Wednesday, October 14, 2015

Não se trata de calote


Pedro J. Bondaczuk


A questão da dívida externa do Terceiro Mundo nunca esteve tão em evidência como neste ano. Isto não ocorreu nem mesmo em 1982, quando se descobriu que os países tomadores de empréstimos estavam todos falidos e quando eles começaram a cair, um a um, como um fantástico, mas fragílimo, castelo de cartas.

O assunto foi tema de debate da reunião de cúpula do “Grupo dos Oito”, em Acapulco, no México, de sexta-feira a domingo. E voltou a ser o centro de atenções anteontem e ontem, em Addis-Abeba, na conferência da Organização da Unidade Africana.

Em ambos os casos, as teses radicais de confronto foram superadas. Mas os problemas apontados foram coincidentes: a alta incompreensível das taxas de juros, o aviltamento dos preços das matérias-primas dos endividados e o protecionismo comercial, disfarçado sob inúmeros pretextos, de quem não precisa agir assim.

Nós nunca fomos favoráveis a um calote, puro e simples, nos credores. Quem emprestou, deve pagar. Isto é líquido e certo e não tem discussão. O que nos opomos é ao fato de uma das partes ter alterado as condições que existiam quando da tomada do financiamento de forma unilateral.

Entendemos que os juros contratados não deveriam variar em circunstância alguma. É verdade que os tomadores de dinheiro têm grande responsabilidade (senão a maior parte dela) por suas dificuldades atuais. Afinal, aplicaram os recursos alheios (quando o fizeram) em projetos que não dão retorno. Os governantes de tais países fizeram política, e extremamente perniciosa, às custas da ignorância das sociedades que dirigiam. Deu no que deu.

Alguns, como o ex-ditador filipino, Ferdinand Marcos, sequer chegaram a aplicar os dólares emprestados em programa algum. Simplesmente desviaram o dinheiro para as suas contas numeradas na Suíça (se não a totalidade, pelo menos uma parte dele) e deixaram seus governados a ver navios, com uma terrível e monumental conta a pagar.

Ninguém deseja dar o calote (embora, em alguns casos, o montante cedido pelos banqueiros já tenha sido sobejamente pago e os credores sabem disso). O que se pretende é impedir que esta transfusão às avessas, em que o sangue do doente é que vai para o pretenso doador, ao invés de ocorrer o contrário, como seria lógico de se supor.

Se um único país (ou apenas uma região) estivesse em dificuldade para saldar os débitos e todos os demais pagassem o que devem sem grandes sacrifícios e traumas, pontualmente, se poderia falar que o que age assim é um grande caloteiro. Mas são dezenas de Estados às voltas com o esgotamento dos seus recursos (às vezes eles nunca existiram) que estão nestas condições.

Não é possível, portanto, que todas essas sociedades nacionais sejam compostas por gente de mau caráter e que somente os credores sejam os donos da verdade. Que algo precisa ser revisto (e com urgência) é para lá de evidente. Apenas os obtusos, os puxa-sacos e os espertalhões não conseguem, ou não desejam, ver isso.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 2 de dezembro de 1987).


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