Sírios detêm o poder
Pedro J. Bondaczuk
O Líbano, após uma pausa (muito sutil) de alguns
dias nos combates entre as várias facções que duelam no país há mais de dez
anos, voltou à sua rotina de violência sectária, com cristãos e muçulmanos
proporcionando, nas últimas 24 horas, momentos de terror e de morte à população
de Beirute.
Como nas vezes anteriores, ninguém é capaz de
explicar a origem desse novo surto de loucura. E ele é de tal forma virulento,
a ponto de um comandante da milícia xiita Amal ter desabafado: “Creio que
chegou o momento de ir à guerra total”.
Ao contrário do que acontecia até março, quando o
caricato “gabinete de salvação nacional”, de Rashid Karami, ainda tinha um
mínimo de credibilidade, o país agora está literalmente acéfalo. Tem um presidente,
Amin Gemayel, que não preside. Tem um premier, que há muito tempo não reúne o
seu ministério que, a rigor, também desde a oportunidade supra-referida não
exerce suas funções.
Ninguém sabe, no Líbano de hoje, portanto, quem é
quem. A única autoridade que libanês algum atualmente contesta é a dos sírios,
que acendem uma vela pra Deus e outro pro Diabo. Elaboram planos de paz
teoricamente para conter a violência, especialmente em Beirute, mas fortalecem
uma das facções promotoras dela, os xiitas da Amal, já por si sós poderosos,
“presenteando-os” com 50 tanques T-54, de fabricação soviética.
Afirmam um público apoio aos palestinos anti-Arafat,
mas concedem meios para que seus maiores adversários os expulsem do Líbano.
Enfim, fazem o velho jogo, usam a antiquíssima tática de dividir para governar.
Pois ninguém mais tem dúvidas de que o verdadeiro detentor do poder em
território libanês é o regime de Damasco.
Algumas das posições sírias dos últimos dias
revelam-se contraditórias. E ininteligíveis até para quem está familiarizado
com os lances diplomáticos arrojados de seu presidente, Hafez Assad. Por
exemplo, de Damasco partiu, em meados de julho, uma ordem para que se dê
completa proteção aos interesses norte-americanos em Beirute, para evitar a
repetição de casos como o do seqüêstro do jato da TWA, que se verificou em 23
de junho.
Mas, ao mesmo tempo, a milícia que ficou responsável
pela guarda de 39 reféns naquela oportunidade, forçando Washington e Tel Aviv a
negociarem com os terroristas (apesar dos EUA e Israel negarem que o fizeram,
até hoje), foi intensamente reforçada, emergindo como a grande força no Líbano.
Recebeu o presidente Amin Gemayel, atualmente figura
meramente decorativa, em seu palácio de governo, traçando, com ele, planos para
uma pretensa pacificação nacional. Mas logo a seguir, deu suas “bênçãos” à
aliança da milícia de Nabih Berri com o druso Walid Jumblatt, cujo único
objetivo não é outro senão depor o atual chefe de Estado libanês.
Enquanto joguinhos maquiavélicos desse tipo são
feitos, o país continua a sua decomposição, a cada dia mais próximo de se
transformar numa colônia de direito da Síria (de fato já é há muito tempo),
pondo-se fim, por conseqüência, ao único “tampão” existente no Norte do Oriente
Médio entre os árabes e Israel.
A médio prazo, isso pode redundar num novo conflito
armado na região. Pode se transformar numa espécie de revanche às guerras de
1967 e 1974. Hafez Assad (e isso ele nunca escondeu de ninguém) jamais se
conformou com a perda das Colinas de Golan. Como num conflito aberto ele está
ciente de sua impossibilidade de fazer frente ao Estado judeu, certamente vai
optar por escaramuças de desgaste. Se possível, sem envolver sequer um soldado
sírio. E, para isso, nada melhor do que contar com uma autêntica terra de
ninguém, coisa em que se transformou o velho e outrora modelar Líbano. Triste
destino para um país que já foi chamado de “a Suíça do Oriente Médio”!
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 13 de agosto de 1985)
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