Primavera e verão muito “quentes” na Europa
Pedro J.
Bondaczuk
A Europa Ocidental recebeu com grande frieza a proposta do
líder soviético Mikhail Gorbachev, feita na terça-feira ao secretário de Estado
dos Estados Unidos, George Shultz, para a eliminação de todos os mísseis
nucleares do continente.
Os países integrantes da
Organização do Tratado do Atlântico Norte, acomodados há algum tempo sob o
pretensamente cômodo “guarda-chuva atômico” de Tio Sam, manifestaram temores
infundados e repisaram a velha e ultrapassada doutrina da “dissuasão” ou da
“resposta flexível” para justificar sua oposição ao desarmamento.
Argumentam que a URSS tem uma
superioridade de dois por um, em termos de força convencional. E que os mísseis
norte-americanos são a maior salvaguarda que têm para a sua segurança.
Suponhamos que de fato seja
assim. Que os europeus (e não somente os líderes políticos e os chefes
militares) desejem conservar a força nuclear no continente e manter
indefinidamente a suicida política dissuasória. Isso os livrará de um ataque
frontal dos russos, no auge de uma das tantas agudas crises que surgem de
repente, como que num diabólico passe de mágica, e não dão tempo sequer de
raciocinar? Certamente que não!
Ademais, eles não precisariam de
mísseis próprios, ou baseados em seus territórios, para uma resposta adequada a
uma eventual agressão. Os Estados Unidos continuarão com seus arsenais
virtualmente intactos, de balísticos intercontinentais, de MX (que são lançados
de plataformas móveis), de projéteis que podem ser jogados de superbombardeiros
(dos quais a sua vantagem sobre os soviéticos é de sete por um) e de foguetes
transportados por submarinos.
Por outro lado, é certo que, pelo
menos naquilo que diz respeito à política nuclear, a posição dos líderes
europeus está longe de condizer com aquilo que pensa a população local sobre o
assunto. O continente, praticamente em todos os anos, tem sido sacudido por
gigantescas manifestações de pacifistas, que engrossam seus contingentes de um
ano para outro.
Cenas mostrando respeitáveis
senhores, damas com bastante prestígio em suas comunidades e intelectuais de
renome sendo presos por policiais nos portões das bases que abrigam mísseis
atômicos já se tornaram rotineiras nos noticiários de televisão. E após a surpreendente
proposta de Gorbachev, na terça-feira, e a implícita recusa da Europa, àquilo
que o líder propôs, elas certamente irão aumentar bastante.
A temperatura da primavera e do
inverno no Velho Mundo, aliás, promete ser das mais quentes neste ano. Além da
questão nuclear, agravada com o acidente na usina de Chernobyl, há um ano, do
qual a população local ainda não se refez, muitas outras controvérsia
certamente vão desaguar nas ruas de Londres, Paris, Roma, Bonn e Madri,
confrontando manifestantes e autoridades.
A agitação trabalhista já toma
conta da Espanha e da França, onde há uma greve geral convocada para o próximo
mês. Os estudantes desses dois países também não estão dispostos a ceder à
elitização do ensino.
A trégua francesa com seus
universitários, após a confrontação de novembro e dezembro de 1986, está para
vencer. O projeto reformista, que foi responsável por esse verdadeiro levante
estudantil, parecido com o de 1968, retirado da Assembléia Nacional para
estudos, deverá retornar a ela apenas ligeiras modificações. Na Espanha, nem
mesmo essa breve pausa aconteceu. O tempo, portanto, promete ficar bastante
“quente“ por essas bandas.
Grã-Bretanha e Itália, por outro
lado, enfrentarão eleições gerais no ano, as italianas antecipadas por falta de
solução para a crise política deflagrada com a dissolução da coalizão
pentapartidária, liderada pelo ex-primeiro-ministro socialista Bettino Craxi.
Portugal, dependendo da decisão
do presidente Mário Soares, também pode ter que ir às urnas, para solucionar o
impasse criado com a aprovação da moção de censura ao gabinete do premier
Aníbal Cavaco Silva.
A proposta de Gorbachev,
portanto, se veio a significar um alívio para aqueles que ainda têm esperança
que o mundo possa ser salvo de um fatal holocausto nuclear (mantida a situação
atual, essa ocorrência é apenas questão de tempo, não há como duvidar),
representa um problema a mais para os já atribulados líderes europeus, que têm
tantos e tão complexos problemas a resolver.
Quem sabe as pressões, que certamente
esses políticos vão receber dos seus cidadãos os leve a reformular conceitos e
a ousar na exploração de novos caminhos,
mais criativos, que nos livre a todos do temido “doomsday” nuclear.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 17
de abril de 1987).
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