Fome e desperdício
Pedro J. Bondaczuk
O Brasil, já se disse e se
reiterou inúmeras vezes, é o país do desperdício. Joga fora talentos, vidas,
frutos do trabalho e praticamente tudo. Agora, o governo está incinerando, ou
depositando em aterros sanitários, cerca de 317 toneladas de alimentos que se
deterioraram em armazéns credenciados pela Companhia Nacional de Abastecimento,
Conab.
“Como?”,
perguntará o leitor. “Não se está fazendo uma campanha nacional para combater a
fome de 32 milhões de brasileiros?”. Essa destruição de comida, apodrecida em
virtude do mau gerenciamento dos estoques oficiais, soa até como surrealista,
caso não fosse criminosa.
O
comentarista, quando topa com uma informação desse tipo, fica perplexo e muito
mais do que isso: indignado. Precisa de um autocontrole muito grande para
analisar a questão com a frieza que esse exercício merece.
Que
não se diga que a sociedade está omissa diante da questão. Estão aí campanhas
das mais meritórias – posto que insuficientes, dada a dimensão do problema –
empreendidas por grupos comunitários em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo
Horizonte, em Porto Alegre e em várias outras metrópoles.
Está
aí o movimento liderado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, em sua
incansável peregrinação pelo País, na tentativa de sensibilizar os insensíveis.
Os alimentos, que começaram a ser destruídos nesta semana, representam apenas
10% do que se estragou, já que a quantidade total ascende a mais de 3 mil
toneladas.
Quantas
crianças que morreram vítimas da desnutrição não poderiam Ter sido salvas se
esses gêneros chegassem às suas famílias? Quantas doenças não poderiam ser
evitadas? Quanto sofrimento não seria poupado?
A
bem da verdade, não se pode culpar o atual governo por essas mazelas. O
ministro da Agricultura, Barros Munhoz, esclareceu o fato, num pronunciamento
que fez em rede nacional de televisão, no início do mês. Explicou que “há
produtos deteriorados há cinco, seis, oito anos”.
Este
é um crime (de omissão) que a opinião pública tem o dever de cobrar que seja
esclarecido. É verdade que, num país onde as pessoas têm pavor de assumir
responsabilidades, a tarefa se torna quase uma “missão impossível”. No fim das
contas, caso as investigações sejam levadas até o fim – o que não é nada
provável – é quase certo que a corda acabará arrebentando no ponto mais fraco.
Baseados
em experiências anteriores, provavelmente algum funcionário subalterno, desses
anônimos, mas produtivos, que não têm tempo para fazer política de bastidores,
por estar trabalhando, seja escolhido para “bode expiatório”, para aplacar a
ira da opinião pública.
Todavia,
o mais relevante no caso não é a punição apenas aos relapsos que geriram com
tamanha incompetência e descaso um patrimônio público. É estar atento para que
desperdícios absurdos e criminosos como este não se repitam jamais.
É
como ressaltou o editorial do jornal “O Estado de São Paulo” do dia 8 passado –
que tem o sugestivo título: “E ninguém vai preso?”, uma boa pergunta --- : “Se
não houver cobranças nem responsabilizações pelos descalabros, quem garante que
tudo não poderá se repetir, levando a descrédito total as medidas
governamentais de combate à fome?” Não se pode deixar de constatar: de fato,
não existe a mínima garantia.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 29 de agosto de 1993).
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