A inesquecível “professora
de amor”
Pedro
J. Bondaczuk
A décima terceira (e
penúltima) mulher citada na série “Catorze personagens femininas
inesquecíveis”, organizada pelo site “Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com)
é uma tal de Fraülein Elza. “Quem é essa figura?”, perguntará, por certo,
atônito, o leitor de primeira viagem, aquele que tem um número bastante
limitado de leitura em seu currículo. Não critico quem está nessa condição.
Aliás, esta é a situação da imensa maioria das pessoas neste País que,
convenhamos, não gosta muito de ler. Não, pelo menos, como seria de se desejar.
Para estes informo que
Fraülein Elza se trata de personagem central do romance “Amar, verbo
intransitivo”, do paulistano Mário de Andrade, cuja obra mais conhecida,
disparado, é “Macunaima”.. Nesse ponto, é provável que surja outra pergunta,
quando não dura crítica, voltada ao próprio título do livro. Afinal, ele
envolve uma contradição ou, mais especificamente, um erro gramatical. Quem
conhece um mínimo de gramática da língua portuguesa sabe que o verbo amar é
transitivo direto e não intransitivo. Claro que Mário de Andrade sabia disso. E
deu esse título de propósito, exatamente para chamar a atenção dos leitores.
Mas, minha proposta,
aqui, não é escrever sobre Mário de Andrade e suas tantas peculiaridades,
diria, idiossincrasias. Trata-se de uma figura complexa e polêmica. Além de
ficcionista, foi poeta, crítico literário, musicólogo, folclorista e ensaísta.
Foi um dos pioneiros da poesia moderna brasileira com a publicação de seu livro
“Pauliceia Desvairada” em 1922. Andrade exerceu grande influência na literatura
moderna do País e, como ensaísta e estudioso — foi um pioneiro do campo da
etnomusicologia — sua importância transcendeu as fronteiras do Brasil. Para
mim, seria fácil escrever sobre ele. Este escritor é um dos quais mais tenho
material, coletado, pacientemente captado em bibliotecas e arquivos, em uma
época em que eu não sabia sequer o que era computador, quanto mais internet.
Pesquisei a fundo sua vida e obra para uma das tantas palestras que fiz, em
escolas de Campinas, no caso a que proferi no já longínquo ano de 1992, que me
parece foi bem sucedida. Poderia, portanto, sem exagero, escrever a biografia desse
expoente do Modernismo no Brasil e em vários volumes. Não é, porém, insisto, minha proposta. Como
também não é a de tratar do citado romance.
Então, por que toquei
no assunto? Para abordar, especificamente, a inesquecível Fraülein Elza,
“educadora sexual” de uma família, numa época em que só falar de sexo já era
inquestionável tabu, algo para lá de inconveniente, se não proibido. E
praticá-lo, às claras, então.... nem pensar! Ela é a personagem escolhida pelo
escritor, poeta e jornalista Márwio Câmara (é Márwio mesmo, e não Márcio),
pós-graduando em Cinema e Linguagem Audiovisual pela Universidade Estácio de Sá
e pesquisador da vida e obra de Mário de Andrade. Como o leitor já sabe, por haver sido
prevenido em “n” textos anteriores, a pesquisa do site reúne catorze
especialistas em Literatura que têm que escolher apenas uma única personagem
feminina que considere inesquecível e justificar a opção.
Alguns leitores
reclamam que tenho sido um tanto reticente, ou parcimonioso, ou econômico ou
algo que o valha ao comentar as protagonistas escolhidas pelos vários
convidados do site “Homo Literatus”. Ora, convenhamos, há tanta coisa a dizer
sobre cada uma delas, que para esgotar o assunto seriam necessários 14 livros,
ou mais, e ainda assim ficaria muita coisa por dizer. Se não fosse assim, elas
não seriam “inesquecíveis”, não é mesmo?
Márwio justificou assim
a sua escolha: “A alma feminina desnudada sem pudor e de modo sutilmente
elegante pelas mãos do intelectual Mário de Andrade. Fraülein Elza, é um misto de
muitas mulheres em apenas uma única. A governanta é recém-contratada pelo
patriarca da família Souza Costa, com o propósito não apenas de cuidar da
manutenção da casa e das crianças. No acordo, discretamente pré-estabelecido
por Souza Costa, seria a “professora do amor” de Carlos, seu filho mais velho,
um rapazinho a quem Fraülein conduzirá em seu florescer sexual — fazendo-o um
homem”.
E Márwio diz mais:
“Elza, no entanto, não é apresentada como uma prostituta. Ao menos não no
sentido pejorativo da palavra. Ela possui modos refinados, é observadora e
inteligente; e sua vocação não a torna uma mulher de traços ou postura
explicitamente erotizados, porém livre e independente. Elza é a personificação
de um projeto feminino desvinculado das utopias de sumo conservadoras da
‘tradicional família brasileira’ — de uma ousadia com classe. Embora Fraülein
Elza seja de origem alemã, sem dúvida, é uma das personagens mais emblemáticas,
senão uma das mais importantes da literatura brasileira, depois de Capitu. A protagonista
do primeiro grande romance do modernismo brasileiro — influenciada pela
psicologia freudiana — nos ensina que Amar é um verbo intransitivo”.
Minha abordagem da
pesquisa do site “Homo Literatus” tem, como principal objetivo (posto que não
único) o de motivar o leitor que não tenha lido os 14 livros citados (treze já
comentados e o décimo quarto que comentarei na sequência) a lê-los caso não os
tenha lido e a relê-los, se já os leu. Só assim descobrirá por que as
personagens femininas destacadas são “inesquecíveis”. Nada como a experiência
pessoal, não é mesmo? Meu papel, no caso, é o de, meramente, atuar como,
digamos, “agente provocador”. Creio que pelo menos nisso estou sendo
bem-sucedido, a julgar pela quantidade de e-mails recebida elogiando (ou
criticando) estes despretensiosos textos.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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