Monday, May 06, 2013


Insuficiência de vida

Pedro J. Bondaczuk

É muito controversa a questão do pessimismo. Ouço, amiúde, por aí, dizerem que o pessimista sequer existe, que é, tão somente, o “otimista bem-informado”. Discordo, óbvio, dessa tolice. Ele é, isto sim, alguém bastante parcial no julgamento da vida e dos acontecimentos que a cercam. Enxerga apenas um lado da questão, o negativo, sem jamais atentar para o outro, o positivo, existente em muito maior quantidade. Um dos exercícios mais recorrentes de pessimismo explícito quer conheço são as dezenas, centenas, milhares de “profecias” que há por aí, todas elas catastrofistas, todas (sem exceção) prevendo o fim do mundo, e marcando, até mesmo datas para isso acontecer, precedido por pavorosos cataclismos, hediondas hecatombes como nunca antes foram vistos.

Responda-me honestamente, inteligente leitor: você crê que algum homem, exatamente como você, sem tirar e nem pôr, tem o poder (que você não tem) de enxergar o futuro, de ver o que ainda não aconteceu e cujas chances de acontecer são variáveis, provavelmente ínfimas? Que me perdoem os crédulos, mas eu não acredito nisso. Não tem lógica. Contraria as leis da natureza. E já que as pessoas querem “brincar” de profetizar – e duvido que no seu íntimo elas acreditem no que estão profetizando – por que não prever também coisas positivas? Por que não vislumbrar um mundo de paz e harmonia, onde não haja mais sofrimentos, injustiças, egoísmo e maldade?

O que os impede de preconizar um relacionamento racional em que, em vez da brutal e quase nunca honesta competição atual, haja irrestrita cooperação entre pessoas e povos? Afinal, o que chamam de profecia, não passa de mero exercício de adivinhação. É pura e simplesmente especulação, e das mais grosseiras, à qual os ignorantes e fracos de espírito dão irrestrito crédito e transformam até em dogma, sendo capazes de matar por ela. Qual a razão de nenhum desse “profetas” do caos jamais profetizarem um tempo em que o forte ampare o fraco, o sábio oriente o néscio e ninguém, absolutamente ninguém, se veja privado do essencial para uma existência digna e saudável: alimento, teto seguro e salubre, agasalho e, sobretudo, respeito?

A visão desses renitentes pessimistas, parcial e amarga, é influenciada pelos hormônios, em detrimento dos neurônios. O pessimismo, como diz o escritor francês Èmile-Auguste Chartier (que assinava seus textos com o pseudônimo de Alain), é humor. Já o otimismo, no seu entender, é vontade. Concordo. O otimista é como é porque quer ser assim. Deseja que as coisas boas lhe aconteçam e essas, de fato, acabam por ocorrer. Vislumbra os dois lados da vida e dos acontecimentos e opta pelo de maior quantidade, relevando o de menor.

Todavia “age” para que as coisas aconteçam e não se limita, apenas, a querer isso. Ademais, o pessimista é uma espécie de ave de mau-agouro, que envenena a fé, a esperança e a alegria dos que o cercam. Detesto conviver com ele. Suas atitudes negativas fazem-me mal, embora eu o compreenda e me condoa da sua doença do espírito. E o que fazer, então, com ele? Descartar esse indivíduo, como se fosse um robô com defeito? Excluí-lo, liminarmente, da sociedade, não importa por qual meio?

Isso só alimentaria, ainda mais, o pessimismo latente dos que o cercam e produziria novos pessimistas. Devemos, isso sim, tentar convencê-lo, orientá-lo e curá-lo, se for preciso (não raro, os sumamente pessimistas são vítimas de depressão). Há pessoas que temem, obsessivamente, a morte (a rigor, todos a tememos, todavia não ficamos pensando o tempo todo nela), mas não atentam para algo tão terrível (se não pior), que é a “insuficiência de vida”. Vivem de uma forma que é como se já estivessem mortas, embora andem, falem, comam, bebam, durmam etc. Omitem-se do mundo, refugiam-se numa indevassável concha de solidão e temem tudo e todos, sem usufruir, plenamente, dessa maravilhosa aventura que têm o privilégio de encarar por um tempo que sequer desconhecem.

Fogem dos prazeres sadios, como se fossem pecaminosos. Parecem se comprazer no sofrimento, por acharem que devam, com isso, expiar algum pecado original. Abrem mão da alegria, da beleza, das satisfações e dos encantos, aterrorizadas diante do inevitável. Morrem aos poucos, dia a dia, sem que se apercebam. Com isso, jogam suas vidas, que poderiam ser exemplares, no lixo, como algo inútil. Bertholt Brecht recomenda, em um de seus poemas: “Temam menos a morte e mais a vida insuficiente”.

O que fazer com essas pessoas? Deixar que continuem no seu inferno particular e que morram à míngua? Claro que não! Agir assim significaria cometer o imperdoável pecado da omissão. Ademais, todo ser humano, por mais inútil que pareça, é importante. Existem pessoas menos valiosas do que outras, cuja morte não nos faria falta? É lícito tomarmos em nossas mãos o terrível poder de decidir quem deve viver, quem não?

Há situações extremas em que alguns têm que tomar essa monstruosa decisão. Por exemplo, em hospitais superlotados, médicos têm que decidir quem vão tratar e salvar suas vidas e quem deixarão morrer, por completa falta de recursos para atender a todos. Nos campos de batalha isso ainda é mais comum. Da minha parte, confesso, jamais tomaria essa terrível decisão. É contrário à minha natureza e viola tudo o que acredito.

Amiúde, protestamos, até sob risco de prisão e de outros tipos de repressão, em favor da preservação de algumas espécies, seriamente ameaçadas de desaparecer da face da Terra. Estão, neste caso, várias famílias de baleias, o tigre asiático, o elefante africano e muitos e muitos outros seres vivos, em virtude da ação predatória do homem. É errada essa atitude? Claro que não! Quem age assim defende, sobretudo, a vida.

Mas das várias espécies ameaçadas, nenhuma corre maior risco de extinção do que a humana. Mas não em virtude de cataclismos cósmicos (que podem, de fato, acontecer, como podem, também, jamais ocorrer por serem fatores casuais, absolutamente imprevisíveis e aleatórios), “profetizados” por indivíduos enlouquecidos que vêem o mal em tudo o que olham, quando este está apenas em um lugar: no recôndito de suas mentes. O pessimismo é contagioso e de tanto se esperar o pior, este acabará por ocorrer algum dia, dada a predisposição negativa que favorece sua ocorrência e cria, ela sim, condições propícias até para a extinção da espécie.

Pensem nisso e encarem a vida com maior leveza e alegria, aproveitando tudo o que de bom ela tem a oferecer. Porquanto, trata-se de experiência única, que não comporta reprises, a despeito de milhões, mundo afora, acreditarem em improvável nova chance. Por que, todavia, os pessimistas desejariam nova oportunidade, em alguma outra dimensão, como muitos crêem que deva ocorrer, se não sabem o que fazer com a que têm agora, se não aprenderam a viver, se padecem desse mal que Brecht denominou, com tamanha oportunidade, de “insuficiência de vida”? Sim, por que? Pensem nisso.

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