Não
se trata de calote
Pedro J. Bondaczuk
A questão da dívida externa do Terceiro Mundo nunca esteve
tão em evidência como neste ano. Isto não ocorreu nem mesmo em 1982, quando se
descobriu que os países tomadores de empréstimos estavam todos falidos e quando
eles começaram a cair, um a um, como um fantástico, mas fragílimo, castelo de
cartas.
O assunto foi tema de debate da reunião de cúpula do
“Grupo dos Oito”, em Acapulco, no México, de sexta-feira a domingo. E voltou a
ser o centro de atenções anteontem e ontem, em Addis-Abeba, na conferência da
Organização da Unidade Africana.
Em ambos os casos, as teses radicais de confronto
foram superadas. Mas os problemas apontados foram coincidentes: a alta
incompreensível das taxas de juros, o aviltamento dos preços das
matérias-primas dos endividados e o protecionismo comercial, disfarçado sob
inúmeros pretextos, de quem não precisa agir assim.
Nós nunca fomos favoráveis a um calote, puro e
simples, nos credores. Quem emprestou, deve pagar. Isto é líquido e certo e não
tem discussão. O que nos opomos é ao fato de uma das partes ter alterado as
condições que existiam quando da tomada do financiamento de forma unilateral.
Entendemos que os juros contratados não deveriam
variar em circunstância alguma. É verdade que os tomadores de dinheiro têm
grande responsabilidade (senão a maior parte dela) por suas dificuldades
atuais. Afinal, aplicaram os recursos alheios (quando o fizeram) em projetos
que não dão retorno. Os governantes de tais países fizeram política, e extremamente
perniciosa, às custas da ignorância das sociedades que dirigiam. Deu no que
deu.
Alguns, como o ex-ditador filipino, Ferdinand
Marcos, sequer chegaram a aplicar os dólares emprestados em programa algum.
Simplesmente desviaram o dinheiro para as suas contas numeradas na Suíça (se
não a totalidade, pelo menos uma parte dele) e deixaram seus governados a ver
navios, com uma terrível e monumental conta a pagar.
Ninguém deseja dar o calote (embora, em alguns
casos, o montante cedido pelos banqueiros já tenha sido sobejamente pago e os
credores sabem disso). O que se pretende é impedir que esta transfusão às
avessas, em que o sangue do doente é que vai para o pretenso doador, ao invés
de ocorrer o contrário, como seria lógico de se supor.
Se um único país (ou apenas uma região) estivesse em
dificuldade para saldar os débitos e todos os demais pagassem o que devem sem
grandes sacrifícios e traumas, pontualmente, se poderia falar que o que age
assim é um grande caloteiro. Mas são dezenas de Estados às voltas com o
esgotamento dos seus recursos (às vezes eles nunca existiram) que estão nestas
condições.
Não é possível, portanto, que todas essas sociedades
nacionais sejam compostas por gente de mau caráter e que somente os credores
sejam os donos da verdade. Que algo precisa ser revisto (e com urgência) é para
lá de evidente. Apenas os obtusos, os puxa-sacos e os espertalhões não
conseguem, ou não desejam, ver isso.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do
Correio Popular, em 2 de dezembro de 1987).
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