Sob o signo do
pioneirismo
Pedro
J. Bondaczuk
A vida do cantor,
compositor e ator Carlos Gardel é cercada de uma série de curiosidades, algumas
das quais são ignoradas até pelos seus mais fanáticos admiradores e muitos dos
seus biógrafos, além do signo de pioneirismo que a caracterizou. Por exemplo, o
que o leitor diria se eu lhe informasse que seu maior parceiro, autor das
letras dos seus tangos de maior sucesso, foi um brasileiro, mais
especificamente, um paulistano? De duas, uma: ou duvidaria da minha informação,
exigindo mais referências se não provas ou ficaria admirado, como fiquei em
1985, quando descobri esse fato.
Pois é, não estou
inventando nada. O compositor, jornalista, crítico de arte, roteirista de
cinema etc.etc.etc. e amigo íntimo de Gardel – morreu com ele no desastre aéreo
que vitimou o grande ídolo – Alfredo Le Pera, filho de imigrantes italianos,
nasceu em São Paulo, em 4 de junho de 1900. É fato que viveu pouco tempo no
Brasil. Mudou-se, quando tinha somente dois anos, com a família, para
Montevidéu e fixou-se, posteriormente, na Argentina. Era dez anos mais novo do
que “El Zorzal” e teve influência decisiva tanto na carreira, quanto na vida do
“rei do tango”. O curioso (entre tantas curiosidades) é que essa dupla, tão
amada (diria, venerada) pelos argentinos, não nasceu e nem morreu na Argentina.
Carlos Gardel
estabeleceu pelo menos três grandes primazias em sua relativamente curta
carreira (pois morreu aos 45 anos de idade, quando tinha, ainda, muito a
oferecer à arte e à cultura popular). A primeira, foi o fato de ter sido
pioneiro na gravação de discos. E sua discografia ascende a mais de 1.200
composições, eternizadas em cera ou em acetato, entre tangos, fox-trotes,
fados, pasodobles e músicas folclóricas. Foi campeoníssimo na venda de discos,
e não apenas na Argentina, mas em toda a América Latina (e também no Brasil,
claro) e Europa.
Suas canções mais
famosas são: Mi noche triste (1917), Margot (1921), Mano a mano (1927),
Esta noche me emborracho (1928), Chorra (1928), Adiós muchachos
(1928), Seguí mi consejo (1929), Yira…yira (1930), Desdén
(1930), Tomo y obligo (1931), Lejana tierra mía (1932), Silencio
(1932), Amores de estudiante (1933), Golondrina (1933), Melodía
de arrabal (1933), Guitarra guitarra mía (1933), Cuesta abajo
(1934), Mi Buenos Aires querido (1934), Soledad (1934), Volver
(1934), Por una cabeza (1935), Sus ojos se cerraron (1935), Volvió
una noche (1935) e El día que me quieras (1935).
A segunda primazia ele registrou nas telas. Gardel foi o primeiro artista a
cantar em um filme, assim que o cinema deixou de ser mudo e passou a ser
sonorizado. E fez isso não em uma, mas em várias produções cinematográficas em
que atuou como ator. Sua filmografia, a exemplo da discografia, é considerável,
principalmente em se levando em conta a época em que filmou. Seus filmes são os
seguintes: Flor de Durazno (1917) (filme mudo), Encuadre de canciones
(1930) (primeiro filme falado da América do Sul), Luces de Buenos Aires (1931) (filmado em Paris), La casa es seria
(1931), Espérame (1932), Melodía de arrabal (1932), Cuesta
abajo (1934), El tango en Broadway (1934), El día que me
quieras (1935), Tango
Bar (1935) e The Big Broadcast Of (1936).
E, finalmente, para completart seu contorno de mito, constituindo-se em
terceira primazia (esta, logicamente, trágica), o celebrado cantor, compositor
e ator morreu carbonizado num desastre aéreo, distante do seu país de adoção e,
principalmente, em uma época em que viajar de avião era considerado ato de
extrema coragem, que os artistas não ousavam encarar. Por trágico que possa ter
sido (e que de fato foi), para quem sempre viveu cercado por uma aura de
romantismo (boa parte da qual forjada pelos que orientavam sua carreira), não poderia
haver morte mais romântica do que a de Gardel. Além do seu talento, portanto,
esse mito latino-americano tinha o destino dos pioneiros, o que consolidou a
aura de mistério em torno dele. Mas pagou, por isso, preço muito alto, diria
intolerável: tanta ousadia custou-lhe a vida.
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