Beleza inesquecível e
irresistível
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor francês
Victor Hugo, um dos grandes clássicos da literatura mundial, é desses homens de
letras que dispensam apresentações. Portanto, não as farei, até para não ser
repetitivo ou redundante. Por que? Porque escrevi, há não muito, longo ensaio,
dividido em vários textos isolados – mas com continuidade, ou seja, com começo,
meio e fim – que partilhei, por vários dias (se não me falha a memória, por
semanas) com vocês, com comentários tanto sobre a sua vida quanto, e
principalmente, sobre sua obra.
Destaco, todavia, que
ele foi exímio criador de personagens, e de ambos os sexos. Celebrizou-se por
emprestar-lhes verossimilhança, por retratar figuras marcantes dessas que os
leitores não ousam, ou não conseguem esquecer. São inúmeras. Constituem imensa
legião de tipos, com vários perfis sociais e psicológicos: clérigos, soldados,
nobres, damas de alta sociedade, mendigos, costureirinhas, prostitutas
etc.etc.etc., abrangendo, se não todas (o que é impossível para qualquer
escritor) boa parte das pessoas que conheceu e com as quais conviveu no seu
tempo, o século XIX, com os respectivos comportamentos.
Definir uma única
personagem feminina inesquecível das tantas criadas por Victor Hugo, em torno
da qual haja consenso, portanto, é tarefa que considero (e que é) impossível.
Não que ele tenha dado poucas opções a quem se proponha a eleger uma, apenas
uma, que não seja contestada por ninguém. Justamente, pelo contrário! Há tanta
variedade de tipos, e todos com características tão marcantes, que a escolha
tem que ser aleatória. Será facílimo justificar a razão de se optar por fulana,
em detrimento de beltrana, e vice-versa. Todas se justificam. Como todo leitor
de Hugo, tenho a minha preferência. E esta recai sobre a cigana Esmeralda, do
romance “O corcunda de Notre Dame” (que no original francês tem o título de
“Notre Dame de Paris”).
O escritor, ao receber
de seus editores a incumbência, em 1829, de escrever um livro, para ser
entregue em prazo extremamente exíguo, de um ano ou até menos, sequer cogitava,
a princípio, em produzir uma obra de ficção. Pensava escrever História.
Todavia, ao fim e ao cabo, o que acabou saindo foi um dos mais memoráveis
romances de todos os tempos, inquestionável obra-prima ficcional, publicada em
1831. O jornalista Jonatan Silva observou (em magnífica análise crítica,
sobretudo enxuta e objetiva, publicada no site “Paraná Online”, em 5 de março
de 2015) o seguinte: “O amor de Quasímodo, o corcunda que trabalha como sineiro
da catedral de Paris, pela cigana Esmeralda, uma dançarina de rua que se
apresentava em frente à igreja, é o pano de fundo para que Hugo transformasse
em literatura a sua obsessão pela era medieval. A história, que se passa em
1482, é, na verdade, uma ode à arquitetura gótica da cidade. Tanto que, em uma
nota do livro, o autor explica que o termo gótico em seu significado consagrado
é ‘perfeitamente impróprio’”.
O escritor estava
preocupado com a crescente deterioração da catedral dedicada à mãe de Jesus
(“Notre Dame” quer dizer “Nossa Senhora” em francês), construída em 1330 na Ile
de La Cité, no meio do Rio Sena. Na época em que Hugo situou sua história, em
1482, ali estavam localizados os dois grandes monumentos da capital francesa: a
igreja, a mais importante de Paris, e o Palácio da Justiça, o que centralizava,
na ilha, religião e governo. Ao fim e ao cabo, todavia, acabou produzindo,
reitero, um dos clássicos da literatura mundial, sobretudo de ficção. Tratando,
especificamente, da nossa personagem feminina inesquecível, é forçoso
reconhecer que Esmeralda (nascida Agnes) é uma mulher que representa uma
espécie de beleza inquestionável, absoluta, beirando à perfeição, dessas que é
impossível de não se apaixonar tão logo se a conheça.
Dois homens (entre
tantos outros), de perfis diametralmente opostos, ou seja, Quasimodo – que aos
quatro anos de idade foi abandonado pelos pais à porta da Catedral por causa da
sua deformidade física, protótipo da feiúra, fisicamente repulsivo – e Dom
Claudio Frollo (que criou o corcunda) se apaixonaram por ela. Não a amavam,
todavia, da mesma maneira. O homem deformado, sem esperança alguma de ser
correspondido, amava-a de forma desinteressada, altruísta, sem nada a esperar
dela e com tudo a lhe dar, até a própria vida se fosse preciso. Já o clérigo sentia pela cigana enorme
paixão, mas, sobretudo, carnal, repleta de desejo sexual reprimido, embora
muitas vezes se notasse uma grande ternura e carinho por ela. A belíssima
mulher, todavia, não corresponde á paixão de nenhum dos dois. Faz, porém, opção
equivocada. Elege para amar a Phoebus, oficial da guarda real, que apesar de
lhe fazer mil juras de amor, tem uma noiva, Fleur-de-Lys, também belíssima, mas
com ciúme incontrolável pela rival, o que a leva a praticar toda sorte de
maldades. O tal soldado não nutre nenhum tipo de sentimento por Esmeralda, a
não ser, exclusivamente, desejo sexual.
Interessante, e acima
de tudo pertinente, é esta outra observação do jornalista Jonatan Silva, na
fonte que citei: “Hugo usa sua obra para criticar a postura conservadora da
Igreja Católica, naquela época uma instituição tão poderosa quanto o Estado.
Ainda que tivesse sido um cristão fervoroso, cria em Claude Frollo, paí adotivo
de Quasímodo e arquidiácono de Notre Dame, um personagem que precisa se dividir entre a devoção a Deus
e a adoração por Esmeralda. Sem mencionar a palavra pecado, Victor Hugo cria um
personagem atormentado pelo desejo carnal que, consciente de sua condição, se
esconde atrás da figura religiosa”.
E Jonatan acrescenta,
mais adiante: “A única tentativa de conquistar a cigana, que também desperta o
desejo de homens poderosos da cidade, é sequestrá-la. E encarrega Quasímodo de
dar cabo da ação. Como era de se esperar, o corcunda é apanhado e levado à
puníção física e é exposto em praça pública como troféu. Morto de sede,
literalmente, o pobre-diabo ouvia à sua volta as pessoas afirmando que era ‘tão
feio quanto a maldade’. E a única pessoa a lhe oferecer um pouco de água é
Esmeralda”.
Minha proposta não é a
de resenhar o romance, mas de justificar minha escolha da cigana como
personagem feminina inesquecível, das tantas que Hugo criou. Mas para não
deixar o leitor, que eventualmente não tenha lido o livro (deveria lê-lo) na
mão, adianto o desfecho da história, cujo conteúdo colhi na enciclopédia
eletrônica Wikipédia, dada sua objetividade:
“Do alto da Igreja de Nossa Senhora, Quasímodo e Frollo (que assassinou Phoebus,
mas que tramou para que a cigana levasse a culpa pelo que não fez) assistem à
execução de Esmeralda. O corcunda, louco de desespero, atira o padre do alto da
torre e desaparece para sempre. Muito tempo depois, ao ser aberto o ossário de
Montfaucon, local onde a bela cigana havia sido sepultada, são encontrados dois
esqueletos abraçados; um deles, com visível deformação da espinha”. Esmeralda é
ou não é personagem feminina para não se esquecer jamais depois de conhecê-la?
Eu nunca a esqueci!
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