Reagan e Tancredo Neves
Pedro J.
Bondaczuk
O caso da doença do presidente norte-americano Ronald
Reagan apresenta algumas semelhanças com o que ocorreu com Tancredo Neves,
embora mostre mais diferenças do que similitudes. O primeiro fator que os
aproxima é a idade de ambos.
Os dois políticos ultrapassaram a
casa dos setenta anos, gozando de invulgar resistência física e sem
antecedentes anteriores de enfermidades. Tanto um, como outro, tiveram seus
problemas nas vísceras. E ambos revelaram-se vítimas de tumores de caráter
benigno.
No caso de Tancredo, isso foi
somente admitido muitos dias depois da primeira cirurgia que, oficialmente
(pelo menos no momento inicial) teria sido feita para a extração do divertículo
de Meckel. No de Ronald Reagan, o até exagerado otimismo que a Casa Branca vem
tentando passar ao público, buscando fixar a imagem de um homem de tamanha
resistência orgânica a ponto dela ser quase supra-humana, sofreu alguns
arranhões, com a divulgação do resultado da biópsia do tumor extraído no
sábado.
Para surpresa geral, este
revelou-se canceroso. E embora nos círculos oficiais as previsões de
recuperação do presidente sejam ainda alentadoras (algumas até triunfalistas),
determinados setores já começam a revelar descrença e inquietação.
Outra semelhança entre as doenças
está na maneira como os respectivos pacientes as encararam. Ambos preferiram
sacrificar suas saúdes para disputar o poder em seus países. Tancredo, para
poder concorrer no Colégio Eleitoral, não deu grande importância às dores que
vinha sentindo no abdome e somente quando a situação já era crítica, aceitou,
não sem relutância, se submeter à irremediável cirurgia, num instante que
significou amarga frustração para 135 milhões de brasileiros.
Reagan, nesse aspecto, foi um
pouco mais precavido. Descoberto o pólipo em seu intestino, num exame rotineiro
no ano passado, aceitou pelo menos fazer a dieta recomendada pelos médicos. Mas
abafou o problema, escondendo-o da opinião pública, para que este não servisse
de “handicap” a favor de Walter Mondale, seu adversário na postulação de um
novo mandato na Casa Branca. E é evidente que o câncer apenas fez foi evoluir,
diante da ausência da principal providência recomendada para esses casos: a
sumária extirpação.
A diferença entre os dois, entretanto,
não está nem na resistência dos seus organismos, nem no fato de Reagan ser
alguns meses mais jovem do que Tancredo e nem nos médicos que assistiram a um e
ao outro. Está no aparato hospitalar dos dois países.
Enquanto o presidente brasileiro
foi vitimado por uma incompreensível (e indesejada) infecção hospitalar, no
Hospital de Base de Brasília, o norte-americano, ao que tudo indica, tem riscos
mínimos nesse aspecto. Embora em cirurgias intestinais, por maiores que sejam
os cuidados quanto à assepsia, todas estejam sujeitas a apresentar dolorosas e
constrangedoras surpresas. Mas as chances (ninguém pode negar essa evidência
óbvia) estão todas a favor de Reagan.
Resta saber, entretanto, se os
boletins médicos norte-americanos, vazados em tons inusitadamente otimistas,
condizem, rigorosamente, com o quadro clínico real do paciente. Caso contenham
exageros, isso seria até compreensível, por motivos econômicos e de segurança
nacional.
Bastou, por exemplo, que se
divulgasse que o tumor retirado de Reagan no sábado era canceroso, para que o
dólar despencasse na maioria das casas de câmbio do mundo. Levando-se em conta
o peso que os EUA têm, como a mais poderosa superpotência mundial, o anúncio de
uma eventual incapacidade de seu presidente, mesmo que temporária, poderia
estimular eventuais aventureiros a cometer atos de agressão contra os Estados
Unidos.
Daí, certamente, essa recuperação
“fantástica” de Reagan ser apregoada aos sete ventos, como se se tratasse de um
autêntico super-homem, e não de um setuagenário.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 16
de julho de 1985).
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