Cúpula sabotada
Pedro J. Bondaczuk
A
apenas 12 dias da reunião de cúpula das superpotências, a ser realizada em
Genebra entre seus dirigentes máximos, o presidente norte-americano, Ronald
Reagan, e o secretário-geral do PC soviético, Mikhail Gorbachev, coisas
estranhas começam a acontecer para atrapalhar o encontro. Como os três recentes
casos de deserção de russos para o Ocidente, tendentes a despertar as maiores
suspeitas nos dois lados do Atlântico. Primeiro foi a questão do marinheiro
ucraniano Miroslav Medvid, que saltou de um navio de seu país no Rio
Mississipi. Ele foi conduzido a instalações do governo norte-americano,
interrogado e na última hora, desistiu de pedir asilo nos Estados Unidos.
Mal
o incidente havia esfriado, eis que ocorre algo semelhante no explosivo
Afeganistão, mais especificamente na sua capital, Cabul. Ali, a pretexto de
estar cansado de combater em território alheio (o que não deixa de ser
plausível), um jovem soldado soviético, de apenas 19 anos, refugiou-se na embaixada
norte-americana daquela cidade, pedindo asilo. A "temperatura" chegou
a ficar bastante elevada, tanto em Washington quanto em Moscou, quando os
russos cortaram a eletricidade e cercaram a missão diplomática de "Tio
Sam". No dia seguinte, o adolescente, Vassilyevich Sukhanov, expressava o
seu "arrependimento pela atitude impensada" e decidia retornar para
casa, não sem antes obter uma garantia de que não seria punido por seus
superiores.
Finalmente,
na segunda-feira, estourou o escândalo mais sério envolvendo deserções. Vitaly
Yarchenko, ex-agente da inteligência soviética, que chegou a ocupar o quinto
posto na hierarquia da KGB (que envolve centenas de milhares de subordinados),
apareceu de repente na embaixada de seu país em Washington para fazer uma estarrecedora
revelação. A de que fora seqüestrado e drogado pela CIA em Roma e levado contra
a sua vontade para os Estados Unidos. É evidente que os norte-americanos
negaram, indignados, a acusação (indignados até demais). O presidente Reagan,
inclusive, aventou a hipótese desse caso (e quem sabe, os demais) ter sido uma
hábil manobra do Cremlin para criar sombras na reunião de cúpula dos próximos
dias 19 e 20. Até pode ser, como pode ser o contrário.
Essa,
afinal, não seria a primeira vez que um encontro dessa natureza correria riscos
de ser cancelado, por causa de incidentes bobos, às vésperas de sua realização.
Nunca é demais citar o "affaire" do avião-espião dos Estados Unidos,
U-2, abatido por caças russos em 1 de maio de 1960, quase às vésperas de uma
visita do presidente Dwight Eisenhower a Moscou. Dez dias depois do
aprisionamento do piloto norte-americano Gary Francis Powers, o convite para
essa viagem, de tamanha importância na época, foi cancelado. O incidente dos
mísseis em Cuba, por outra parte, levou ao fracasso uma reunião dos líderes das
superpotências, que deveria ser realizada em Paris. John Kennedy e Nikita
Kruschev passaram a trocar desde então ácidas acusações mútuas e a pretendida
distensão Leste-Oeste foi, mais uma vez, "para as calendas".
O
encontro de Genebra, de qualquer forma, nem precisaria de novas sombras para
fracassar de vez. O relatório pessimista de George Shultz, de anteontem, após
concluir dois dias de intensas conversações com Moscou, faz decrescer
sensivelmente as esperanças de que se possa chegar a algum acordo concreto
nessa reunião de cúpula que se avizinha. E tudo leva a crer que essa pode ser a
última chance para que se evite o que hoje é impensável. Será que as
superpotências desejam perder essa oportunidade para uma rara demonstração de
lucidez? Parece que sim!
(Artigo
publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular em 7 de novembro de
1985)
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