Tuesday, October 13, 2015

Primavera e verão muito “quentes” na Europa


Pedro J. Bondaczuk


A Europa Ocidental recebeu com grande frieza a proposta do líder soviético Mikhail Gorbachev, feita na terça-feira ao secretário de Estado dos Estados Unidos, George Shultz, para a eliminação de todos os mísseis nucleares do continente.

Os países integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte, acomodados há algum tempo sob o pretensamente cômodo “guarda-chuva atômico” de Tio Sam, manifestaram temores infundados e repisaram a velha e ultrapassada doutrina da “dissuasão” ou da “resposta flexível” para justificar sua oposição ao desarmamento.

Argumentam que a URSS tem uma superioridade de dois por um, em termos de força convencional. E que os mísseis norte-americanos são a maior salvaguarda que têm para a sua segurança.

Suponhamos que de fato seja assim. Que os europeus (e não somente os líderes políticos e os chefes militares) desejem conservar a força nuclear no continente e manter indefinidamente a suicida política dissuasória. Isso os livrará de um ataque frontal dos russos, no auge de uma das tantas agudas crises que surgem de repente, como que num diabólico passe de mágica, e não dão tempo sequer de raciocinar? Certamente que não!

Ademais, eles não precisariam de mísseis próprios, ou baseados em seus territórios, para uma resposta adequada a uma eventual agressão. Os Estados Unidos continuarão com seus arsenais virtualmente intactos, de balísticos intercontinentais, de MX (que são lançados de plataformas móveis), de projéteis que podem ser jogados de superbombardeiros (dos quais a sua vantagem sobre os soviéticos é de sete por um) e de foguetes transportados por submarinos.

Por outro lado, é certo que, pelo menos naquilo que diz respeito à política nuclear, a posição dos líderes europeus está longe de condizer com aquilo que pensa a população local sobre o assunto. O continente, praticamente em todos os anos, tem sido sacudido por gigantescas manifestações de pacifistas, que engrossam seus contingentes de um ano para outro.

Cenas mostrando respeitáveis senhores, damas com bastante prestígio em suas comunidades e intelectuais de renome sendo presos por policiais nos portões das bases que abrigam mísseis atômicos já se tornaram rotineiras nos noticiários de televisão. E após a surpreendente proposta de Gorbachev, na terça-feira, e a implícita recusa da Europa, àquilo que o líder propôs, elas certamente irão aumentar bastante.

A temperatura da primavera e do inverno no Velho Mundo, aliás, promete ser das mais quentes neste ano. Além da questão nuclear, agravada com o acidente na usina de Chernobyl, há um ano, do qual a população local ainda não se refez, muitas outras controvérsia certamente vão desaguar nas ruas de Londres, Paris, Roma, Bonn e Madri, confrontando manifestantes e autoridades.

A agitação trabalhista já toma conta da Espanha e da França, onde há uma greve geral convocada para o próximo mês. Os estudantes desses dois países também não estão dispostos a ceder à elitização do ensino.

A trégua francesa com seus universitários, após a confrontação de novembro e dezembro de 1986, está para vencer. O projeto reformista, que foi responsável por esse verdadeiro levante estudantil, parecido com o de 1968, retirado da Assembléia Nacional para estudos, deverá retornar a ela apenas ligeiras modificações. Na Espanha, nem mesmo essa breve pausa aconteceu. O tempo, portanto, promete ficar bastante “quente“ por essas bandas.

Grã-Bretanha e Itália, por outro lado, enfrentarão eleições gerais no ano, as italianas antecipadas por falta de solução para a crise política deflagrada com a dissolução da coalizão pentapartidária, liderada pelo ex-primeiro-ministro socialista Bettino Craxi.

Portugal, dependendo da decisão do presidente Mário Soares, também pode ter que ir às urnas, para solucionar o impasse criado com a aprovação da moção de censura ao gabinete do premier Aníbal Cavaco Silva.

A proposta de Gorbachev, portanto, se veio a significar um alívio para aqueles que ainda têm esperança que o mundo possa ser salvo de um fatal holocausto nuclear (mantida a situação atual, essa ocorrência é apenas questão de tempo, não há como duvidar), representa um problema a mais para os já atribulados líderes europeus, que têm tantos e tão complexos problemas a resolver.

Quem sabe as pressões, que certamente esses políticos vão receber dos seus cidadãos os leve a reformular conceitos e a ousar na exploração de novos caminhos,  mais criativos, que nos livre a todos do temido “doomsday” nuclear.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 17 de abril de 1987).


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