primeiro-ministro,
a bela e astuta Sherazade, disse ao pai que tinha um plano para acabar com
aquela barbaridade. Porém, para aplicá-lo, precisava casar-se com o rei. O pai
tentou convencer a filha a desistir da idéia. Sherazade, contudo, estava
decidida a acabar de vez com a maldição que aterrorizava a cidade. E assim
aconteceu, Casou-se com o Rei”.
Bem, pela lógica,
deveria ser executada na manhã seguinte. Idealizou, porém, uma estratégia que
poderia ou não dar certo. A pretexto de que sua irmãzinha caçula não conseguia
dormir se não ouvindo uma história, pôs-se a narrar uma delas. Sua narrativa
era tão bem feita, que era impossível não lhe prestar atenção. E o rei, à sua
revelia, quase que sem perceber, ficou atentíssimo ao que a bela esposa
narrava. Só que, ao chegar ao clímax da história, ela a interrompia. E dormia.
Para não perder o final, o rei adiava, por mais um dia, a execução. À noite,
Sherazade concluía a narrativa interrompida na noite anterior e iniciava uma
nova, mas também interrompendo, como antes, no desfecho dela. Assim fez por mil
e uma noites, sem que o rei perdesse em momento algum o interesse e, por isso,
fosse adiando e adiando e adiando a execução.
Ao cabo de quase três
anos, ou seja, de mil e um dias (ou noites, como queiram), Sherazade,
finalmente, disse ao marido que não tinha mais nenhuma história a contar e que
estava pronta para ser executada. Sua narrativa havia sido tão atrativa e
eletrizante, que o rei nem percebeu que nesse período todo fez três filhos na
bela esposa (vá ser distraído assim na...). E que a irmãzinha caçula de
Sherazade havia se transformado em belíssima mulher. Esqueceu-se, pois, da
traição da mulher anterior e de sua determinação de casar-se a cada noite com
uma nova fêmea para executá-la na manhã seguinte para vingar a afronta que
havia sofrido. Ficou, para sempre, com a espertíssima Sherazade. De quebra,
promoveu o casamento da irmã dela com seu próprio irmão.
Quem dera que
tivéssemos mesmo que parcela ínfima do magnífico talento narrativo da bela
princesa persa! Nossos livros venderiam aos milhares, aos milhões, aos
borbotões. Conquistaríamos lugar cativo no coração e na mente dos leitores.
Seríamos quase imbatíveis na arte de narrar. Para tanto, contudo, teríamos que
contar com a maior virtude literária, a mais difícil e rara de todas, que
Sherazade tinha de sobejo: a da simplicidade da linguagem, sem descambar para o
simplório e sem violar a mínima regra do idioma. Há, paciente leitor, como
contestar, que essa bela e astuta mulher é – mesmo se desconhecendo seu real
criador – personagem feminina absolutamente inesquecível?! Como esquecê-la, se
ela emergiu da sabedoria do povo e sobreviveu a inúmeras gerações?! Sim,
como?!!!
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