Wednesday, October 21, 2015

Sem direito de comer



Pedro J. Bondaczuk


A fome é, a cada dia que passa, uma realidade mais dura, com a qual contingentes cada vez maiores de pessoas, no mundo todo, têm que conviver. Isto se deve, contudo, não ao fato da terra estar sendo menos pródiga na produção de alimentos ou, como tantos tentam dar a entender, à superpopulação.

É verdade que um povoamento ajuizado de um país pode contribuir para a sua prosperidade. Afinal, serão bocas a menos para sustentar, quantidades menores de pessoas com quem dividir o bolo da riqueza nacional. Mas o grande problema está longe de ser este. Está em algo muito mais sutil, e por isso, mais difícil de muitos – que se auto-robotizam e que por essa razão, jamais pararam para pensar – entenderem. Está na falta de solidariedade.

Não se sabe por que razão, é costume se encarar a existência, hoje, como uma grande competição. Suponhamos que deva ser assim. Afinal, o ser humano é competitivo pela própria natureza. Mas em qualquer disputa, não existe nenhuma regra que preveja, ou exija, que o perdedor seja eliminado. Nem mesmo na guerra isso é necessariamente exigido.

Até os gladiadores, na Roma dos césares (período de grande retrocesso no convívio social) tinham suas chances quando derrotados em combate singular. Mínimas, é verdade, mas que existiam. É certo que dependiam dos caprichos de ditadores paranóicos, insensíveis e bêbados. Mas alguns desses perdedores acabavam poupados por súbitos surtos de benevolência desses tiranos doidos. Hoje, não se poupam sequer as crianças.

Mesmo as guerras têm lá suas regras. Os inimigos, por exemplo, feitos prisioneiros nos campos de batalha, contam com uma série de direitos, garantidos pela Convenção de Genebra. Qual a razão, portanto, para que populações inteiras, e em tempos ditos de paz, sejam deixadas a morrer à míngua, em um mundo que acabou de ter duas safras recordes de alimentos consecutivas?

Qual o motivo dessa perversidade num Planeta cujos estoques de gêneros alimentícios, que abarrotam os celeiros das grandes potências, dariam para alimentar (e com fartura) todos os cinco bilhões de seus habitantes, com sobras, por, no mínimo, cinco anos? Por qual razão há tantos famintos, face a criminosos desperdícios? Sabe-se, por exemplo, que há pelo menos 50 bilhões de ratos (dez para cada pessoa da Terra), que são alimentados, e engordados, justamente por essa dádiva da natureza, que deveria saciar as necessidades desse que é o único ser inteligente (será que é?) da natureza.

Atualmente, há governos que pagam polpudas indenizações a seus agricultores para que não plantem, tamanho é o excedente de alimentos que há. Mas de ano para ano, com a depredação do meio ambiente, os desertos avançam sobre áreas outrora produtivas, nos países pobres da África. A tecnologia agrícola trava uma imensa batalha, não contra o explosivo crescimento populacional, como previu Robert Malthus, mas contra a desertificação.

Milhões de lavradores são forçados a abandonar suas lavouras, a sair das zonas rurais, por causa de um sistema perverso, que explora o seu trabalho, sem lhes dar a justa compensação. Essas pessoas, invariavelmente, migram para as grandes cidades, aumentando, por conseqüência, o próprio sofrimento, e agravando os problemas das cada vez mais inchadas megalópolis do mundo inteiro.

Um dia (que Deus nos livre dele!), a continuar o atual estado de coisas, bilhões de indivíduos vão estar com os bolsos abarrotados de dinheiro, mas não terão o que comprar. Vão sentir, então, na carne, o drama vivido atu8almente por etíopes, moçambicanos, indianos e milhões de nossos irmãos brasileiros, entre tantos outros povos, mas então será muito tarde para remediar a situação. 
  
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 14 de novembro de 1987)


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