Ação sem eficácia
Pedro J. Bondaczuk
O
bombardeio efetuado anteontem por seis Phantoms israelenses ao QG da
Organização para a Libertação da Palestina, num subúrbio de Tunis, foi um fato
revestido de muita gravidade. Não apenas pelas vidas perdidas (que não foram
poucas, mas por abrir um precedente de desrespeito às fronteiras de um país com
o qual o Estado judeu não possui qualquer pendência. E mesmo que as possuísse,
é bom ressaltar que existem fóruns apropriados para que elas fossem debatidas.
Se a moda pegar, amanhã ou depois teremos jatos israelenses bombardeando
Brasília, num ataque em represália a eventual atentado terrorista cometido por
algum palestino em qualquer recanto do Planeta. E aí, como vai ficar a
situação?
Até
aqui, Israel revidava a essas agressões, como a ocorrida na quarta-feira
passada, em Lanarca, na dividida ilha de Chipre, a um iate israelense onde três
pessoas foram mortas, apenas no sofrido e vilipendiado Líbano. Isto é, nas
cercanias da sua própria fronteira. Mas no presente caso, a ousadia (ou seria
insensatez?) foi longe demais. E isso até mesmo em sentido literal. Seus aviões
atravessaram uma distância duas vezes superior, por exemplo, ao trajeto da
Rodovia Belém-Brasília, uma das mais extensas do Brasil, voaram quase 2.500
quilômetros, para desovar suas bombas. Para os atacantes, todos os que estavam
nos escritórios palestinos atacados eram eméritos terroristas. Não importa se
suas armas fossem "perigosas" canetas ou "mortais" máquinas
de escrever, que disparam cem letras por minuto. Secretárias, porteiros,
contínuos, faxineiros e outros funcionários mais, que ganham o seu sustento em
funções humildes (mas sumamente importantes), nos prédios destruídos, mesmo que
tunisinos, foram classificados como "farinhas do mesmo saco" pelas
bombas, que atingiram, "democraticamente", chefes e chefiados,
líderes e liderados.
O
leitor sabe muito bem a posição que vimos defendendo em relação ao terrorismo,
neste mesmo espaço, é testemunha da repulsa que manifestamos a essa praga tão
antiga quanto o exercício político, mas que de uns tempos a essa parte vem
assumindo proporções que justificam plenamente o termo com que o ato é
designado. Os ataques dos extremistas dos mais diversos matizes e tendências,
são tão covardes e indiscriminados, que só em pensar na sua ocorrência o
cidadão comum já se sente aterrorizado. Mas essa prática daninha e criminosa,
ditada por mentes doentias, intoxicadas de fanatismo religioso ou de
ideologismos calhordas, não deve nunca ser imitada por gente séria, em cujas
mãos repousa a responsabilidade da condução do destino de povos. Ao responderem
ao crime com outro crime, os Estados que assim agem acabam por
"legalizar" essa prática de forma consuetudinária, ou seja, através
do costume.
Aliás,
respostas como esta, de anteontem, dada pelo governo de Israel aos palestinos,
certamente não irão desestimular os bárbaros atos de vandalismo que se tornam
cada vez mais comuns em nosso tempo. O que esses grupos de fanáticos buscam ao
trucidar pessoas inocentes que nem ao menos conhecem? Punir governos? Se assim
fosse, atacariam instalações mais vitais ao funcionamento do Estado ou, quiçá,
a própria sede governamental. Eles buscam atrair as atenções mundiais sobre si
e sobre as causas que defendem e que acreditam justas. Aquilo que mais
benefícios lhes traz, por conseqüência, é exatamente a produção de mártires. E
quanto mais, melhor. Posando como vítimas perante a opinião pública mundial,
conquistam simpatias de pessoas mal informadas. Portanto, as represálias acabam
sendo verdadeiros tiros disparados pela culatra. Não é o caso, evidentemente,
da OLP, entidade reconhecida por inúmeros governos (inclusive pelo brasileiro)
como a legitima representante do povo palestino. Mas de outros grupos mais
radicais desse povo.
Tão
lamentável, entretanto, quanto o ataque de Tunis, foi a falta de uma posição
clara a seu respeito por parte do governo norte-americano. Sentiu-se uma
dissintonia contundente entre a Casa Branca e o Departamento de Estado. Entre a
condenação ao ato, feita por George Shultz, e a justificação dele, através do
presidente Ronald Reagan. Fica ao observador a impressão de que há muito tempo
ambos não se sentam em volta de uma mesa para conversar. Que não são,
respectivamente, subordinado e chefe de um mesmo governo. E uma brecha desse
tipo é um prato repleto para os russos explorarem, principalmente às vésperas
de uma fundamental reunião de cúpula entre os líderes das superpotências.
(Artigo publicado na página 11,
Internacional, do Correio Popular, em 3 de outubro de 1985)
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