Sensação de sentir-se
enganado
Pedro J. Bondaczuk
O
povo paraguaio, cuja maioria da atual geração nasceu e sempre viveu no regime
de hoje (que já tem 32 anos de duração) anda desconfiado, de uns tempos a esta
parte, que o presidente vitalício do país (embora não ostente oficialmente este
título), general Alfredo Stroessner, não vem lhe dizendo toda a verdade.
Freqüentemente, este militar, de ascendência germânica, formado pela Escola das
Américas do Panamá, vem a público falar do perigo comunista que estaria
rondando "maliciosamente" o Paraguai.
Qualquer
ato de oposição ao governo, que não venha daqueles grupos aos quais o próprio
palácio presidencial atribui esse papel, é pintado com cores sombrias para a
população. E o desditoso cidadão que ousa praticar essa "heresia" de
protestar contra a falta de liberdade termina onde quase o escritor Roa Bastos
terminou, se não deixasse o país: nas masmorras.
Só
que o povo, embora possa ser tapeado por alguém bem falante e que de quebra
tenha atrás de si grupos armados (leais às últimas conseqüências), não é bobo.
Sabe juntar indícios, aqui e ali, e tirar suas próprias conclusões, sem
necessidade que nenhum doutrinador lhe ensine como deve pensar. E está chegando
à dolorosa conclusão de que foi enganado por mais de três décadas, nas quais
ficou privado de exercer plenamente a sua soberania.
Disseram-lhe
que os países que possuem oposição política livre, imprensa sem nenhuma mordaça
e onde ninguém vai para a prisão sem que seja antes condenado pelo delito de
que é acusado (com amplas possibilidades de defesa) é presa fácil do
marxismo-leninismo internacional. Só que na Argentina, por exemplo, tais
"heresias" são cometidas rotineiramente e esse país sequer toma
conhecimento da existência do Partido Comunista argentino, tão inexpressiva é
essa agremiação.
O
Uruguai age da mesma forma e nunca mais se ouviu falar de que os tupamaros
estivessem ameaçando bens, políticos, seqüestrando cidadãos ou pondo em xeque o
governo do colorado Júlio Maria Sanguinetti. Ao contrário, essa antiga facção
terrorista até pensa em constituir-se como partido.
Ao
saber dessas coisas, o paraguaio vacila em suas convicções e começa a
desconfiar ainda mais que não lhe falaram a verdade. Ou pelo menos não na sua
totalidade. Mas o que acaba por lhe dar certeza e o leva à indignação é o caso
do Brasil. Pois não é nesse seu poderoso vizinho que se chegou "ao
cúmulo" de permitir a legalização do PC, deixando que o partido (ou
partidos, pois são dois) dispute as eleições para a escolha dos
constituintes?!!
E
no correr de todo um ano em que isso se tornou possível, não se ouviu falar de
qualquer movimento de massas que buscasse empolgar o poder para colocar os
brasileiros na órbita de Moscou. Ao contrário, o único grande movimento popular
que se verificou foi o dos "fiscais do Sarney", colaborando com o seu
presidente, um centrista, para que o seu mais ousado plano econômico desse
certo.
Depois
de saber tudo isso, o cidadão paraguaio não consegue se conformar com o modo
como viveu até aqui: tutelado, vigiado, dirigido, sem que pudesse decidir nada
acerca do seu destino. Mas o pior de tudo é que a situação tende a se
perpetuar.
Os
filipinos já se livraram da sua ditadura de 22 anos e o ex-todo-poderoso
Ferdinand Marcos só consegue mesmo fazer, à distância, estéreis e patéticas
ameaças no seu inglório exílio em Honolulu. Os Duvalliers são lembranças do
passado para os haitianos e até hoje, passados quatro meses da queda de
Jean-Claude, o "Baby Doc", nenhum dos 169 países da comunidade internacional
manifestou qualquer disposição de receber esse verdugo do seu povo.
Com
tudo isso acontecendo, o generalíssimo Alfredo Stroessner ameaça disputar um
oitavo mandato de cinco anos no Paraguai, num arremedo de eleições que pretende
montar em 1988, como tantas encenações semelhantes feitas desde 4 de maio de
1954. Esse é o motivo da paciência do paraguaio, digna de Jó (aquele personagem
bíblico caracterizado por essa virtude) estar prestes a se esgotar. Também, não
é para menos! Não se tapeia impunemente para sempre todo um povo.
(Artigo publicado na página 10,
Internacional, do Correio Popular, em 14 de maio de 1986)
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