Jornalismo literário
vale Nobel a Svetlana Alexievich
Pedro
J. Bondaczuk
A Academia Sueca
privilegiou o jornalismo literário ao conferir o Prêmio Nobel de Literatura de
2015 à jornalista da Belarus, de 67 anos, a Svetlana Alexievich. Foi uma
decisão, se não inédita (não tenho certeza quanto ao ineditismo), pelo menos
“diferente” das usuais. Minha sensação em relação á premiada é contraditória,
ou seja, paradoxal: por um lado, é de lisonja, mas, por outro, de decepção. No
primeiro caso, é gratificante alguém da minha profissão ser reconhecida com um
prêmio dessa importância e projeção, sobretudo por enfocar, com arte e
capricho, a duríssima e quase sempre perversa realidade do cotidiano, sem
distorcer a verdade objetivando obter maior efeito como muitos profissionais de
imprensa infelizmente fazem com crescente constância.
E o por que da minha
decepção? Pelo fato de, mais uma vez, a Literatura brasileira ter sido
preterida, embora eu não nutrisse a menor expectativa de que nosso candidato, o
ilustre historiador e cientista político Moniz Bandeira, tivesse a mais remota
chance de êxito. Todavia... enquanto o fato não se consume, resta-nos sempre
teimosa réstia de esperança pela ocorrência de alguma surpresa. E a Academia
Sueca surpreendeu, sim. Mas não da maneira que eu mais desejava que
surpreendesse e que me deixasse, portanto, digamos, um tantinho “eufórico”.
Surpreendeu premiando a 14ª mulher. Svetlana Alexievich veio se juntar a um
restrito e seleto grupo feminino, integrado por Selma Lagerlöf, Grazia Deledda,
Sigrid Undset, Pearl S. Buck, Gabriela Mistral, Nelly Sachs, Toni Morrison,
Nadine Gordimer, Wislawa Szymborska, Elfriede Jelinek, Doris Lessing, Herta
Mueller e Alice Munro.
Mas as surpresas não
foram, apenas, pelo fato de uma jornalista ser premiada – e não por livros de
poesia ou de ficção, mas exclusivamente de reportagem, mais apropriados para um
Prêmio Pulitzer, caso a premiada fosse norte-americana – e nem por não se tratar de um escritor
(masculino), como normalmente ocorre. A sucessora do francês Patrick Modiano
era a favoritíssima nas principais casas de apostas da Europa e dos Estados
Unidos, sobretudo da Ladbrokes. Embora não se trate de fato inédito, é um tanto
raro. Não deixa de ser, poisd, outra das surpresas. Normalmente, os apostadores
erram e erram feio. Desta vez, acertaram na mosca. Svetlana, que em 2013 e 2014
foi a terceira mais apostada, neste ano era a primeiríssima da lista.
Bem que eu gostaria de
ler seus principais livros e de comentá-los, como fiz com os de Patrick
Modiano. Infelizmente, isso terá que esperar um pouco. Não há um único deles
traduzido para o português e publicado no Brasil. Aposto, porém, na agilidade
de nossas editoras e não me surpreenderei se alguma de suas obras vier a ser
publicada ainda neste ano ou, no máximo, no primeiro semestre de 2016. Que
assim seja!
A seu respeito, reitero
algumas informações que trouxe à baila em um comentário que fiz na semana
passada. Svetlana Alexievich, por exemplo, embora tenha concorrido pela Belarus
(a antiga Bielo Rússia), é ucraniana de nascimento. Nasceu em Ivano Frankivst,
em 21 de maio de 1948. Adotou, todavia, a nacionalidade bielo-russa. Mudou-se
para Belarus quando muito criança, onde cresceu e foi educada. Nesse aspecto, é
como Clarice Lispector, que também nasceu na Ucrânia, mas veio ainda bebê para
o Brasil. Caso ganhasse o Nobel (e bem que mereceu ganhar), seu prêmio seria
computado ao nosso País, já que ela se naturalizou brasileira.
Embora Svetlana escreva
desde a adolescência, tendo se iniciado na poesia, destacou-se, mesmo, como
jornalista. Seus livros devem ser classificados, exclusivamente, na categoria
de jornalismo literário, por se tratarem de extensas reportagens. Sua obra é
conhecida em praticamente toda a Europa, além dos Estados Unidos, China, Vietnã
e Índia. Seus livros mais famosos são os que abordam, respectivamente, o
desastre da usina nuclear de Chernobyll, na Ucrânia: a participação das
mulheres, como combatentes, como soldadas, nos campos de batalha, durante a
Segunda Guerra Mundial e a tragédia do Afeganistão, com seus vários conflitos
armados e invasões estrangeiras, a partir da intervenção militar da extinta
União Soviética, complementada pela ação das tropas dos Estados Unidos, a
pretexto de caçarem o líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden (que os próprios
norte-americanos haviam financiado e apoiado para combater a URSS).
Quanto ao acerto dos
apostadores, embora raro, está longe de ser inédito. Lembro-me de pelo menos
quatro outras ocasiões em que isso aconteceu: em 2003, com o sul-africano John
Maxwell Coetzee; em 2006, com o turco Orhan Pamuk; em 2008, com o francês
Jean-Marie Le Clézio; e em 2009, com a
alemã Herta Müller. Destaco que Svetlana Alexievich não é benquista pelo regime
autoritário do presidente Alexander Lukashenko. O ditador da Belarus, entre
outras restrições que lhe impõe, impede suas aparições públicas em Minsk, a
capital, onde ela vive durante parte do ano. É a sina dos bons jornalistas.
Tiranos têm horror aos que informam a população com competência, correção e
responsabilidade. Vai daí...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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