Wednesday, May 29, 2013

Plágio e citação

Pedro J. Bondaczuk

Os direitos autorais deveriam ser sagrados para todo o mundo e, por isso, respeitados sempre. Nem sempre o são. Eles valem não apenas para as artes, mas para todos os tipos de criação intelectual. Contudo, a pirataria come solta por aí, apesar do empenho das autoridades policiais para coibi-la. Esse ato de apropriação ilícita e, portanto, indébita, de softwares, de gravações (CDs, DVDs etc.) e de tantos e tantos produtos patenteados, traz graves prejuízos não apenas para seus legítimos donos, mas para a economia, as artes e a cultura entre outras atividades. Um desses danos é o de desestimular as pessoas criativas a empenharem-se para produzir idéias e desenvolverem-nas, beneficiando milhões e milhões de consumidores.

Em Literatura, essa apropriação indébita recebe o nome particular de plágio. Muita gente, porém, confunde esse crime, condenável sempre e em qualquer circunstância, com citação. Quando cito algum escritor, não estou, em absoluto, plagiando-o e nem me apropriando de suas idéias. Pelo contrário, estou manifestando meu respeito por sua inteligência e criatividade e contribuindo para a divulgação do que escreveu. Para que esse procedimento não se configure em plágio, no entanto, tenho que dar, “sempre”, o devido crédito ao verdadeiro autor, citá-lo no contexto em que ele escreveu e, para tornar mais clara ainda a autoria, grafar o texto citado entre aspas, ou em negrito, ou ambos.

Já o plágio é a apropriação (indébita, claro, reitero) de algum texto alheio (não importa se na íntegra ou se apenas algum trecho do mesmo), e isso no caso da Literatura, que é do que estou tratando. O plagiador age como se aquilo fosse escrito por ele. Não raro não se dá, nem mesmo, o trabalho de alterar uma única vírgula. Busca tirar vantagem (e não importa se material ou se apenas intelectual) do que não fez, do que não despendeu o mínimo esforço para produzir. Esse ato equivale a furtar algum bem tangível da vítima: sua carteira, seu cartão de crédito, seu carro etc.

Ao contrário da citação, em que se valoriza quem escreveu; em que se manifesta respeito, admiração e até reverência ao seu talento; em que se o divulga e não raro, até, o resgata do esquecimento e do ostracismo, quem plagia está “roubando” o que o verdadeiro e legítimo autor tem de mais caro: sua memória, sua experiência de vida, seus sonhos, seu talento e suas esperanças. Todo bom escritor, em algum momento da carreira, cita outro, a quem admire, e em determinado contexto em que a citação seja pertinente. Fá-lo, porém, não apenas lhe dando o devido crédito, como, não raro, exaltando-o e reverenciando-o. Mas jamais comete plágio, sequer por descuido. Não precisa disso. É criativo o suficiente para merecer a designação, para mim nobilíssima, de escritor.   

É certo que determinados temas são, virtualmente, inesgotáveis e, por mais que sejam abordados, e por mais criativos que nos achemos, salvo raríssimas exceções (se é que elas existam), nossas idéias a propósito podem coincidir com as expressadas por outros, não importa de onde ou de quando. Mas dada a personalidade de cada um e as variadas circunstâncias, as semelhanças de abordagem jamais se configurarão em igualdade. E isso não é plágio. Não se trata de copiar o que alguém escreveu e dar a entender ou afirmar que fomos nós que o fizemos. Isso, sim, é crime. Reitero, equivale a qualquer outro tipo de furto. Trata-se de abordar um tema comum, mas sob nossa ótica estritamente pessoal.

Afirmar que determinada idéia foi criada por nós, que ninguém, em tempo algum, pensou nela, é, no entender do escritor alemão Johann Wolfgang Göethe (e no meu, evidentemente) arrogância. E mais: é inconsciência. Claro que sou tentado a achar que estas minhas reflexões estão revestidas, se não por completo, pelo menos parcialmente, de absoluta originalidade. Mas estariam? Como posso saber?

O que conheço de literatura universal? Qual o escritor uzbeque que já li? Ou bengali? Ou paquistanês? Ou hutu? Ou dos milhares de povos que há, espalhados mundo afora? Todos eles têm Literatura. Todos têm lá seus escritores. Como me achar original e inventivo depois de 13 milênios de civilização, com um número incontável de pessoas que já passaram pelo Planeta, que refletiram, estudaram e escreveram páginas e mais páginas que nunca chegaram e nem chegarão ao meu conhecimento?!

Mas essa impossibilidade de ser original não me libera, e nem a ninguém, de me apropriar de produções alheias. De tornar-me ladrão de textos, procurando ostentar perante a sociedade um talento que não tenho e nem nunca tive. E, não raro, o plagiador age dessa forma vil sequer para auferir vantagens econômicas. Faz o que faz por pura e exacerbada vaidade. E esta, quando incontrolável, cega as pessoas.

O escritor Matias Aires, nascido em São Paulo no século XVIII, escreveu a propósito, no livro “Reflexões sobre a vaidade”: “Dura mais (a nossa vaidade) do que nós mesmos, e se introduz nos aparatos últimos da morte. Que maior prova do que a fábrica de um elevado mausoléu? No silêncio de uma urna depositam os homens as suas memórias, para com a fé dos mármores fazerem seus nomes imortais: querem que a suntuosidade do túmulo sirva de inspirar veneração, como se fossem relíquias as suas cinzas”. E antes que algum desavisado, que confunde as coisas por ignorância ou por má fé, fique tentado a me questionar, aviso que isto acima é citação e não plágio. Estas reflexões sobre a vaidade são de Matias Aires e não minhas.


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