Sunday, November 01, 2015

Mudanças exigem análise cuidadosa


Pedro J. Bondaczuk


As transformações que vêm ocorrendo no mundo desde que, em 1987, o presidente soviético, Mikhail Gorbachev, anunciou seu projeto reformista, baseado nos pilares da "glasnost" e da "perestroika", de uma forma tão vertiginosa, que praticamente não sobra tempo para uma análise mais cuidadosa das conseqüências e possibilidades futuras, têm gerado também muitas dúvidas e incertezas.

Alguns arriscam-se a fazer previsões, que logo são superadas pela realidade. Por exemplo, a primeira indicação de que Moscou estava disposta a aceitar a destruição do Muro de Berlim foi dada em maio de 1988. Na oportunidade, uma rápida reunificação da Alemanha não passava pela cabeça de ninguém, tão impossível ela parecia.

Todavia, a odiosa barreira que dividia a milenar cidade, e virtualmente toda a Europa, em duas correntes ideológicas antagônicas, e que pareciam inconciliáveis, ruiu, em 10 de novembro de 1989, levada de roldão pela vontade do povo alemão de acabar com décadas de ocupação estrangeira, e ninguém previu esse dramático desfecho.

Menos de um ano depois, o país estava reunificado, num processo surpreendentemente rápido. O mesmo ocorreu com a queda dos regimes comunistas dos Estados do Leste europeu. Funcionou, aí, o chamado "efeito dominó", mas de forma inversa à temida pelos norte-americanos na década de 1960, em relação à Ásia.

Nessa ocasião, os Estados Unidos argumentavam que o chamado "mundo livre" --- existe isso?! --- precisava impedir a todo o custo que o comunismo avançasse através das carentes sociedades asiáticas. Afirmavam que o avanço teria o efeito desse famoso jogo caseiro. Ou seja, a cada país que caísse sob a ditadura marxista, haveria um próximo, vizinho, que seria o próximo a cair.

Na região, ou por erro de enfoque --- o que é mais provável --- ou por causa da forte presença militar norte-americana, isto não aconteceu. O "dominó" restringiu-se apenas à antiga Cochinchina: Vietnã, Laos e Camboja.

O mesmo não ocorreu em relação ao Leste europeu. Todavia, parece que as análises sobre o fenômeno da falência do comunismo, ou por pressa, ou por desconhecimento dos problemas locais, vêm sendo, no mínimo, tendenciosas e em tom triunfalista.

Como diz a sabedoria popular: "muita água ainda irá passar por baixo da ponte". É indispensável que haja cautela nas conclusões, até para que potenciais crises futuras possam ser prevenidas e detidas no nascedouro.

Em recente entrevista, o filósofo francês, Alain Finkielkraut alertou para os perigos de um enfoque equivocado sobre tais acontecimentos, ao afirmar: "A partir da falência comunista, é um pouco apressado concluir pela vitória da democracia. Sejamos prudentes e atentos, não nos contentemos, para celebrar o sucesso da democracia, com a presença de certos sinais que são, por vezes, enganadores. Meu temor é que, sob o pretexto de que o comunismo ruiu, os europeus dêem provas de pouca sensibilidade diante de realidades sociais terríveis. Essa vitória sobre o comunismo entretém e disfarça o egoísmo que se chama burguês, e que é o mais brutal!"

E ademais, essa ideologia permanece viva, muito viva, em especial na Ásia. É mister que não se esqueça que o país mais populoso do mundo, a China --- um em cada cinco seres humanos que habitam este Planeta seguramente é chinês --- vive sob este regime, dominado por aquilo que de mais odioso ele possui: seu caráter policial sobre a vida dos cidadãos.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 15 de junho de 1991).


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