Saturday, October 24, 2015

A arte do encontro

Pedro J. Bondaczuk

A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Esta enfática e filosófica declaração foi feita por uma das personalidades públicas que mais admirei (e admiro), das raras que tive o privilégio de conhecer pessoalmente: Vinicius de Moraes, o sempre querido e saudoso “Poetinha” (diminutivo que denota carinho e não, como os desavisados possam pensar, qualquer tipo de diminuição). Foram poucas (na verdade, se a memória não me falha, três) as celebridades com as quais pude me encontrar “ao vivo”, cara a cara, de corpo e alma. Foram poucas, porém memoráveis. Poucas, posto que inesquecíveis. Poucas, mas que celebrizei (e seguirei celebrizando enquanto puder) em textos, com indisfarçável orgulho. E não propriamente pela fama das celebridades, mas pelo que foram e fizeram.

O primeiro desses encontros marcantes e inesquecíveis (não, porém, nessa ordem) foi, justamente, com o “Poetinha”. Ele deu-se em 1963, em um bar de Ipanema. Estive a centímetros do meu ídolo poético (um deles). A timidez (e mais do que ela, a reverência) impediu-me, no entanto, de lhe dizer sequer um olá, embora a oportunidade estivesse ali, bem ao alcance da mão. Uma pena! Mas a experiência valeu. O segundo encontro foi menos formal. Aliás, foi totalmente informal, regado a litros de café e interminável bate-papo. Foi com o escritor Fernando Sabino, em 1984, na redação do Correio Popular de Campinas, onde eu era editor. Fui incumbido de entrevistá-lo. Ele estava na cidade para o lançamento de mais um de seus tantos livros de crônicas, “O gato sou eu” que, lógico, o ilustre autor me brindou, com o respectivo autógrafo. Finda a entrevista, nos entretivemos com longa conversa, como se nos conhecêssemos de longa data e não naquele momento, que nunca se apagou de minha memória (nem poderia).

Todavia, houve outro encontro que antecedeu a estes dois e que, dada a época em que se deu e as circunstâncias que o cercaram, reputo como um dos momentos mais memoráveis da minha vida. Ocorreu na porta do vestiário do Santos Futebol Clube, no Estádio Municipal do Pacaembu, numa noite de quarta-feira de 16 de agosto de 1961. Foi com o único e legítimo “rei do futebol”, eleito o “atleta do século XX”, que neste 23 de outubro de 2015 completa 75 anos de idade. Na ocasião, não havia completado, ainda, 21 anos. Eu estava com 18, ainda naquele período maravilhoso do final da adolescência, quando nos consideramos “eternos” e superpoderosos. Ah, como era bom aquele tempo!

O leitor arguto já matou a charada. O referido encontro foi, mesmo, com Edson Arantes do Nascimento, o querido e inesquecível Pelé, cuja humildade e acessibilidade têm que ser exaltadas sempre, por serem comparáveis à sua genialidade na atividade que lhe coube exercer com maestria. Havia uma multidão de pessoas na saída do vestiário do Santos: repórteres de rádio e de jornais, dezenas de eufóricos torcedores santistas, vibrando com a goleada que o time havia imposto a um de seus maiores rivais, o Corinthians e... EU. Não sei nem dizer como, mas, subitamente, fiquei frente a frente com o genial atleta, que havia “arrebentado” o adversário no jogo. Estendi-lhe, sem esperança de ser atendido, um bloco de anotações que já então carregava comigo para onde fosse (costume que nunca perdi), rogando-lhe, implorando por um autógrafo, duvidando que teria sucesso.

Foi quando Pelé fixou seu olhar em mim. Pediu licença a seu interlocutor e interrompeu a entrevista que estava concedendo a um repórter de rádio. Olhou-me como se eu fosse amigo de longa data com o qual não se encontrasse há muito tempo, e... deu o tal autógrafo. Não se limitou, contudo, a isso. Deu-me, de quebra, um afetuoso abraço que, óbvio, me surpreendeu. Até hoje não sei se Pelé me confundiu com outra pessoa (com um amigo de Bauru, quem sabe) ou se o afeto me foi destinado exclusivamente. Não importa! Encontrei-me outras vezes com o “atleta do século” e ele jamais deixou de me dar atenção. Todavia, aquele primeiro encontro foi o mais especial de todos: pela surpresa, pela ocasião, pelas circunstâncias e por motivos tantos que nem sei identificar.

Na época, eu já tinha o hábito de copiar a ficha técnica dos jogos de futebol, o que faço ainda hoje, posto que agora apenas com meu time do coração, a Ponte Preta. Todo esse material (histórico) permanece em meu arquivo. E essa ficha técnica em especial, claro, tem lugar de honra, por haver sido a ocasião em que recebi um abraço de ninguém menos que Pelé. Ela é a seguinte:

“Corinthians 1 x 5 Santos
Data: 16 de agosto de 1961 (quarta-feira)
Competição: Campeonato Paulista – 8ª rodada
Local: Estádio Municipal do Pacaembu
Árbitro: Romualdo Arppi Filho
Gols: Pepe (23’ 1º), Pelé (34’ 1º), (Joaquinzinho, 1’ 2º pênalti), Coutinho (20’ 2º), (Pepe (31’ 2º) e Pepe (34’ 2º).
Corinthians: Gilmar, Jaime, Raul e Ari; Da Silva e Oreco; Joaquinzinho, Manuelzinho, Beirute, Rafael e Gelson.
Santos: Laércio (Silas), Getúlio, Mauro e Dalmo; Formiga (Décio Brito) e Zito; Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Pepe”.

Se “a vida é a arte do encontro”, como declarou Vinícius de Moraes (e, de fato, é), há nela, como o “Poetinha” enfatizou, inúmeros desencontros. Nestes, destaco, não há nenhum meu em relação a Pelé. Mas há inúmeros, de pessoas invejosas e mal-resolvidas, que não se conformam com o sucesso alheio, com ele. Por anos a fio, li e ouvi muitas e muitas e muitas pessoas tentando desconstruir a imagem do atleta do século. Citavam conflitos familiares dele, cujas circunstâncias reais desconheciam, baseados, apenas, no estúpido “ouvi dizer”, para tentar diminuí-lo. Ainda hoje é freqüente a contestação ás suas opiniões, que tentam ridicularizar, como se ele não tivesse o direito de tê-las e expô-las. Ora, ora, ora...

Esquecem-se, porem, de suas virtudes (e já nem digo na profissão que exerceu, que são inesquecíveis para quem as testemunhou). Esses detratores gratuitos e irresponsáveis não se dão conta da simplicidade de Pelé (ele que, provavelmente, ainda é o brasileiro mais conhecido no mundo, mesmo tendo parado de jogar há praticamente 40 anos). Nunca soube, por exemplo, que o atleta do século, em algum tempo ou lugar, tenha se recusado a atender alguém, seja qual for a razão. ou deixado de dar entrevista mesmo a seus detratores. Foi genial jogando bola. É genial em sua humanidade, simplicidade e afabilidade. Passados 54 anos, ainda sinto o calor daquele seu abraço, dado em um quase menino, que, também por isso, o tem e sempre terá na conta de um genial irmão mais velho.


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