Fogo em tanque de gasolina
Pedro J.
Bondaczuk
As superpotências, “subitamente”, descobriram que o Golfo
Pérsico é vital para o Ocidente, depois de quase sete anos de guerra nessa
região, que a tornaram um dos pontos mais inseguros e explosivos do Planeta.
Os Estados Unidos lembraram que
tanto o Irã, quanto a União Soviética, poderiam fechar o Estreito de Hormuz
(que forma uma espécie de porta natural para essas águas) e fazer o mundo cair
de joelhos, diante da falta de petróleo para movimentar veículos, fábricas, termelétricas
e impulsionar a vida econômica de toda uma civilização que se amoldou a essa
fonte energética esgotável. Mas o observador fica indagando a si próprio: por
que apenas agora baixou essa luz inspiradora na mente do presidente norte-americano
Ronald Reagan?
Que não se diga que foi por causa
dos repetidos ataques iranianos aos navios do Kuwait. Esse pretexto seria
incrível, pois, percentualmente, essa monarquia moderada da região foi uma das
que menos sofreram com a chamada Guerra
dos Petroleiros, que vem se desenvolvendo na área desde 1985 e que já atingiu
240 embarcações.
A bem da verdade, também, (embora
não se nutra grande afeto pelo regime fanático que foi implantado no país que
já foi chamado de Gendarme do Golfo Pérsico) é indispensável que se diga que
quem iniciou esses ataques indiscriminados contra propriedade alheia foi o
Iraque, numa tentativa de sabotar a economia persa, como forma de levar a
República Islâmica a aceitar a negociação de um acordo de paz.
Os iraquianos escoam, há tempos,
sua produção petrolífera através da Turquia, em completa segurança. Teerã, por
seu turno, teve que usar de criatividade imensa para vender seu produto e
atender sua clientela. Seu terminal da Ilha de Kharg chegou a ser bombardeado
até duas vezes num único dia. Sua maior refinaria de petróleo, a de Abada (que
também era a de maior capacidade de refino do mundo) foi arrasada.
Portanto, a hora das
superpotências intervirem no conflito deveria ser aquela. A União Soviética nem
tanto, pois em toda essa história, ela é apenas uma livre atiradora. Seus
interesses no Golfo são meramente estratégicos. Tudo o que ela conseguir ali
será sempre lucro. Afinal, os russos não dependem do óleo da região, na
qualidade de maiores produtores dessa matéria-prima, da qual são, por enquanto,
auto-suficientes.
Mas os Estados Unidos e a Europa
Ocidental teriam tudo a perder com um bloqueio no Estreito de Hormuz.
Suponhamos que o Irã, num gesto de desespero totalmente suicida (bem ao feitio
do martírio pregado pelo seu líder religioso, o aiatolá Ruhollah Khomeini),
provoque uma batalha de grandes proporções, envolvendo todas as embarcações que
possui, nessa entrada do Golfo. É óbvio que perderá sua incipiente frota.
Mas uma quantidade tão grande de
barcos naufragados pode interromper a passagem (como aconteceu por anos a fio,
por exemplo, no Canal de Suez). Como os países da região farão para escoar, em
curto prazo, seu petróleo? Quanto tempo o Ocidente suportará ficar sem esse
vital produto?
Permitir, portanto, que uma guerra
nessa zona fosse tão longe é o mesmo que ver uma criança brincando com fósforos
nas proximidades de um tanque de gasolina e, ao invés de impedir sua desastrada
brincadeira, se limitar a cruzar os braços e assistir ao resultado disso.
Partir para um confronto na área
pode ser muito mais perigoso, gora, do que não fazer nada. Mas isto também não
é o ideal. O que se tem que fazer é obter uma fórmula diplomática, negociada e
aceitável, que leve Irã e Iraque a se considerarem vencedores do atual
conflito, para contentar o seu orgulho nacional.
Caso contrário...algum dos
meninos pode jogar o fósforo aceso no tanque de gasolina e provocar uma
magnífica explosão, de conseqüências impossíveis até de se imaginar.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 30
de maio de 1987).
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