A inesquecível virgem
dos lábios de mel
Pedro
J. Bondaczuk
A literatura
brasileira, tanto a de ficção quanto a de não-ficção, é riquíssima, no entanto,
pouco e mal divulgada. Fica a impressão, ao leitor desavisado, que nosso País é
um deserto de criatividade em que despontam, apenas, alguns raros e esparsos
bons escritores. Nada mais falso! Se você atentar para as relações semanais de
livros mais vendidos nas principais livrarias, sobretudo dos grandes centros,
publicadas em alguns jornais e revistas, notará que a imensa maioria é
constituída de obras estrangeiras. Não sou xenófobo, contudo, isso me incomoda.
Reflete o descaso, e até certo preconceito, em relação aos nossos escritores.
Talvez isso explique (claro qie não “só” isso) a razão de nenhum brasileiro
jamais ter sido mundialmente reconhecido com a outorga do Prêmio Nobel de
Literatura.
Temos magníficos
ficcionistas, romancistas, contistas e novelistas de mão cheia, que nada ficam
a dever aos melhores, aos grandes expoentes internacionais. Em seus tantos
livros, óbvio, criaram e criam personagens marcantes, quer masculinos quer
femininos, que retratam, com exatidão, nosso povo, nossas características
físicas, nossos costumes, tradições, enfim, nossa variada cultura, influenciada
por outras tantas, alhures, trazida para cá por imigrantes procedentes de praticamente
todas as partes do mundo. Bebo dessa fonte literária desde que me conheço por
gente e essa riquíssima literatura nossa moldou e segue moldando minha visão do
Brasil, do homem brasileiro e, por consequência, do que sou.
No contexto das
personagens femininas inesquecíveis, muitas emergem, desde os primórdios do que
pode ser classificado como “Literatura brasileira”, cada qual descrita e
destacada de acordo com a época em que os escritores que as criaram viveram. A
apresentação de mulheres que protagonizaram grandes enredos na visão dos
românticos difere muito da dos naturalistas e, principalmente, da dos
modernistas, cada qual com o pensamento em voga do seu tempo. Nem por isso,
todavia, devem ser consideradas menos importantes, ou desimportantes. Muito
pelo contrário. Noto certo preconceito em relação às obras da época do
romantismo, por exemplo, o que considero absurdo e sumamente condenável, por
ser injusto.
Uma das personagens
femininas que muito me impressionaram e que jamais consegui esquecer é Iracema,
protagonista do romance de mesmo nome de José de Alencar. O livro inteiro é uma
espécie de metáfora do surgimento do povo cearense. O autor deixa isso bastante
claro. Tanto que o título original desse livro, publicado pela primeira vez em
1865, era “Iracema – Lenda do Ceará”. Trata-se de magnífico poema em prosa,
epopéia que, sem exagero, nada fica a dever a “Os Lusíadas”, ou à “Odisséia”,
ou à “Eneida”, ou a outras tantas, clássicas da literatura mundial.
Leia com atenção, e com
espírito aberto, esta introdução de José de Alencar a esse delicioso romance e
diga, esclarecido leitor, se é ou não é trecho de inesquecível poema:
“Verdes
mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da
carnaúba;
Verdes
mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do Sol nascente,
perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros.
Serenai
verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro
manso resvale à flor das águas.
Onde
vai a afoita jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco
terral a grande vela? Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio
nas solidões do oceano? (...)”.
Lindo, não é mesmo? E
pouco valorizado. Tudo nesse romance, que integra, ao lado de “O guarani” e
“Ubirajara”, a trilogia indigenista desse prolífico escritor, é simbólico, é
poético, é metafórico. Iracema, por exemplo, forma um anagrama de “América”.
Ademais, trata-se de um nome brasileiro, brasileiríssimo, que não vamos
encontrar em nenhum outro país, porquanto é uma expressão indígena, do
nheegatu, que significa “enxame de abelhas”. José de Alencar, todavia,
interpretou esse significado à sua maneira, de forma mais poética,
caracterizando Iracema como a “virgem dos lábios de mel”. Mesmo não sendo o
significado indígena correto do nome, prefiro o que o escritor cearense lhe
atribui.
Li esse romance, pela
primeira vez, quando tinha, apenas, treze anos de idade. Embora não
compreendesse seu significado simbólico, sobretudo a metáfora que encerrava,
encantei-me com ele. Reli-o em diversas outras ocasiões. Aliás, estou, neste
momento, com um exemplar dele em mãos, e à medida que o folheio, encontro mais
e mais beleza, a que antes não havia atentado. E Iracema, a personagem feminina
que desde a primeira leitura se fixou, a ferro e fogo, em minha mente e em meu
coração, se torna mais e mais inesquecível, assim como seu romance com o
colonizador português Martim, que resultou no filho do casal, Moacir, o
primeiro cearense, de fato e de direito, nessa genial metáfora de José de
Alencar em forma de romance.
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