A sedutora Gabriela com
cheiro de cravo e canela
Pedro
J. Bondaczuk
A sensual caboclinha
Gabriela, com cor e cheiro de cravo e canela, impressiona, fascina e apaixona
não somente o turco Nacib, que se rende aos seus encantos, mas a qualquer
pessoa normal e de bom gosto que a conheça através da pena inspirada de seu
criador, Jorge Amado. É uma das personagens femininas mais cativantes da
literatura, e não somente brasileira. Basta atentar para o sucesso do livro em
que é a protagonista, nas mais diversas partes do mundo, sem falar nas versões
para o cinema e para a televisão desse marcante romance. Não há como negar que
se trata de figura inesquecível, não somente pela sensualidade, que lhe é
inerente, que nela é natural e não forçada como a de muitas mulheres bonitas,
mas também por sua alegria de viver, sua descontração e seu jeitão de moleca.
Seu “criador”
descreve-a assim, em uma das cenas em que a “flagra” ao natural, ou seja, sendo
o que sempre foi, sem forçar a barra: "(...) Dormida numa cadeira, os
cabelos longos espalhados nos ombros. Depois de lavados e penteados tinham-se
transformado em cabeleira solta, negra, encaracolada. Vestia trapos, mas
limpos, certamente os da trouxa. Um rasgão na saia mostrava um pedaço de coxa
cor de canela, os seios subiam e desciam levemente ao ritmo do sono, o rosto
sorridente”. Como não se apaixonar por uma mulher assim, com todos os atributos
femininos que mais nos atraem, porém sem perder a inocência de quase criança?!
Eu me apaixonei doidamente por ela quando li o romance “Gabriela, cravo e
canela”, publicado em 1958, com sucessivas republicações. Você não, paciente
leitor? Certamente que sim, ora, ora!
A retirante da seca,
expulsa do sertão nordestino pela inclemência do clima, chega a Ilhéus em 1924,
exalando “cravo e canela”. É descoberta, logo de cara, e levada do
"mercado dos escravos", pelo árabe (que em boa parte do País era e
ainda é conhecido, genericamente, como “turco”) Nacib. Ele é proprietário de um
bar muito freqüentado da cidade, chamado Vesúvio. Contrata, pois, a sensual
sertaneja para a cozinha do seu estabelecimento, duvidando, no íntimo, dos seus
dotes culinários, mas achando que a beleza da moça atrairia muitos fregueses.
Acertou na mosca, ou quase, pois só em parte. A contratação de Gabriela não
tardou em revelar-se magnífico achado. Ela não só atraiu, de fato, os moradores
– em particular os homens – da cidade por seu jeito livre e sua sensualidade
como, de quebra, cozinhava como poucas. Seu tempero logo fez sensação. O turco
murmurou, lá, com seus botões: "Não pensei que aquela retirante, coberta
de poeira, vestida de trapos, soubesse cozinhar… E que a poeira escondesse
tanto encanto, tanta sedução…"
O jeito espontâneo da
sertaneja, aliado à sua beleza, não tardaram em seduzir Nacib. Pudera! Você
resistiria a tantos e tamanhos encantos? Pois é, o turco não resistiu. “Caiu de
quatro”, como se diz no popular. E quanto mais crescia sua paixão, mais
aumentava seu ciúme pelo assédio masculino à sua musa. O que fazer? Fez o que
considerava o inevitável. Decidiu casar-se com Gabriela. Em qualquer romance
trivial, esse poderia ter sido o “happy end” do enredo. Poderia... Mas Jorge
Amado nunca foi escritor convencional. Deixou claro que por conta até da sua
natureza rústica, a bela e sedutora morena não teria se adaptado ao casamento.
Daí para a traição ao marido foi um piscar de olhos. Considero essa parte o
clímax da história.
Naquele tempo (e
naquela cidade do interior baiano), adultério era delito que só se “lavava com
sangue”. E sequer era considerado homicídio. Normalmente o marido traído, que
recorria a esse tipo de desagravo, acabava sendo absolvido. Claro que se
tratava de conduta condenável sob todo e qualquer aspecto. Ademais, quem ama,
não mata. E o amor de Nacib por Gabriela era forte demais para apelar a esse
expediente extremo e criminoso. Em vez de matá-la, como se costumava fazer com
mulheres adúlteras em Ilhéus, o turco deu-lhe foi uma grande surra e anulou o
casamento. O caso entre ambos, então, acabou? Não!! Poderia ter acabado, mas...
Ambos sentiam, um pelo outro, grande, talvez irresistível atração física.
Não tardou, pois, para
Gabriela voltar a ser não somente a cozinheira do bar Vesúvio, mas a amante do
seu feliz proprietário. Muitas pessoas (pode até ser que seja a maioria) são
assim: para elas, o proibido é que é atrativo. O consentido pela sociedade e
pela moral vigente não tem nenhuma graça. Gabriela “enfeitiçou” o patrão não
apenas pelo sabor de seus vatapás e acarajés, mas, principalmente, por outros
“sabores”, nada sutis, como seus beijos, seu modo ardente de amar, além do seu
espírito livre, meio bicho, meio mulher, muito diferente das senhoras da
sociedade de Ilhéus. Como não considerar Gabriela personagem feminina
inesquecível?!!! Sim, como?!!!!
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