Baixas
só são estimadas
Pedro J. Bondaczuk
O número de mortos nos 42 dias de duração da guerra
do Golfo Pérsico e nas subseqüentes rebeliões contra o presidente iraquiano,
Saddam Hussein, por parte dos xiitas no Sul e curdos no Norte do Iraque, é um
dado absolutamente desconhecido nesse drama perverso que se desenrolou no
Oriente Médio, cujas conseqüências maiores ainda estão por vir.
Estimativas existem, indo de um extremo ao outro, de
acordo com o que seus autores procuram provar. Os que desejam se referir à
precisão das armas aliadas, evidentemente, subestimam as cifras. Os que querem
ressaltar a crueldade e a ânsia pelo poder do “carniceiro de Bagdá”, mencionam
quantidades elevadas. A verdade, evidentemente, deve estar no meio, embora
ninguém saiba qual seja. E deverá prevalecer, como sempre, a versão dos
pseudovencedores.
Os balanços que mais freqüentemente são mencionados
falam em 400 mil civis iraquianos mortos, em decorrência dos bombardeios
sistemáticos e duríssimos a que o Iraque foi submetido, que não tiveram nada de
“cirúrgicos”, conforme se propalou.
A esse número, porém, devem ser acrescentados os que
morreram de fome, de doenças, em conseqüência de ferimentos recebidos e
maltratrados ou de outras causas decorrentes das péssimas condições de sobrevivência
provocadas pela confrontação militar.
Supondo que a cifra seja de 420 mil, teríamos 10 mil
mortes diárias nos 42 dias de batalha, em média, o que, por si só, já torna
essa estupidez, que foi a crise do Golfo Pérsico – da origem ao desfecho – um
dos episódios mais sangrentos deste século, tão marcado pela violência.
Recentemente, por outro lado, um porta-voz do
Partido Democrático do Curdistão, exilado no Líbano, estimou que as rebeliões contra Saddam Hussein, que
explodiram após o cessar-fogo, provocaram pelo menos 300 mil mortes. A elas
devem ser acrescentadas outras 60 mil, na maioria velhos, mulheres e crianças,
no bíblico êxodo dos curdos rumo às fronteiras do Irã e da Turquia.
No Kuwait, por outro lado, o foco de todo o drama
que se desenrolou nas areias do deserto da região, se estima que, entre mortos
e desaparecidos, as vítimas chegaram a cerca de 33 mil. Portanto, num balanço
efetuado na base do chutômetro, chega-se, facilmente, à elevadíssima cifra de
823 mil.
Isto, sem contar o número de soldados dos dois lados
que tombaram nas várias batalhas, detalhe absolutamente “top secret”, durante e
depois da guerra. E estes não devem ser poucos. Afinal, os aliados utilizaram
contra o Iraque a estratégia que haviam desenvolvido para uma Terceira Guerra
Mundial, na eventualidade dela ser travada com armas convencionais, colocando
em uso o que existe de mais sofisticado na selvagem “arte de matar”.
Não se concebe que numa confrontação envolvendo um
milhão de homens de ambos os lados, o número de mortos e feridos tenha chegado
a míseras centenas, conforme se deu a entender. E tudo isso serviu para quê?
O Kuwait foi libertado, mas devolvido a seus
legítimos donos em ruínas. Saddam Hussein permanece no poder tão forte quanto
antes de sua derrota. Os palestinos continuam sem ter uma pátria e a solução
para o problema do Oriente Médio segue esbarrando nos mesmíssimos obstáculos de
sempre.
A guerra do Golfo, portanto, não teve ganhadores,
mas somente perdedores. Perderam os parentes dos cerca de um milhão de mortos
que, se estima, tenham tombado. E mais do que eles, os sobreviventes, que terão
que lutar pela existência arrancando recursos de meras ruínas.
(Artigo publicado na página 24, Internacional, do
Correio Popular, em 28 de abril de 1991)
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