Monday, October 05, 2015

Enquete pode ter inclusões, mas não exclusões

Pedro J. Bondaczuk

A enquete feita pelo site “Homo Literatus” sobre “catorze personagens femininas inesquecíveis”, que reproduzi (e comentei) nas últimas semanas, é elogiável, sob todos os aspectos. Houve, porém, quem confundisse as coisas (sempre há pessoas desse tipo, inquietas, ou ranzinzas, ou tudo isso junto, enfim, chatas), contestando, com vigor até além da medida, os nomes apontados. Haja paciência!!! Tais contestadores argumentam que há mulheres mais relevantes na literatura mundial e que não integram a relação. Concordo. De fato, há.

Mas, ponderemos. A proposta dos organizadores dessa consulta informal não foi a de determinar quais personagens femininas são “mais” importantes do que outras. O fato dos convidados optarem pelas protagonistas que optaram não quer dizer que as consideraram “superiores” às milhares e milhares e milhares (quiçá, sem exagero, milhões) que foram omitidas. Longe disso. Não foi esta a proposta da enquete. Nem poderia ser. Trata-se, portanto, de um processo de “inclusão” e não de “exclusão”.

Tudo bem que a enquete poderia envolver mais nomes, que não somente os catorze que envolveu, conforme observaram (aí sim, com certa pertinência) alguns leitores. Mas quantos? Vinte, para arredondar a cifra? Cinquenta? Cem? Mil? Ouso dizer que as personagens femininas inesquecíveis ascendem a muitíssimo mais do que isso. Todavia, ampliar essa quantidade inviabilizaria a enquete, levando em conta o espaço de um site. Ela teria que se estender por anos e, ainda assim, muitas, muitíssimas heroínas (e vilãs) ficariam de fora.

Da minha parte, faço questão de frisar que não contesto e não faço a menor restrição a nenhum dos catorze nomes escolhidos. Claro que, como qualquer leitor, acrescentaria uma quantidade imensa (nem sei de quanto) de personagens femininas não citadas, caso essas citações fossem “tecnicamente” viáveis. Mas... não são. De qualquer forma, proponho-me a trazer à baila, nos próximos dias, com as respectivas justificativas e comentários pertinentes, várias das protagonistas notáveis não citadas, excluindo, logicamente, as catorze do site “Homo Literatus”, para não ser repetitivo, pois fica implícito que elas também integram minha escolha.

Recapitulemos quais foram as escolhidas na enquete do “Homo Literatus”. O nome dos especialistas em Literatura que optaram pelas catorze “eleitas vai entre parêntesis. Elas foram as seguintes, pela ordem: 

Daenerys Targaryen, de George R.R. Martin em: “Crônicas de gelo e fogo” (Gabriel Gaspar); Tereza, de Milan Kundera em “A Insustentável Leveza do Ser” (Marcela Güther); Nastácia Filíppovna, de Fiódor Dostoiévski, em “O Idiota” (Márcio Ahimsa); Molly Bloom, de James Joyce em “Ulysses” (Walter Alfredo Voigt Bach); Daisy Buchanan, de F. Scot Fitzgerald em “O Grande Gatsby” (Cecilia Garcia); Nina, de Lúcio Cardoso em “Crônica da Casa Assassinada” (Marcelo Gabriel Delfino);Tristessa, de Jack Kerouac em “Tristessa” (Vilto Reis); Capitu, de Machado de Assis em “Dom Casmurro” (Sofia Alves); Emma Bovary, de Gustave Flaubert em “Madame Bovary” (Nicole Ayres);Hermione, de J.K. Rowling em “Harry Potter” (Maik Anderson Barbara); Macabéa, de Clarice Lispector em “A hora da estrela” (Sté Spengler); Nástienka, de Fiodor Dostoiévski em “Noites Brancas” (Marcelo Vinicius); Fraülein Elza, de Mário de Andrade em “Amar, Verbo Intransitivo” (Márwio Câmara) e Úrsula Iguarán, de Gabriel Garcia Márquez em “Cem anos de solidão” (Ygor Speranza).

Como se vê, é um elenco dos mais respeitáveis. Há personagens para todos os gostos e todos os estilos. E todas, convenhamos, são muito bem construídas por seus ilustres e criativos criadores (com o perdão da redundância) e, sem dúvida, inesquecíveis. Se são mais, ou se são menos das tantas, e tantas, e tantas que poderiam ser citadas, mas não foram, são outros quinhentos. Mas que a relação é das mais felizes e oportunas, disso não tenho a menor dúvida. E o leitor tem? Creio que não! Há, por exemplo, personagens consensuais, que qualquer pessoa, com um mínimo de familiaridade com literatura de ficção, escolheria. Respondam com honestidade: quem, em sã consciência, deixaria de fora uma Capitu, em qualquer enquete do tipo? Ou Emma Bovary? Ou Molly Bloom? Ou Nina? Ou Macabea? Ou Fraülein Elza? Ou Ursula Iguarán? Ou mesmo Hermione, que contribuiu para que J. K. Rowling se tornasse a primeira pessoa do mundo a se tornar bilionária às custas, exclusivamente, da Literatura?

Apenas a título de provocação, proponho-lhes o seguinte raciocínio. Suponha que algum bibliófilo, desses fanáticos por livros e com fartura de dinheiro para adquiri-los, tenha reunido, ao longo da vida, uma biblioteca de vinte mil volumes e que, por questão de preferência, sejam todos eles de ficção. Essa imensidão de obras literárias, todavia, seria mera gota de água no oceano comparada, apenas, com todos os romances, contos, novelas e peças teatrais de sucesso já escritos e publicados. Ainda assim, seu feliz proprietário (gostaria de ser ele) conseguiria ler uma quantidade ínfima desse acervo. Pensem bem: se lesse um livro por dia, sem falhar nenhum, sem nunca ficar doente, entediado e sem exercer nenhuma atividade a não ser a leitura e se não perdesse tempo com nenhuma diversão, sabe quanto tempo levaria para ler todos os vinte mil volumes de sua biblioteca? Façam as contas. Se não errei no cálculo, despenderia 54 anos e alguns quebrados para isso!!!!

Supondo que começasse a empreitada aos oito anos de idade (o que é sumamente improvável) concluiria a jornada de leitura aos... 62 anos!!!!! Por mais que alguma pessoa goste de ler, convenhamos, pode-se dizer que a tarefa, se não é impossível, é totalmente improvável. Improbabilíssima! Se alguém conseguisse a façanha, seria notícia no mundo todo, nos jornais, revistas, rádio, televisão e internet. O registro no “Guiness”, badalado livro de recordes, seria pouco para ela. E quantas personagens femininas inesquecíveis não há nesses vinte mil romances, contos, novelas e peças teatrais? Sim, quantas? Dá para sequer estimar? Ora, ora, ora...


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