Tuesday, October 20, 2015

Poesia é ato de paz


Pedro J. Bondaczuk

"A experiência (uma longa série de sensações) nos ensinou que um momento de êxtase vale por um ano de raciocínio". A afirmação é do filósofo norte-americano Will Durant, expressado em seu clássico “Filosofia da vida”, que a fez com a objetividade do pensador e não com o descomprometimento do poeta. Trata-se de evento raro, que só ocorre com os que se predispõem a essa felicidade suprema, tão absoluta, irrestrita e arrebatadora que alguns até chegam a duvidar que exista. Mas existe e marca a vida de quem vivencia essa experiência. Há quem a confunda com o orgasmo, com o qual tem até alguma semelhança. Trata-se, porém, de sensação ligeiramente parecida, mas muito mais profunda, intensa e inesquecível do que o gozo sexual.

Para viver um momento como este, requer-se que tenhamos postura positiva face ao mundo. O êxtase, esta suprema alegria, não advém, como supõem alguns pseudomísticos (na verdade masoquistas), da mortificação, do sofrimento físico e/ou psicológico, do sacrifício, das privações ou da angústia. Não é encontrado no mundo trágico das drogas, com seus pesadelos lúgubres, embora exista até um produto com este nome, vendido quase que livremente, que promete irresponsavelmente conduzir seus usuários ao "paraíso". Leva-os, isto sim, ao inferno, não raro sem volta Dinheiro algum é suficiente para comprar essa enorme felicidade. O êxtase é a culminância de pequenas satisfações, quase nunca valorizadas, que temos no dia-a-dia e que se somam até se transformar em algo único, maiúsculo, grandioso, incomparável e inesquecível.

No meu caso, atinjo-o em situações até bastante comuns, posto que específicas. Chego a ele quando consigo produzir um texto perfeito, em sua construção formal, nas idéias transmitidas, e na simplicidade, por exemplo. Quando chego ao coração alheio e me faço compreendido. Quando recebo reciprocidade pelo amor que sinto. Quando levo consolo e esperança a quem precise. Quando me sinto útil e sou importante pela capacidade de servir e não de ser servido. Quando transmito confiança e consigo orientar para o melhor caminho os outros. Embora profissional do texto – meu ganha pão, vocação e missão – escrevo não com vaidade, nem com raiva e muito menos mecanicamente. Faço-o com alegria.

Gosto do que faço. E não troco essa satisfação tão simples por nenhuma outra das tantas que as pessoas procuram. Pouco importa que passe por privações materiais se preencho minha vida de beleza. Nenhum sofrimento me abala se me alimento de poesia. Enquanto a maioria dos escritores tem como matéria-prima os becos escuros da alma, sentimentos trágicos, acontecimentos tétricos, instintos selvagens ou  atos primitivos, prefiro concentrar-me no lado belo da existência. Gosto de tratar de emoções simples. A beleza está na simplicidade. Dizem que a felicidade é sem graça e não se presta à literatura. Puro engano. A morte, embora me atemorize, é que não me fascina. A violência, em todas as suas formas e manifestações, me causa repugnância.

Amo a beleza, a solidariedade, a delicadeza. E, como ressalta Pablo Neruda no livro "Confesso que vivi", "a poesia é sempre um ato de paz. O poeta nasce da paz como o pão nasce da farinha. Os incendiários, os guerreiros, os lobos buscam o poeta para queimá-lo, para matá-lo, para mordê-lo. Um espadachim deixou Pushkin ferido de morte entre as árvores de um parque sombrio. Os cavalos de pólvora galoparam enlouquecidos sobre o corpo sem vida de Pettofi. Lutando contra a guerra morreu Byron na Grécia. Os fascistas espanhóis iniciaram a guerra na Espanha assassinando seu melhor poeta". Mas a magnífica produção desses “filhos da paz” sobreviveu. Porquanto “a poesia é sempre um ato de paz”.

Sigo, na medida do possível, como norma de conduta literária, a recomendação do pensador budista japonês, Daisaku Ikeda, que ao comentar a responsabilidade social que o escritor tem perante seu público, como orientador de comportamentos, dá a entender que ninguém sai lucrando com a exploração das misérias humanas. Que se deliciar com a desgraça de personagens lançados de ponta-cabeça no inferno dos seus vícios, neuroses e loucuras, é um desvio doentio de personalidade.

Por isso, não vejo arte alguma na banalização da morte. Não vislumbro nada de estético na apologia do assassinato feita especialmente pelo cinema, mas também explorada em romances, contos e novelas. Não identifico qualquer heroísmo na supressão de vidas alheias, seja qual for o pretexto, mesmo que em simples enredos de ficção. Somente um louco sanguinário consegue atingir o êxtase diante da morte. Apenas um sádico perverso aprecia o sofrimento, físico ou moral, de quem quer que seja. “A poesia é sempre um ato de paz”. Por isso, busco-a, com afã, no cotidiano e ao encontrá-la, extasio-me. Amo a vida, a beleza e a alegria. Não descrevo sonhos, deliro... Sou poeta!


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