Hora de cair na realidade
Pedro J. Bondaczuk
O
líder soviético, Mikhail Gorbachev, desde quando assumiu o comando de fato do
seu país, em março do ano passado, vem demonstrando, pelo menos em público, uma
preocupação maior do que seus antecessores em relação a um determinado tema. O
assunto que mais excita o dirigente do Cremlin e para o qual dedica a maior
atenção é o desarmamento nuclear. Pelo menos foi isso o que ele demonstrou ao
suspender, unilateralmente, os testes atômicos do seu país, tempos antes do seu
encontro com o presidente norte-americano, Ronald Reagan, em novembro de 1985,
em Genebra. Durante aquela reunião, insistiu no assunto e ao final dela, não
escondeu de ninguém a sua decepção ao não ter conseguido nenhum avanço nesse
campo. Agora, ele volta a insistir em suas propostas e a prorrogar a moratória.
Analistas
ocidentais, que se dizem especialistas em assuntos soviéticos, levantam várias
hipóteses para explicar essa espécie de obsessão de Gorbachev. Uns dizem que
tudo não passa de encenação, de simples manobra publicitária dele. Se de fato
for este o motivo de tamanho empenho do dirigente russo, ele estará se
revelando um ator de melhores qualidades do que foi o próprio presidente
norte-americano, em seus tempos de Hollywood.
Os
pronunciamentos, propostas e concessões do líder soviético nos seus 400 dias no
poder, têm conseguido sensibilizar até círculos mais cépticos do Ocidente,
tamanha é a impressão de sinceridade que transmitem. Há, por outro lado, os que
garantem que a União Soviética sentiu que economicamente não tem poderio
suficiente para acompanhar os passos gigantescos da superpotência ocidental e
que, por isso, para poder colocar a casa em ordem, pretende parar de gastar em
armas e "jogar a toalha", mas quer fazer isso sem que deixe
transparecer que se rendeu.
Uma
terceira hipótese, freqüentemente levantada também, diz que os russos desejam
evitar o desenvolvimento do programa "Iniciativa de Defesa
Estratégica" dos Estados Unidos, mais conhecido como "guerra nas
estrelas", que se propõe a criar um escudo espacial contra os mísseis
soviéticos, garantindo a segurança absoluta para o povo norte-americano e seus
aliados.
Essa
corrente afirma que, embora tudo leve a crer que essa tentativa de máxima
proteção seja irrealizável (pelo menos a médio prazo), o Cremlin teria as suas
dúvidas quanto a isso, dado o extraordinário avanço tecnológico do país mais
rico do Planeta. Há, finalmente, os que atribuem esse empenho de Gorbachev por
um acordo sobre proibição de provas nucleares a uma grande autoconfiança de que
ele estaria possuído de que os arsenais de que dispõe são suficientes para
qualquer eventualidade e que, por isso, a URSS não tem mais o que testar.
O
interessante é que em todas essas considerações não houve ninguém que pensasse
na possibilidade do líder soviético ter entendido que somente através do
banimento desses artefatos malucos a humanidade poderá ter alguma esperança de
ter um amanhã. Afinal, ele está no mesmo barco e é tão humano quanto qualquer
um de nós.
Se
este for o motivo dele estar tão empenhado em chegar a um acordo com os Estados
Unidos, o recente desastre na usina eletronuclear de Chernobyl certamente terá
reforçado, em muito, essa determinação. Conforme o próprio Gorbachev disse,
ontem, ao povo do seu país, num pronunciamento pela televisão nacional, se o
uso da energia atômica para fins pacíficos pode causar, em caso de acidentes,
tamanhos transtornos para a vida de tantas pessoas, que cada um imagine à sua
maneira o que ocorreria numa hipotética guerra.
Que
chances a humanidade teria? Se escapasse da monstruosa explosão (o que é muito
contestável), seria afetada por doses cavalares de radiação, capazes de levar a
uma morte dolorosa e horripilante em questão de horas. E se por alguma
eventualidade, por algum desses milagres, alguém não fosse atingido pelas
assassinas nuvens radioativas, ficaria privado, por anos, da luz do Sol.
Não
veria as estrelas, a Lua e asfixiado pela poeira e mergulhado numa apavorante e
contínua escuridão, estaria desamparado, sem alimentos, água potável ou
qualquer dos bens indispensáveis à sua sobrevivência. Por que não se aproveita,
pois, esse lampejo de racionalidade, essa pontinha de lucidez, despertada pelo
desastre de Chernobyl, para se fazer algo de construtivo pela espécie humana,
banindo de vez as armas nucleares?
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 15 de maio de
1986)
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