Friday, October 23, 2015

Federação mais autêntica


Pedro J. Bondaczuk

A declaração de independência da Lituânia, aprovada, em histórica sessão do Parlamento dessa República do Báltico (realizada anteontem), por 124 votos a favor, nenhum contrário e seis abstenções, inaugurou a última fase do processo de sepultamento das conseqüências da Segunda Guerra Mundial na Europa. O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, quando de sua última reunião de cúpula com seu colega George Bush (alias, a primeira sustentada com esse governante norte-americano) ao largo da Ilha de Malta, no Mar Mediterrâneo, no início de dezembro de 1989, havia proclamado tal ocasião como sendo a data real do encerramento desse conflito. Esqueceu-se, no entanto, que havia ainda um assunto pendente: o da anexação da Lituânia, Letônia e Estônia, por parte do seu país, como conseqüência do pacto Ribbentrop-Molotov, de 1940. Durante esse encontro, sepultou-se a Guerra Fria.

Há quem veja na atitude dos lituanos (que certamente será seguida por letões e estonianos) o início da desagregação do vasto império soviético. Aliás, isto vem sendo pregado desde os tempos dos czares, mas sempre de forma precipitada. O que certamente irá acontecer será a perda dos chamados "territórios periféricos". Talvez a secessão atinja a quatro ou cinco das 15 Repúblicas atuais, todas de pequenas dimensões e que na verdade (à exceção do Azerbaijão, rico em petróleo) dão mais despesas do que lucros. Ainda assim, a União Soviética, mesmo "encolhida", continuará sendo a maior extensão de terras contínua do Planeta dominada por um único país, com onze fusos horários e abrigando mais de 100 nacionalidades, com línguas, tradições e costumes diferentes. É claro que para isso a federação vai ter que mudar. Precisará adequar-se a uma nova mentalidade.

Consciente dessa realidade, o presidente Mikhail Gorbachev já propôs ao Parlamento um novo tipo de relacionamento entre as unidades federacionistas que compõem a URSS. Algo moderno (como acontece no Ocidente), onde cada República tenha o seu espaço próprio e voz ativa em âmbito nacional. Em que não ocorra a centralização atual, onde todas as questões, mesmo as de caráter francamente regional, são decididas em Moscou, por um grupinho de burocratas, alienados sobre o que se passa no país. Até que se chegue a isso, !muita água vai rolar".

Distúrbios, manifestações e até desafios, como o da Lituânia, vão surgir nos próximos anos. Por isso, é bom que a maioria russa vá se acostumando a negociar e não mais a usar o "argumento" da força. Este se torna, a cada dia que passa, um anacronismo, destinado a povos muito atrasados, nestes tempos em que, como Reagan assinalou no Japão em meados de 1989, um simples disquete de computador é capaz de derrubar uma ditadura.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 13 de março de 1990)


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