Tuesday, November 10, 2015

Criadora inesquecível de personagens inesquecíveis

Pedro J. Bondaczuk

A escritora gaúcha Leticia Wierzchowski está com novo livro na praça.  Trata-se do romance “Navegue a lágrima”.  Se não errei na contagem, é sua 18ª obra literária, incluindo os quatro volumes destinados ao público infanto-juvenil. Suas publicações são todas de ficção, o que mostra o quanto é criativa e talentosa. Os que já escreveram algum romance sabem o quanto de trabalho, de autodisciplina, de planejamento, imaginação e determinação uma empreitada dessas exige. Eu, por exemplo, estou trabalhando no meu primeiro há mais de dez anos e ainda não consegui concluí-lo. Imaginem escrever (e pior, publicar) catorze, como é o caso de Letícia. É uma façanha! É o caso de nunca esquecer não apenas personagens femininas que sejam de fato inesquecíveis, mas também das (ainda raras) mulheres que as criam.

Mas não é de “Navegue a lágrima” que irei tratar hoje. Meu foco é o livro “Os Getka”, publicado pela Editora Record em 2010. E por que este e não outros da sua vasta bibliografia? Porque é o que acabo de ler.  O título sugere, logo de cara, a relação da autora com sua origem. Trata-se de uma história de amor, cujo principal personagem, Andrzej, escritor de descendência polonesa, exerce duplo papel: além de protagonista, é, também, o narrador da trama. E é quem mergulha, como que numa piscina, nas lembranças da mulher que foi sua grande paixão de infância, Lylla, intermeando essas passagens com seu próprio presente. Os capítulos alternam épocas da vida do personagem-narrador. Entre essas lembranças, estão memórias dos verões que passou na casa azul, onde a presença de Lylla era marcante, passagens do seu casamento com Isabela e outras tantas recordações, que são como que sutil convite ao leitor para que rememore, também, os melhores momentos de sua própria infância. .

Óbvio que não vou, sequer, resumir o romance para não estragar o prazer de quem o adquirir (o que recomendo sem pestanejar). Confesso que, desde que li “A casa das sete mulheres”, o que já vai um certo tempo, mais de uma década pelo menos, fiquei fascinado por essa conterrânea. Aliás, fascinado é pouco. Fiquei “vidrado” por ela!!! Nos últimos dez anos (ou mais) ensaiei, “n” vezes, escrever sobre ela, mas sempre ocorria alguma coisa que me obrigava a adiar esse desejo “sine die”. Até que apareceu o atual pretexto: o de trazer à baila um punhado de personagens femininas inesquecíveis da literatura mundial. E as sete parentas do herói farroupilha, Bento Gonçalves, não poderiam ficar de fora, concordam? Seria uma heresia não tratar delas nesse contexto.

Há tanta coisa que planejei escrever sobre Leticia Wierzchowski que o mais provável é que acabe omitindo justamente o que é mais relevante. Isso acontece com assuntos tão ricos e variados, como este, que tendem a confundir nossa cabeça. Não escondo, porém, a admiração que me causa o fato de uma mulher tão jovem (acaba de completar 43 anos de idade), conte com produção literária tão vasta e tão rica. E isso, sem abrir mão de sua vida pessoal em Porto Alegre, onde reside: a de esposa e de mãe de dois filhos, com todas as obrigações que esses papeis lhe impõem.  Para mim, sua carreira literária pode ser contada antes e depois de “A casa das sete mulheres”. Até o sucesso desse romance, Letícia era uma escritora apenas regional (não que isso diminuísse sua importância, longe disso). Depois desse êxito, todavia (para o qual a minissérie da Globo muito contribuiu), passou a ser nome nacional. Pelo menos é a visão que tenho da sua carreira.

Sua vasta bibliografia (na maior parte produzida nos últimos treze anos) é a seguinte, caso eu não tenha omitido nenhum livro: Romances: “O anjo e o resto de nós” (1998), “Prata do Tempo” (1999), “eu@teamo.com.br”, com Marcelo Pires (1999), “A casa das sete mulheres” (2002), “O pintor que escrevia” (2003), “Cristal polonês” (2003), “Um farol no Pampa” (2004), “Uma ponte para Terebin” (2005), “De um grande amor e uma perdição maior ainda” (2007), “Os aparados” (2009), “Os Getka” (2010), “Neptuno” (2012), “Sal” (2013) e “Navegue a lágrima” (2015).  Livros infantis: “O dragão de Wawel e outras lendas polonesas” (2005), “Todas as coisas querem ser outras coisas” (2006), “O menino paciente” (2007) e “Era uma vez um gato xadrez” (2008).               

Notável é a regularidade com que Letícia escreve e publica seus livros. É, praticamente, na razão de um por ano. Caso mantenha essa média (espero que sim), quando chegar à minha idade terá publicado (caso se continue a escrever somente romances) quarenta e sete obras de ficção! É verdade que Letícia nem sempre teve essa facilidade de acesso às editoras. Em uma excelente entrevista que concedeu há algum tempo ao site “SaraivaConterudo”, da Editora Saraiva, ela revelou:

“Eu fui muito recusada! Fui tão recusada... Eu escrevia tanto... Demiti-me do trabalho do meu pai porque queria ser escritora. Publiquei primeiro por uma editora aqui do Sul. Mandei [originais] para grandes editoras do Brasil várias vezes. A ponto de, um dia, alguém da editora Objetiva me ligar: ‘Por favor, Leticia, não mande mais seus originais porque eu já tenho vergonha de negar. Porque a gente não vai publicar o livro de uma escritora jovem, sem indicação. Não mande mais!’ Pensei: ‘Bom, esse caminho não vai dar certo’”. E como Letícia rompeu essa muralha de “nãos” (que nos é tão familiar), até conquistar seu espaço? É ela quem narra, na referida entrevista:

“Em Porto Alegre tem um edital da Prefeitura que se chama Fundo Pró-Arte. Eles dedicam uma verba para obras artísticas de moradores da cidade. Publicar um livro é barato. Eu sabia que se quisesse publicar era fácil. Mas nunca incorri nesse erro porque não temos como fazer distribuição. E, depois, chega num veículo sem nenhuma recomendação e ninguém lê. Fui selecionada e ganhei o custo da edição. Então, uma editora, que já tinha me negado, resolveu me publicar”. Deu no que deu.

Sua persistência é outra, das tantas razões, para admirar Leticia Wierzchowski como admiro. Meu leitor é testemunha do quanto tenho insistido na importância dessa “teimosia”, caso tenhamos convicção de que aquilo que estamos fazendo é de qualidade e que merece o espaço, o lugar ao sol que tanto ansiamos (mas que nem sempre buscamos, esgotando todas as possibilidades). Admiro as pessoas talentosas, com personalidade, que sabem o que querem e que nunca desistem de seus sonhos. E Letícia, como se vê, nunca desistiu.


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