Tereza Batista cansada
de guerra
Pedro
J. Bondaczuk
As personagens
femininas criadas por Jorge Amado (pelo menos a maioria delas), têm algumas
características comuns. Emergem, por exemplo, das camadas populares, daquelas
famílias mais pobres, na verdade miseráveis, que sobrevivem no sertão
nordestino, assoladas por periódicas secas, cuja luta pela sobrevivência é
heroica epopéia. São apresentadas precocemente ao sexo. São estupradas ainda
muito meninas e não raro são “vendidas” pelos pais ou tutores a algum coronel,
como recurso desesperado e derradeiro para sobreviverem. Algumas acabam parando
em prostíbulos, para satisfazer caprichos lúbricos de poderosos, que ademais
não vêem nelas seres humanos, mas objetos para seu prazer. Todavia, reagem, com
os recursos naturais, instintivos que têm, com uma força interior imensa e
insuspeitada e mudam de vida. Revelam-se figuras humanas magníficas,
inspiradoras e exemplares, no sentido de jamais se entregarem às
circunstâncias, por mais trágicas que pareçam e que sejam.
Uma dessas personagens
femininas inesquecíveis, pelas quais o leitor se apaixona ao final da leitura
do romance que protagoniza, é Tereza Batista. Sua trajetória, no enredo nu e
cru engendrado por Jorge Amado, que é tão real que parece que estamos
testemunhando situação verídica e não uma trama de ficção, pode ser resumida
assim: “Órfã de pai e mãe, a menina, no verdor dos seus treze anos de idade, é
vendida pela tia Felipa a Justiniano Duarte da Rosa, o capitão Justo, que tinha
predileção por menininhas muito novas e, evidentemente, virgens, que, sdem
nenhum constrangimento, a estupra. Nas terras dele, a garota indefesa é tratada
não como pessoa, mas como “propriedade”, da qual se dispõe como quiser, sem
dever explicações a ninguém. Inclusive, ou principalmente, do ponto de vista
sexual. Mas Tereza irá lutar até o fim contra as dominações a que se vê
submetida”.
Por meio dessa, mulher
guerreira e inteligente, calejada pela vida de violências físicas e sexuais,
Jorge Amado denuncia, no livro “Tereza Batista cansada de guerra” – romance
publicado em 1972 – sobretudo a condição
da mulher em algumas regiões da Bahia em meados do século XX. Será que as
coisas são hoje muito diferentes? E não especificamente na região que serviu de
cenário para essa trama, mas nos tantos grotões esquecidos, deste país
continente? Ora, ora, ora. E nem precisa tanto. Nas grandes cidades
brasileiras, milhares de meninas são vítimas, volta e meia, do tal “turismo
sexual”. Amiúde, surgem, nas imprensa, denúncias de políticos, que “compram”
menininhas virgens para serem desvirginadas por esses criminosos tarados e seus
amigos, tão torpes quanto eles. Mas... esses casos são logo abafados e não se
fala mais nisso.
O livro de Jorge Amado
já foi traduzido para alemão, árabe, coreano, eslovaco, esloveno, espanhol,
francês, grego, hebraico, holandês, inglês, italiano, norueguês, polonês, turco
e vietnamita e raro é o leitor, não importa de que nacionalidade, que não se
revolta com o tratamento dado pelos poderosos às meninas pobres e que não se
apaixonam pela personalidade e espírito de luta de Tereza Batista, que,
compreensivelmente, “cansou-se de guerra!
“Essa mulher guerreira,
que apesar das vicissitudes e dramas não abre mão da esperança e da alegria de
viver, apaixona-se por Daniel. Para ficar com ele, mata o capitão que a comprou
e a estuprou. Todavia... seu amado a abandona. Na prisão, Tereza é atendida
pelo advogado Lulu dos Santos, por ordem do dr. Emiliano, que se compadecera
dela numa visita que fizera ao seu então “dono”. Resgatada, ela passa por breve
período de paz, até que seu novo protetor morre, deixando-a sem guarida. A
partir daí, passa a se prostituir e conhece um pescador com quem vive lindo
romance. Mas... esse novo amor também some de sua vida. Tereza vai para
Salvador e passa a cantar num cabaré. Conhece outro homem e decide se casar com
ele. Todavia seu grande amor, o pescador, retorna, e agora ela fica dividida
entre os dois”.
Como a história
termina? Desculpem-me, mas mais não direi. Quem quiser saber o desfecho, que
leia o romance. Jorge Amado escreveu o seguinte sobre esta mulher sofredora,
mas determinada, que verga, mas nunca quebra: "Difícil para Tereza foi
aprender a chorar, pois nasceu para rir e alegre viver. Não quiseram deixar mas
ela teimou, teimosa que nem um jegue essa tal Tereza Batista. Mal comparado,
seu moço, pois de jegue não tinha nada afora teimosia; nem mulher macho, nem
Paraíba, nem boca suja – ai, boca mais limpa e perfumosa! –, nem jararaca, nem
desordeira, nem puxa-briga; se alguém assim lhe informou, ou quis lhe enganar
ou não conheceu Tereza Batista. Tirana só em tratos de amor; como já disse e
reafirmo, nasceu para amar e no amor era estrita. Por que então a chamaram de
Tereza boa de briga? Pois, meu compadre exatamente por ser boa de briga, igual
a ela não houve em valentia e altivez, nem coração tão de mel. Tinha aversão a
badernas, nunca promoveu arruaças mas, decerto pelo sucedido em menina, não
tolerava ver homem bater em mulher”.
Contudo a melhor
definição dessa personagem feminina absolutamente inesquecível foi a dada por
dona Eulália Amado, mãe de Jorge Amado, que afirmou o seguinte, tempos atrás,
em um depoimento: "[...] eu, Eulália Leal Amado, Lalú, na voz geral da
bem-querença, lhe digo, meu senhor, que Tereza Batista se parece com o povo e
com mais ninguém. Com o povo brasileiro, tão sofrido, nunca derrotado. Quando o
pensam morto ele se levanta do caixão". E não é?!!! Queiram, ou não, o
brasileiro nunca desiste, pois tem como profissão (parodiando o título de uma
peça teatral muito famosa) a ESPERANÇA.
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