A arte do encontro
Pedro
J. Bondaczuk
“A vida é a arte do
encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Esta enfática e filosófica
declaração foi feita por uma das personalidades públicas que mais admirei (e
admiro), das raras que tive o privilégio de conhecer pessoalmente: Vinicius de
Moraes, o sempre querido e saudoso “Poetinha” (diminutivo que denota carinho e
não, como os desavisados possam pensar, qualquer tipo de diminuição). Foram
poucas (na verdade, se a memória não me falha, três) as celebridades com as
quais pude me encontrar “ao vivo”, cara a cara, de corpo e alma. Foram poucas,
porém memoráveis. Poucas, posto que inesquecíveis. Poucas, mas que celebrizei
(e seguirei celebrizando enquanto puder) em textos, com indisfarçável orgulho.
E não propriamente pela fama das celebridades, mas pelo que foram e fizeram.
O primeiro desses
encontros marcantes e inesquecíveis (não, porém, nessa ordem) foi, justamente,
com o “Poetinha”. Ele deu-se em 1963, em um bar de Ipanema. Estive a centímetros
do meu ídolo poético (um deles). A timidez (e mais do que ela, a reverência)
impediu-me, no entanto, de lhe dizer sequer um olá, embora a oportunidade
estivesse ali, bem ao alcance da mão. Uma pena! Mas a experiência valeu. O
segundo encontro foi menos formal. Aliás, foi totalmente informal, regado a
litros de café e interminável bate-papo. Foi com o escritor Fernando Sabino, em
1984, na redação do Correio Popular de Campinas, onde eu era editor. Fui
incumbido de entrevistá-lo. Ele estava na cidade para o lançamento de mais um
de seus tantos livros de crônicas, “O gato sou eu” que, lógico, o ilustre autor
me brindou, com o respectivo autógrafo. Finda a entrevista, nos entretivemos
com longa conversa, como se nos conhecêssemos de longa data e não naquele momento,
que nunca se apagou de minha memória (nem poderia).
Todavia, houve outro
encontro que antecedeu a estes dois e que, dada a época em que se deu e as
circunstâncias que o cercaram, reputo como um dos momentos mais memoráveis da
minha vida. Ocorreu na porta do vestiário do Santos Futebol Clube, no Estádio
Municipal do Pacaembu, numa noite de quarta-feira de 16 de agosto de 1961. Foi
com o único e legítimo “rei do futebol”, eleito o “atleta do século XX”, que
neste 23 de outubro de 2015 completa 75 anos de idade. Na ocasião, não havia
completado, ainda, 21 anos. Eu estava com 18, ainda naquele período maravilhoso
do final da adolescência, quando nos consideramos “eternos” e superpoderosos.
Ah, como era bom aquele tempo!
O leitor arguto já
matou a charada. O referido encontro foi, mesmo, com Edson Arantes do
Nascimento, o querido e inesquecível Pelé, cuja humildade e acessibilidade têm
que ser exaltadas sempre, por serem comparáveis à sua genialidade na atividade
que lhe coube exercer com maestria. Havia uma multidão de pessoas na saída do
vestiário do Santos: repórteres de rádio e de jornais, dezenas de eufóricos
torcedores santistas, vibrando com a goleada que o time havia imposto a um de
seus maiores rivais, o Corinthians e... EU. Não sei nem dizer como, mas,
subitamente, fiquei frente a frente com o genial atleta, que havia
“arrebentado” o adversário no jogo. Estendi-lhe, sem esperança de ser atendido,
um bloco de anotações que já então carregava comigo para onde fosse (costume
que nunca perdi), rogando-lhe, implorando por um autógrafo, duvidando que teria
sucesso.
Foi quando Pelé fixou
seu olhar em mim. Pediu licença a seu interlocutor e interrompeu a entrevista
que estava concedendo a um repórter de rádio. Olhou-me como se eu fosse amigo
de longa data com o qual não se encontrasse há muito tempo, e... deu o tal
autógrafo. Não se limitou, contudo, a isso. Deu-me, de quebra, um afetuoso
abraço que, óbvio, me surpreendeu. Até hoje não sei se Pelé me confundiu com
outra pessoa (com um amigo de Bauru, quem sabe) ou se o afeto me foi destinado
exclusivamente. Não importa! Encontrei-me outras vezes com o “atleta do século”
e ele jamais deixou de me dar atenção. Todavia, aquele primeiro encontro foi o
mais especial de todos: pela surpresa, pela ocasião, pelas circunstâncias e por
motivos tantos que nem sei identificar.
Na época, eu já tinha o
hábito de copiar a ficha técnica dos jogos de futebol, o que faço ainda hoje,
posto que agora apenas com meu time do coração, a Ponte Preta. Todo esse
material (histórico) permanece em meu arquivo. E essa ficha técnica em
especial, claro, tem lugar de honra, por haver sido a ocasião em que recebi um
abraço de ninguém menos que Pelé. Ela é a seguinte:
“Corinthians 1 x 5
Santos
Data: 16 de agosto de
1961 (quarta-feira)
Competição: Campeonato
Paulista – 8ª rodada
Local: Estádio
Municipal do Pacaembu
Árbitro: Romualdo Arppi
Filho
Gols: Pepe (23’ 1º),
Pelé (34’ 1º), (Joaquinzinho, 1’ 2º pênalti), Coutinho (20’ 2º), (Pepe (31’ 2º)
e Pepe (34’ 2º).
Corinthians: Gilmar,
Jaime, Raul e Ari; Da Silva e Oreco; Joaquinzinho, Manuelzinho, Beirute, Rafael
e Gelson.
Santos: Laércio
(Silas), Getúlio, Mauro e Dalmo; Formiga (Décio Brito) e Zito; Dorval, Lima,
Coutinho, Pelé e Pepe”.
Se “a vida é a arte do
encontro”, como declarou Vinícius de Moraes (e, de fato, é), há nela, como o
“Poetinha” enfatizou, inúmeros desencontros. Nestes, destaco, não há nenhum meu
em relação a Pelé. Mas há inúmeros, de pessoas invejosas e mal-resolvidas, que
não se conformam com o sucesso alheio, com ele. Por anos a fio, li e ouvi
muitas e muitas e muitas pessoas tentando desconstruir a imagem do atleta do
século. Citavam conflitos familiares dele, cujas circunstâncias reais
desconheciam, baseados, apenas, no estúpido “ouvi dizer”, para tentar
diminuí-lo. Ainda hoje é freqüente a contestação ás suas opiniões, que tentam
ridicularizar, como se ele não tivesse o direito de tê-las e expô-las. Ora,
ora, ora...
Esquecem-se, porem, de
suas virtudes (e já nem digo na profissão que exerceu, que são inesquecíveis
para quem as testemunhou). Esses detratores gratuitos e irresponsáveis não se
dão conta da simplicidade de Pelé (ele que, provavelmente, ainda é o brasileiro
mais conhecido no mundo, mesmo tendo parado de jogar há praticamente 40 anos).
Nunca soube, por exemplo, que o atleta do século, em algum tempo ou lugar,
tenha se recusado a atender alguém, seja qual for a razão. ou deixado de dar
entrevista mesmo a seus detratores. Foi genial jogando bola. É genial em sua
humanidade, simplicidade e afabilidade. Passados 54 anos, ainda sinto o calor
daquele seu abraço, dado em um quase menino, que, também por isso, o tem e
sempre terá na conta de um genial irmão mais velho.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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