Fracassada sem perder a
pose
Pedro
J. Bondaczuk
O “pai” do Naturalismo,
Honoré de Balzac, firmou reputação de profundo conhecedor das mulheres (se é
que algum homem de fato as conheça ou minimamente as entenda, o que tenho
fundadas dúvidas), fama que permanece até hoje. Talvez (provavelmente) esse
alegado conhecimento sequer adviesse de experiência pessoal, porém de incomum
poder de observação. Talvez. O fato é que Balzac ficou conhecido (também) por
esse aspecto. Como “bisbilhoteiro” da alma feminina, criou uma legião de
personagens do belo sexo, na coleção de 96 volumes que produziu e que foi
denominada de “A comédia humana”. A lógica diz que em todos, rigorosamente
todos os livros dessa série trouxe à cena mulheres mais ou menos importantes,
conforme o desenvolvimento do enredo. Mas elas não estiveram ausentes em nenhum
dos seus romances, novelas e contos.
Muitos dos seus livros
têm por títulos nomes de mulheres, o que sugere que elas sejam as personagens
centrais das histórias narradas. Cito alguns exemplos, como “Modesta Mignon”,
“Honorina”, “Beatriz”, “Úrsula Mirouét”, “Pierrette”, “Massimila Doni”, “A
prima Bette”, “Eugênia Grandet” e vai por aí afora. Quantas dessas fêmeas
citadas (e não citadas) podem ser
consideradas inesquecíveis? Sem nenhum exagero, eu diria: TODAS. Cada qual,
óbvio, por alguma razão específica. Balzac, se não conhecia a psicologia
feminina tão bem, como se lhe atribui, trouxe-a à baila vezes e vezes sem conta
com uma convicção inabalável que convenceu à maioria de que realmente era
“expert” no assunto..
Pincei, aqui e ali,
algumas citações dele a propósito delas. Como esta: “A mulher é o ser mais
perfeito entre as criaturas: é uma criação transitória entre o homem e o anjo”.
Pelo menos mostrou que as tinha em alta conta. Ou como esta afirmação, diria
que um tanto mais “picante”: “Mesmo à mulher mais faladora, o amor ensina a
calar”. Será? Não ponho minha mão no fogo, embora eu não seja nenhum entendido
na psicologia feminina. Prefiro amá-las, mesmo sem entendê-las. Menciono, por
fim, mais esta citação, embora pudesse mencionar dezenas de outras, frutos de
sua observação: “As mulheres vêem tudo ou não vêem nada, segundo as disposições
da sua alma: a única luz delas é o amor”.
Apontar, pois, uma
única personagem feminina inesquecível na obra de Honoré de Balzac é meio
caminho para ser contestado por milhões. Cada leitor, certamente, tem a sua,
por motivos que só ele pode explicar (ou, provavelmente, nem possa). Pois foi
este o desafio que me fizeram dia desses, me colocando, como se vê, numa
“roubada”. Como não sou homem de ficar em cima do muro, e ciente de que serei
unanimemente contestado, escolhi uma específica, com a ressalva de que também
não me esqueço de dezenas de outras. Não se trata de achar que a escolhida seja
“a única” inesquecível. Por razões que nem sei explicar, optei por aquela que,
para mim, é a “mais inesquecível”. Por que? Talvez por pura intuição ou sei lá
o quê.. Refiro-me a Eugênia Grandet, personagem do romance de mesmo nome, um
dos primeiros que Balzac publicou, um dos que mais vendeu e um dos raros que
escreveu em sua fase de “felicidade”, quando ainda não estava atolado em
dívidas, coisa que o atormentou na maior parte da sua vida.
A esta altura, meus
tantos críticos de ocasião devem estar murmurando, mordazmente, á socapa: “O
que este sujeito viu nessa protagonista tolinha, ingênua e fútil, cobiçada por
todos os rapazes solteiros da cidade não por suas virtudes, mas de olho na
fortuna do papai Grandet, grande unha de fome, protótipo da avareza, que dava a
vida para não ceder um único e reles centavo a quem quer que fosse”? Nem sempre
nos lembramos vida afora de alguém pelo seu lado bom. Ou apenas por ele.
Podemos não esquecer de determinada pessoa (ou, no caso, personagem) por sua
crueldade, ou feiúra, ou hipocrisia, ou burrice ou por tantos e tantos e tantos
defeitos mais. Claro que na maioria das vezes as bondosas, altruístas, belas,
humanas etc.etc.etc. tendem a nos impressionar mais e por isso se tornar
inesquecíveis.
Eugênia Grandet não
ousa rebelar-se contra o tirânico pai (não, pelo menos, ostensivamente), um
ditador de causar inveja a Hitler, Stalin e Pinochet somados. Sua rebelião é
sutil e dissimulada. Todavia, sem se aperceber, apaixona-se por um pilantra de
marca, vagabundo com alergia ao trabalho, desses que esperam que dinheiro caia
do céu sem precisar fazer nada se não colhê-lo, no caso seu primo Carlos, cuja
família tinha ido à bancarrota e que via no casamento com a prima a única forma
de se dar bem na vida. Tratava-se de um sujeitinho raquítico, um tanto
afeminado, irresponsável e mal intencionado, muitíssimo pior do que qualquer de
seus tantos rivais, pretendentes de Eugênia. Mas foi a ele que ela escolheu. E
não relutou, à revelia do Papai Grandet (que percebeu a mil anos-luz de distância
as verdadeiras intenções do pilantra), em lhe dar, até, certa importância em
dinheiro, para que ele viajasse à Índia e com isso reunisse condições, como
alegava, para se casar com ela, regenerando-se, por consequência. O malandro,
claro, não tinha nenhuma intenção de se regenerar e de mudar de vida e deu um
baita bolo na tolinha apaixonada.
Balzac foge do
estereótipo de “final feliz” da maioria dos romances do seu tempo. Sua
protagonista se dá mal e tem, por isso, todos os motivos para se lamentar e
nenhum para celebrar. É enganada pelo “amor de sua vida” e tem que amargar
abandono, solidão e desilusão. Então, por que cargas d’água elegi Eugênia
Grandet como personagem feminina inesquecível na vasta obra de Balzac se ela
era como era?!!! Pelo fato dela não perder a pose perante o mundo e nem se
entregar – pelo menos em público – a estéreis e inúteis lamentações, que só
causariam piedade nos mais sensíveis e alimentariam chacotas e toda espécie de
zombarias na imensa maioria das pessoas. Ao contrário, a despeito de todas as
expectativas negativas, sobretudo dos leitores, a moça desafia o mundo, céus.
terras e potestades e mantém, olimpicamente, a pose de garota rica e elegante,
como se fosse a mais vitoriosa das mulheres. Só mesmo um gênio, como Balzac, para
criar uma personagem assim que, na vida real nem mesmo é tão rara, mas que em
literatura é raríssima.
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