Vocação e talento
Pedro
J. Bondaczuk
A vocação é um conceito
bastante amplo, e muito controverso, com significados diferentes para
diferentes pessoas. Para uns, qualquer indivíduo, com inteligência mediana,
desde que devidamente instruído e que receba oportunidades para essa instrução
e posterior desenvolvimento, tem a capacidade de exercer qualquer atividade ou
profissão, sem que seja nenhuma específica e muito menos única. Para outros,
todavia, há determinadas coisas que nos agradam mais, que nos dão prazer em
executá-las e que, por isso, executamos melhor do que as que, por alguma razão,
não gostemos.
Os dicionaristas
elencam uma série de sinônimos para a vocação, como aptidão, capacidade,
disposição, habilidade, inclinação, jeito, orientação, pendor, predisposição,
propensão, qualidade, talento e tendência. Elas contrapõem-se à tese de que
qualquer um pode fazer qualquer coisa, desde que lhe dêem condições propícias
para tal. Honestamente, não tenho opinião formada a propósito. Eu mesmo já
exerci várias atividades, muito diferentes umas das outras, com idêntico prazer
e com resultados na pior das hipóteses “bons”.
Às vezes, sinto-me
tentado a achar que minha vocação sejam as letras, seja a criação de textos
(jornalísticos, literários, publicitários, jurídicos ou de qualquer outra
natureza). Mas também já fiz coisas que nada tinham a ver com redação, e me dei
bem. Sobretudo, gostei de fazer. Mas... Continuo sem opinião formada a
propósito. Acho importante, no entanto, esta observação feita por Clarice Lispector,
que põe uma pimentinha a mais nesse angu, com a qual concordo: “Vocação é
diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se
ser chamado e não saber como ir”.
E ela não está certa?
Posso ser fascinado por determinada profissão ou atividade (e sou por muitas),
posso amá-la com paixão (e amo-as todas) sem, contudo, saber como exercitá-la
com a devida aptidão, ou seja, da melhor forma possível, ou, até mesmo, de
forma minimamente aceitável, com qualidade que não seja pelo menos grosseira.
Isso acontece. Nesse caso, teria (talvez tenha) “vocação”, pelos critérios
aceitos para definir esse conceito, porém... teria escasso talento, quando não
talento zero. Ou próximo dele.
Quanto a talento, não
basta tê-lo. É preciso, antes e acima de tudo, descobrir que o temos. Mas a
simples descoberta também não significará nada se não soubermos como usá-lo.
Muitos (possivelmente, a maioria) não sabem sequer que o têm. E se sabem, não
têm a mais remota idéia do que fazer com ele. Ademais ele nunca vem completo,
perfeito, acabado, prontinho para ser exercido. As coisas não funcionam assim.
É preciso, tão logo o identifiquemos, melhorá-lo, desenvolvê-lo, aperfeiçoá-lo.
E, por fim, exercê-lo, pois, caso contrário, não nos adiantará de nada tê-lo.
A lição que mais me
impressionou, a respeito, é a expressa por Jesus Cristo, na conhecida (mas
pouco meditada) “Parábola dos Talentos”. Transcrevo-a, na íntegra, da forma que
está expressa no Evangelho de Mateus (Capítulo 25, versículos 14 a 30):
“ (...) 14- Pois será
como um homem que, ausentando-se do
país, chamou os seus servos e lhes confiou os seus bens.
15- A um deu cinco
talentos, a outro, dois e a outro, um a cada um segundo a sua própria
capacidade; e, então, partiu.
16- O que recebera
cinco talentos saiu imediatamente a negociar com eles e ganhou outros cinco.
17- do mesmo modo, o
que recebera dois ganhou outros dois.
18- Mas o que recebera
um, saindo, abriu uma cova e escondeu o dinheiro do seu senhor.
19- Depois de muito
tempo, voltou o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles,
20- Então,
aproximando-se o que recebera cinco talentos, entregou outros cinco, dizendo:
Senhor , confiaste-me cinco talentos; eis aqui outros cinco talentos que
ganhei.
21- Disse-lhe o Senhor:
Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei;
entra no gozo do teu Senhor.
22- E, aproximando-se
também o que recebera dois talentos; disse: Senhor, dois talentos me confiaste;
aqui tens outros dois que ganhei.
23- Disse-lhe o Senhor:
Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei;
entra no gozo do teu Senhor.
24- Chegando, por fim,
o que recebera um talento, disse: Senhor, sabendo que és homem severo, que
ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste,
25-receoso, escondi na
terra o teu talento; aqui o que é teu.
26-Respondeu-lhe,
porém, o senhor: Servo mau e negligente, sabias que ceifo onde não semeei e
ajunto onde espalhei?
27- Cumpria, portanto,
que entregasses o meu dinheiro aos banqueiros; e eu, ao voltar, receberia com
juros o que é meu.
28- Tirai-lhe , pois, o
talento e daí-o ao que tem dez.
29- Porque a todo o que
tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.
30- E o servo inútil,
lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes”.
A Parábola de Cristo
foi exposta em um contexto espiritual. Todavia, ilustra a caráter o que ocorre
no plano, digamos, “mundano”. O sujeito que tem múltiplos talentos e ainda
assim empenha-se em multiplicá-los, certamente passará a ter muitos deles.
Tantos na proporção do seu empenho. Já o que tem um único, mas que, por razões
que só a ele compete saber por que, escondê-lo... Não dará outro resultado.
Ficará, sem dúvida, sem esse único e solitário talento, por causa da sua preguiça, ou medo, ou
insegurança ou por seja lá qual for seu motivo. Deixo-lhe, paciente e
inteligente leitor, provocador como sou, esse tema, para sua reflexão.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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