Carisma patológico
Pedro J. Bondaczuk
Os
estudiosos de psicologia detectaram, num estudo divulgado em 1986, nos Estados
Unidos, uma patologia que afeta determinados líderes carismáticos, do tipo do
iraniano aiatolá Ruhollah Khomeini, ou do todo poderoso ditador líbio, Muammar
Khadafy, que denominaram de "Complexo de Hubris-Nêmesis".
As
recentes atitudes do presidente afastado, Fernando Collor, com as manobras para
adiar o seu julgamento por parte do Senado, parecem indicar que o político
brasileiro sofre desse desvio comportamental, mais comum do que se pensa.
Afinal,
mesmo sem teer nunca justificado sua eleição, com mais de 35 milhões de votos,
apesar das provas que se acumulam contra ele de crime de responsabilidade e de
todas as evidências de culpabilidade existentes, apega-se ao poder, como se
este fosse um "direito divino" que lhe tenha sido concedido.
"Hubris"
é a pretensão de alguém de ser igual aos deuses, embora o possuidor desse
desvio não admita que o tenha e muitas vezes procure mostrar uma humildade que
de fato não possui. Nêmesis, por seu turno, era a deusa mitológica da vingança.
Quando os deuses no Olimpo se irritavam com algum mortal que estava excedendo o
seu destino, ela podia interferir nos assuntos humanos para restaurar o
equilíbrio. Opunha-se, portanto, à Hubris e podia ser devastadora quando um
homem manifestava tal pretensão.
Nesta
rara patologia, contudo, as duas forças, que em geral se contradizem, se tornam
uma única. Tal fusão, conforme os estudiosos da matéria, produz uma
impressionante quantidade de energia de ambição. Como é que o complexo governa
o comportamento dos seus portadores?
Em
intensidades variadas, eles precisam apresentar-se como verdadeiros messias que
têm um destino especial no mundo, no sentido de revolucionar a história. Isto
não lembra um determinado "caçador de marajás"?
Os
líderes atacados pela Hubris-Nêmesis, na maioria das vezes, propõem projetos
monumentais e mudanças sociais que parecem construtivas e benevolentes para
seus próprios conterrâneos. Abraçam elevados ideais para racionalizar a
violência. Aparentam pretender que as metas morais prevaleçam sobre as
materiais em seus esquemas. Medram na alta retórica apoteótica, na habilidade
de transferir a responsabilidade para outros, na política da polarização.
Exigem uma lealdade absoluta e uma atenção constante. E quanto maior for o
público, tanto melhor será.
Quem
tem esse complexo jamais tolera a possibilidade de ser ignorado ou de
permanecer em segundo plano. Concorre até mesmo com os rivais
"amigos", mais do que coopera com eles. Considera o compromisso e a
acomodação como fraquezas.
O
portador da patologia se recusa a ser humilhado por aliados ou inimigos, embora
simule humildade para platéias seletas. Tais líderes gostam do desafio das
chances ínfimas, de ameaças e de obstáculos. Prosperam os confrontos apenas
para confirmar sua invencibilidade. Não são suicidas no sentido comum, mas
desafiam a morte.
Pode
haver um perfil mais parecido com tudo o que se conhece do presidente afastado,
Fernando Collor? Caso ainda falte alguma coisa, pode-se acrescentar uma última
característica dos que têm Hubris-Nêmesis: em condições extremas, podem
preferir o martírio para não terem de se render ou se humilhar!!!
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de dezembro de 1992).
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