Beleza e bondade
Pedro J.
Bondaczuk
As pessoas costumam associar (erroneamente) o belo
ao bom e, por conseqüência, o feio ao mau. Neste mundo de aparências, a beleza
tem sido supervalorizada, sublimada, perseguida, colocada por muitos como uma
espécie de ideal, mesmo sendo transitória. Diríamos até que ela é
"virtual", para usar expressão tão em voga, uma espécie de ilusão, de
fantasia da mente, de delírio. Afinal, restringe-se a um determinado tempo,
curtíssimo por sinal.
Uma pessoa bonita não se livra dos efeitos
transformadores dos anos. E estes, salvo na passagem da infância para a
adolescência e às vezes desta para a maturidade, nunca são para melhor.
Representam desgaste, decadência, envelhecimento. E, por conseqüência,
sofrimento. Quanto mais bela é uma pessoa quando jovem, maior será sua
frustração quando envelhecer, murchar, fenecer.
Uma pele sedosa em pouco tempo enche-se de rugas,
por exemplo. Olhos claros e cristalinos turvam-se com a idade e são emoldurados
por olheiras. Dentes brancos e perfeitos ficam muitas vezes cariados, ou
amarelados pela nicotina (para quem fuma) ou caem se a pessoa não cuidar.
Cabelos negros, ou loiros ou ruivos branqueiam com os anos. Fartas cabeleiras
transformam-se em calvície. O inverso, obviamente, nunca ocorre. A beleza
humana, pelo menos nos padrões vigentes, é transitória, ilusória e fugaz.
No terreno da arte acontece o mesmo. Textos
considerados maravilhosos no início do século são vistos hoje como empolados,
vazios, piegas. Os padrões estéticos variam ao sabor dos modismos. Tais
variações atingem, indistintamente, literatura, artes plásticas, escultura,
música, etc. Talvez os chamados "clássicos" consigam escapar, embora
nem todos. Só a natureza, quando deixada quieta, sem que o homem busque interferir
no seu curso, consegue se conservar sempre bela.
O escritor argentino José Bianco escreveu, em um de
seus romances, na boca de um personagem: "A beleza natural renova o
assombro que nos causa e o prazer que suscita em nós... talvez... seja superior
a tudo. A diferença entre a natureza e uma música, um poema, um quadro, uma
escultura é que ela nunca nos deixa cansados".
Essa noção de que a aparência é enganosa todos temos
em nosso íntimo, repousa na memória coletiva, tem sido transmitida de geração
para geração, embora teimemos em não atentar para ela. Se o belo fosse
automaticamente bom Lucifer não seria o demônio. Afinal, dizem os dogmas
cristãos, era o anjo de maior beleza da corte celestial, quando a Terra ainda
não existia e, portanto, nem o homem com seus desejos e ilusões, "no
princípio dos tempos". No entanto, desse ser revestido de luz,
esteticamente perfeito, brotaram as raízes da maldade, da perfídia, da soberba
e da traição.
A literatura tem um contraponto para esse caso, na
figura do personagem Quasimodo, o "Corcunda de Notre Dame", de Victor
Hugo. Tratava-se de um ser disforme, asqueroso, caricato e ridículo na
aparência (como o concebeu o escritor francês) e tinha plena consciência disso.
Mas apesar da sua monstruosidade física, foi capaz
de cultivar um amor ilimitado, total, absoluto e sem esperança, o "que
tudo dá e nada pede", pela cigana Esmeralda. Era tão profundo esse
sentimento a ponto dele sacrificar o bem mais precioso que qualquer vivente
tem, a vida, pela amada. "Ora, isto é ficção", dirão os cépticos.
Será que pessoas assim existem só na mente dos escritores? Se forçarmos a
memória, a maioria de nós conseguirá lembrar de algum "Quasimodo" na
vizinhança de nossa casa. Alguns de nós, quem sabe, até somos um (tendo ou não
consciência).
Neste mundo tão complicado, por outro lado, há quem
duvide que exista homem bom. Bondade absoluta, assim como maldade, beleza,
feiúra, etc. totais não há mesmo. Existem graduações do ao redor do zero até os
limites do infinito. De todos os indivíduos que já tiveram o privilégio de
viver, a natureza não fez dois que fossem absolutamente iguais. Parecidos houve
milhões. A igualdade, no entanto, jamais chegou a ser atingida em lugar ou
tempo algum.
O norte-americano Roger J. Williams explica da
seguinte maneira essas diferenças: "Um grupo de pessoas é algo assim como
uma coleção de bolas de gude de todos os tamanhos e composições e de todas as
cores do arco-íris. Tentem tirar a média dessas bolas, e o resultado será puro
disparate. Tentem tirar a média de sua cor montando-as em um disco e fazendo-o
girar rapidamente. A cor resultante será um cinza sujo". Exatamente isso,
sem tirar e nem pôr.
E Williams prossegue: "Entretanto, não há uma
bola cinza sujo em toda a coleção! As pessoas são tão diferentes como as bolas
de gude, e, quando tentamos tirar uma média delas, acabamos por obter um homem
cinza sujo. A média, quando aplicada a pessoas deste modo descuidado pode ser
falha, pois nós somos espécimes ímpares".
Esse raciocínio foi feito quanto à aparência. Vale
também, no entanto, quando se trata de bondade. Se representarmos esse conceito
por cores e tentarmos tirar a média, o resultado será exatamente o mesmo: cinza
sujo!.
E ninguém ousaria classificar um São Francisco de
Assis, uma Madre Tereza de Calcutá ou uma Irmã Dulce nessa categoria. Muito
menos um Nero, um Calígula, um Hitler e tantos e tantos outros monstros do
passado ou do presente, conhecidos ou anônimos, atuantes ou com a maldade
apenas latente à espera de oportunidade para se manifestar.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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