Wednesday, October 07, 2015

Brasileiros e o Nobel de Literatura

Pedro J. Bondaczuk

Há escritores (brasileiros ou não) de obra tão sólida e consensualmente reconhecida que, se estivessem vivos, ganhar ou não um Prêmio Nobel de Literatura não faria a menor diferença. Cito, sem pestanejar, o nome mais óbvio, que poderia (e deveria) ter sido premiado, mas não foi: Machado de Assis. No seu caso, há uma série de justificativas, que hoje cairiam por terra, mas que no início do século XX tinham lá certa lógica. Quando o prêmio foi instituído, em 1900, mas só entregue pela primeira vez no ano seguinte, em 1901, o Bruxo do Cosme Velho ainda estava vivo. Sua magnífica obra estava pronta, acabada e consolidada, pois seus principais livros já haviam sido escritos e publicados quase uma década antes. Havia, pois, como chegarem às mãos do júri da Academia Sueca.

Todavia, se ainda hoje, a língua portuguesa é obstáculo (pelo menos o alegado) para que escritores do Brasil e de Portugal sejam mais conhecidos fora de seus respectivos países, na época era muito maior, praticamente intransponível, ou quase. Machado de Assis ainda não gozava um milésimo do prestígio internacional de que goza hoje. Se estivesse vivo, entretanto, duvido que, em algum momento, não viesse a ser premiado. É verdade que nunca se sabe. Mas... Claro, receberia o prêmio caso sua candidatura fosse devidamente lançada. Tenho certeza de que, entre 1900 e 1905, um ano antes da sua morte, nunca o foi. No Brasil, infelizmente, é uma espécie de “pecado mortal” alguém fazer sucesso. Quando faz, logo inventam fofocas e intrigas e trazem à baila picuinhas de sua vida, geralmente boatos e insinuações sem fundamento, para desmerecê-lo. Uma lástima!

Li, há algum tempo, excelente matéria, publicada na edição 199, de abril de 2004, da revista “Superinteressante” abordando a relação do Nobel de Literatura com o Brasil. Nela, seu autor, Rodrigo Rezende, cita pelo menos três casos em que brasileiros “bateram na trave” e quase conquistaram o prêmio. O primeiro foi o de Carlos Drummond de Andrade. Registre-se que o poeta de Itabira não estava nem aí para o Nobel. “Quando, em 1967, seu tradutor para o sueco pediu todas as suas traduções disponíveis, ele não quis colaborar. O pedido havia partido do comitê do Nobel de Literatura, mas não agradou ao mineiro. Ele dizia, em suas crônicas no Jornal do Brasil, que o merecedor era o amigo Jorge Amado”. Concordo que era. Mas Drummond igualmente era merecedor do prêmio. Não teve, pois, a candidatura sequer formalizada. E, claro, não ganhou. E isso faz alguma diferença?

Já no caso do autor de “Gabriela, cravo e canela”, era quase certeza de que em algum momento seria premiado. O genial baiano esteve por bom tempo na relação dos favoritos e foi bem cotado nas casas de aposta. Todavia... a Academia Sueca demorou demais para fazer justiça a Jorge Amado. E a morte chegou antes, em 2001. Segundo a matéria da “Superinteressante”, o momento em que o genial romancista, traduzido para praticamente todas as línguas do Planeta, “esteve mais próximo do Nobel de Literatura foi em 1967, logo após o sucesso de Dona Flor e seus Dois Maridos. Nesse ano, perdeu para Miguel Angel Astúrias”. Com todo respeito ao guatemalteco, mas sua obra literária não chega nem aos pés da de Jorge Amado, nem em quantidade e muito menos em qualidade.

A surpresa, para mim, na matéria de Rodrigo Rezende é o tópico em que ele se refere a Jorge de Lima. O poeta alagoano “foi um talento reconhecido em 1947 por um olheiro do Nobel. Impressionado com a obra de Jorge de Lima, Artur Lunkvist convenceu a academia a dar o Nobel de Literatura a ele no ano de 1958, já que havia uma lista de autores para ganhar antes”. Infelizmente... O poeta brazuca morreu em 1953. “E o Nobel só premia vivos”. Esse caso, para mim, é novidade. Poetas por poetas, há uma infinidade de brasileiros aos quais o Nobel de Literatura cairia justo, como uma luva. Além de Drummond e de Jorge de Lima, eu citaria, sem pestanejar (e omitindo, sem exagero, uma centena ou mais de nomes), Manuel Bandeira, Mário Quintana, Manoel de Barros, João Cabral de Mello Neto, Ferreira Gullar, Cecília Meirelles, Vinícius de Moraes, Cora Coralina, Adélia Prado, Flora Figueiredo e vai por aí afora. Ou essa turma fica algo a dever a tantos e tantos e tantos poetas obscuríssimos, de países exóticos, que ganharam o Nobel de Literatura?!!!


É certo que para alguns milhares de escritores (brasileiros ou não), o prêmio da Academia Sueca não faria, nem faz a menor diferença. Eles estão muitos, muitíssimos furos acima disso. E essa opinião não é somente minha. Neste domingo (4 de outubro de 2015), por exemplo, li matéria a respeito, na edição eletrônica do jornal “Opção”, assinada pelo jornalista Euler de França Belém, em que este escreveu, a certa altura: “Há autores que, de tão consagrados, não precisam mais do Prêmio Nobel de Literatura. Tal como ocorreu com Liev Tolstói, Henry James, James Joyce, Guimarães Rosa, Jorge Luis Borges, Carlos Drummond de Andrade, todos mortos, consagrados mas sem o Nobel, o americano Philip Roth e o tcheco Milan Kundera não precisam do Nobel. Se um deles for escolhido este ano, a Academia Sueca merecerá ganhar um prêmio: o de qualidade literária”. E Euler de França Belém e eu estamos errados? Ora, ora, ora..

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