Friday, October 16, 2015

Reagan e Tancredo Neves


Pedro J. Bondaczuk


O caso da doença do presidente norte-americano Ronald Reagan apresenta algumas semelhanças com o que ocorreu com Tancredo Neves, embora mostre mais diferenças do que similitudes. O primeiro fator que os aproxima é a idade de ambos.

Os dois políticos ultrapassaram a casa dos setenta anos, gozando de invulgar resistência física e sem antecedentes anteriores de enfermidades. Tanto um, como outro, tiveram seus problemas nas vísceras. E ambos revelaram-se vítimas de tumores de caráter benigno.

No caso de Tancredo, isso foi somente admitido muitos dias depois da primeira cirurgia que, oficialmente (pelo menos no momento inicial) teria sido feita para a extração do divertículo de Meckel. No de Ronald Reagan, o até exagerado otimismo que a Casa Branca vem tentando passar ao público, buscando fixar a imagem de um homem de tamanha resistência orgânica a ponto dela ser quase supra-humana, sofreu alguns arranhões, com a divulgação do resultado da biópsia do tumor extraído no sábado.

Para surpresa geral, este revelou-se canceroso. E embora nos círculos oficiais as previsões de recuperação do presidente sejam ainda alentadoras (algumas até triunfalistas), determinados setores já começam a revelar descrença e inquietação.

Outra semelhança entre as doenças está na maneira como os respectivos pacientes as encararam. Ambos preferiram sacrificar suas saúdes para disputar o poder em seus países. Tancredo, para poder concorrer no Colégio Eleitoral, não deu grande importância às dores que vinha sentindo no abdome e somente quando a situação já era crítica, aceitou, não sem relutância, se submeter à irremediável cirurgia, num instante que significou amarga frustração para 135 milhões de brasileiros.

Reagan, nesse aspecto, foi um pouco mais precavido. Descoberto o pólipo em seu intestino, num exame rotineiro no ano passado, aceitou pelo menos fazer a dieta recomendada pelos médicos. Mas abafou o problema, escondendo-o da opinião pública, para que este não servisse de “handicap” a favor de Walter Mondale, seu adversário na postulação de um novo mandato na Casa Branca. E é evidente que o câncer apenas fez foi evoluir, diante da ausência da principal providência recomendada para esses casos: a sumária extirpação.

A diferença entre os dois, entretanto, não está nem na resistência dos seus organismos, nem no fato de Reagan ser alguns meses mais jovem do que Tancredo e nem nos médicos que assistiram a um e ao outro. Está no aparato hospitalar dos dois países.

Enquanto o presidente brasileiro foi vitimado por uma incompreensível (e indesejada) infecção hospitalar, no Hospital de Base de Brasília, o norte-americano, ao que tudo indica, tem riscos mínimos nesse aspecto. Embora em cirurgias intestinais, por maiores que sejam os cuidados quanto à assepsia, todas estejam sujeitas a apresentar dolorosas e constrangedoras surpresas. Mas as chances (ninguém pode negar essa evidência óbvia) estão todas a favor de Reagan.

Resta saber, entretanto, se os boletins médicos norte-americanos, vazados em tons inusitadamente otimistas, condizem, rigorosamente, com o quadro clínico real do paciente. Caso contenham exageros, isso seria até compreensível, por motivos econômicos e de segurança nacional.

Bastou, por exemplo, que se divulgasse que o tumor retirado de Reagan no sábado era canceroso, para que o dólar despencasse na maioria das casas de câmbio do mundo. Levando-se em conta o peso que os EUA têm, como a mais poderosa superpotência mundial, o anúncio de uma eventual incapacidade de seu presidente, mesmo que temporária, poderia estimular eventuais aventureiros a cometer atos de agressão contra os Estados Unidos.

Daí, certamente, essa recuperação “fantástica” de Reagan ser apregoada aos sete ventos, como se se tratasse de um autêntico super-homem, e não de um setuagenário.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 16 de julho de 1985).



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