Wednesday, October 21, 2015

Personagens femininas de Monteiro Lobato

Pedro J. Bondaczuk

O escritor Monteiro Lobato criou alguma personagem feminina inesquecível? Esta é a pergunta, em tom de “pegadinha”, que mais tenho ouvido de uns tempos para cá. Esse questionamento acentuou-se notadamente desde que passei a abordar o tema referente ás mulheres protagonistas de grandes romances, contos e novelas na literatura mundial. O assunto, por si só, é tão polêmico como este homem de letras, adorado por gerações que leram seus livros voltados à faixa infantil quando crianças e odiado por políticos e por pessoas que não aceitam opiniões contrárias às suas e que tentam destruir quem as emite. A biografia de Monteiro Lobato é tão rica que renderia uma infinidade de comentários que, certamente, gerariam acalorados debates, com opiniões favoráveis e contrárias ao que foi e, sobretudo, às suas ações. Esse, porém, não é o tema destas minhas considerações.

Possivelmente algum dia eu trate desse assunto, comentando seus êxitos e fracassos, seus acertos e erros, que dão “pano para muita manga”. Por ora, todavia, me restringirei em responder ao questionamento, em tom de “pegadinha”, que mitos me têm feito de uns tempos para cá. Minha resposta à indagação é SIM!!! Monteiro Lobato criou personagens femininas inesquecíveis, sobretudo em seus livros voltados ao público infantil, que se constituem, apenas, em metade ou pouco menos de sua vasta, eclética e copiosa obra literária. Por uma série de razões, que não irei sequer mencionar (cada qual conclua por si), apenas suas histórias pára crianças se impuseram e se popularizaram. A tal ponto que, os que nada sabem a seu respeito, ou conhecem muito pouco, acham que ele não escreveu e não publicou mais nada que não fosse literatura infantil.

E quais seriam essas personagens femininas inesquecíveis? Quem leu a obra de Monteiro Lobato ou assistiu às várias séries de televisão que ela ensejou (foram seis, se não me falha a memória) cita-as de imediato, sem pestanejar. Aliás, à exceção de Pedrinho, do Visconde de Sabugosa e do Marquês de Rabicó, nenhum outro protagonista masculino ocupou posição que não fosse a de “meros figurantes”. Minha dúvida é uma só: qual das quatro personagens femininas, presentes na quase totalidade das histórias infantis que criou, é “mais” inesquecível?

É Dona Benta, a avó dos meninos, que se destacou por seus educativos, edificantes e inteligentes serões? É Tia Nastácia, em torno da qual girou (e ainda gira) absurda polêmica sobre pretenso racismo do escritor, o que levou muitos a defenderem o banimento dos livros de Monteiro Lobato das escolas públicas do País? É Lúcia, tratada pelo apelido de Narizinho, por ter um nariz um tanto (e graciosamente) arrebitado e que por isso passou a ser tratada assim? Ou é Emília, a boneca de pano, feita por Tia Nastácia, que não só falava pelos cotovelos, mas tinha e emitia surpreendentes opiniões, que à primeira vista pareciam enormes disparates, mas que se revelavam de cristalina sabedoria? Para mim, não se trata, sequer, de escolha. Por que tenho que escolher apenas uma, se as quatro são absolutamente inesquecíveis?!!.

Os que fizeram o citado questionamento, com intenção de que fosse “pegadinha”, exigem-me a exclusão de Emília desse rol. Discordo. Meus questionadores argumentam que essa protagonista não se trata de pessoa, mas de uma boneca de pano. Ora, ora, ora. O tema em questão é sobre personagens femininas e não especificamente sobre “mulheres”. Teriam razão, portanto, se essa protagonista fosse um “boneco” (poderia ser, por que não?). Mas não é. Ademais, Emília tem todas as características psicológicas femininas. Incluo-a,. sim, nessa relação. E mais do que isso: destaco-a. Talvez (e notem bem, digo, apenas, “talvez”) a intenção do escritor fosse a de destacar Narizinho.

E por que cheguei a essa conclusão? Porque tudo começou para ele com o livro “A menina do narizinho arrebitado”, que publicou em 1920, A partir daí, deu continuidade à sua fantasia, dada a aceitação da história original pelas crianças, e deu no que deu: a imortal saga (e não reluto em tratá-la assim) que foi a coleção “Sítio do picapau amarelo”. Foi o sucesso junto à meninada que motivou Monteiro Lobato a explorar, mais e mais e mais, esse tema. Deu no que deu, reitero. Li, pela primeira vez, seus livros quando tinha por volta de dez anos de idade, na biblioteca da escola em que estudava. Desde então, fiz tantas releituras, em épocas as mais diversas de vida, que não saberia especificar quantas foram. Li, por exemplo, cada um dos livros para meus quatro filhos. E planejo fazê-lo para meu neto mais novo, o João Vítor, que já mostrou interesse pelas histórias quando lhe mencionei o assunto.

Pra quem contesta que Dona Benta, Tia Nastácia, Narizinho e Emília sejam personagens femininas inesquecíveis, proponho que façam um teste. Perguntem às crianças que leram os livros ou que assistiram à série “Sítio do picapau amarelo” na televisão, o que elas acham destas quatro. Duvido que não tenham opinião semelhante, ou parecida, ou igualzinha (o que é mais provável) à minha. Elas não irão mentir. E nem dar a entender que sejam o que não são. A meninada tende a ser sincera. Por isso, Monteiro Lobato decidiu escrever prioritariamente para elas. São elas, e não o público adulto, que o tornaram “imortal” no cenário literário. O escritor explicou, em certa ocasião, o motivo dessa opção: "De escrever para marmanjos já estou enjoado. Bichos sem graça. Mas para crianças um livro é todo um mundo". E estava errado? Eu também, se tivesse 1% do seu talento, agiria da mesmíssima forma. Escreveria para a meninada e conquistaria seus corações e mentes para sempre.


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: