Tuesday, October 13, 2015

A sedutora Gabriela com cheiro de cravo e canela

Pedro J. Bondaczuk

A sensual caboclinha Gabriela, com cor e cheiro de cravo e canela, impressiona, fascina e apaixona não somente o turco Nacib, que se rende aos seus encantos, mas a qualquer pessoa normal e de bom gosto que a conheça através da pena inspirada de seu criador, Jorge Amado. É uma das personagens femininas mais cativantes da literatura, e não somente brasileira. Basta atentar para o sucesso do livro em que é a protagonista, nas mais diversas partes do mundo, sem falar nas versões para o cinema e para a televisão desse marcante romance. Não há como negar que se trata de figura inesquecível, não somente pela sensualidade, que lhe é inerente, que nela é natural e não forçada como a de muitas mulheres bonitas, mas também por sua alegria de viver, sua descontração e seu jeitão de moleca.

Seu “criador” descreve-a assim, em uma das cenas em que a “flagra” ao natural, ou seja, sendo o que sempre foi, sem forçar a barra: "(...) Dormida numa cadeira, os cabelos longos espalhados nos ombros. Depois de lavados e penteados tinham-se transformado em cabeleira solta, negra, encaracolada. Vestia trapos, mas limpos, certamente os da trouxa. Um rasgão na saia mostrava um pedaço de coxa cor de canela, os seios subiam e desciam levemente ao ritmo do sono, o rosto sorridente”. Como não se apaixonar por uma mulher assim, com todos os atributos femininos que mais nos atraem, porém sem perder a inocência de quase criança?! Eu me apaixonei doidamente por ela quando li o romance “Gabriela, cravo e canela”, publicado em 1958, com sucessivas republicações. Você não, paciente leitor? Certamente que sim, ora, ora!

A retirante da seca, expulsa do sertão nordestino pela inclemência do clima, chega a Ilhéus em 1924, exalando “cravo e canela”. É descoberta, logo de cara, e levada do "mercado dos escravos", pelo árabe (que em boa parte do País era e ainda é conhecido, genericamente, como “turco”) Nacib. Ele é proprietário de um bar muito freqüentado da cidade, chamado Vesúvio. Contrata, pois, a sensual sertaneja para a cozinha do seu estabelecimento, duvidando, no íntimo, dos seus dotes culinários, mas achando que a beleza da moça atrairia muitos fregueses. Acertou na mosca, ou quase, pois só em parte. A contratação de Gabriela não tardou em revelar-se magnífico achado. Ela não só atraiu, de fato, os moradores – em particular os homens – da cidade por seu jeito livre e sua sensualidade como, de quebra, cozinhava como poucas. Seu tempero logo fez sensação. O turco murmurou, lá, com seus botões: "Não pensei que aquela retirante, coberta de poeira, vestida de trapos, soubesse cozinhar… E que a poeira escondesse tanto encanto, tanta sedução…"

O jeito espontâneo da sertaneja, aliado à sua beleza, não tardaram em seduzir Nacib. Pudera! Você resistiria a tantos e tamanhos encantos? Pois é, o turco não resistiu. “Caiu de quatro”, como se diz no popular. E quanto mais crescia sua paixão, mais aumentava seu ciúme pelo assédio masculino à sua musa. O que fazer? Fez o que considerava o inevitável. Decidiu casar-se com Gabriela. Em qualquer romance trivial, esse poderia ter sido o “happy end” do enredo. Poderia... Mas Jorge Amado nunca foi escritor convencional. Deixou claro que por conta até da sua natureza rústica, a bela e sedutora morena não teria se adaptado ao casamento. Daí para a traição ao marido foi um piscar de olhos. Considero essa parte o clímax da história.

Naquele tempo (e naquela cidade do interior baiano), adultério era delito que só se “lavava com sangue”. E sequer era considerado homicídio. Normalmente o marido traído, que recorria a esse tipo de desagravo, acabava sendo absolvido. Claro que se tratava de conduta condenável sob todo e qualquer aspecto. Ademais, quem ama, não mata. E o amor de Nacib por Gabriela era forte demais para apelar a esse expediente extremo e criminoso. Em vez de matá-la, como se costumava fazer com mulheres adúlteras em Ilhéus, o turco deu-lhe foi uma grande surra e anulou o casamento. O caso entre ambos, então, acabou? Não!! Poderia ter acabado, mas... Ambos sentiam, um pelo outro, grande, talvez irresistível atração física.

Não tardou, pois, para Gabriela voltar a ser não somente a cozinheira do bar Vesúvio, mas a amante do seu feliz proprietário. Muitas pessoas (pode até ser que seja a maioria) são assim: para elas, o proibido é que é atrativo. O consentido pela sociedade e pela moral vigente não tem nenhuma graça. Gabriela “enfeitiçou” o patrão não apenas pelo sabor de seus vatapás e acarajés, mas, principalmente, por outros “sabores”, nada sutis, como seus beijos, seu modo ardente de amar, além do seu espírito livre, meio bicho, meio mulher, muito diferente das senhoras da sociedade de Ilhéus. Como não considerar Gabriela personagem feminina inesquecível?!!! Sim, como?!!!!


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