Saturday, May 25, 2013

Sensação de sentir-se enganado

Pedro J. Bondaczuk


O povo paraguaio, cuja maioria da atual geração nasceu e sempre viveu no regime de hoje (que já tem 32 anos de duração) anda desconfiado, de uns tempos a esta parte, que o presidente vitalício do país (embora não ostente oficialmente este título), general Alfredo Stroessner, não vem lhe dizendo toda a verdade. Freqüentemente, este militar, de ascendência germânica, formado pela Escola das Américas do Panamá, vem a público falar do perigo comunista que estaria rondando "maliciosamente" o Paraguai.

Qualquer ato de oposição ao governo, que não venha daqueles grupos aos quais o próprio palácio presidencial atribui esse papel, é pintado com cores sombrias para a população. E o desditoso cidadão que ousa praticar essa "heresia" de protestar contra a falta de liberdade termina onde quase o escritor Roa Bastos terminou, se não deixasse o país: nas masmorras.

Só que o povo, embora possa ser tapeado por alguém bem falante e que de quebra tenha atrás de si grupos armados (leais às últimas conseqüências), não é bobo. Sabe juntar indícios, aqui e ali, e tirar suas próprias conclusões, sem necessidade que nenhum doutrinador lhe ensine como deve pensar. E está chegando à dolorosa conclusão de que foi enganado por mais de três décadas, nas quais ficou privado de exercer plenamente a sua soberania.

Disseram-lhe que os países que possuem oposição política livre, imprensa sem nenhuma mordaça e onde ninguém vai para a prisão sem que seja antes condenado pelo delito de que é acusado (com amplas possibilidades de defesa) é presa fácil do marxismo-leninismo internacional. Só que na Argentina, por exemplo, tais "heresias" são cometidas rotineiramente e esse país sequer toma conhecimento da existência do Partido Comunista argentino, tão inexpressiva é essa agremiação.

O Uruguai age da mesma forma e nunca mais se ouviu falar de que os tupamaros estivessem ameaçando bens, políticos, seqüestrando cidadãos ou pondo em xeque o governo do colorado Júlio Maria Sanguinetti. Ao contrário, essa antiga facção terrorista até pensa em constituir-se como partido.

Ao saber dessas coisas, o paraguaio vacila em suas convicções e começa a desconfiar ainda mais que não lhe falaram a verdade. Ou pelo menos não na sua totalidade. Mas o que acaba por lhe dar certeza e o leva à indignação é o caso do Brasil. Pois não é nesse seu poderoso vizinho que se chegou "ao cúmulo" de permitir a legalização do PC, deixando que o partido (ou partidos, pois são dois) dispute as eleições para a escolha dos constituintes?!!

E no correr de todo um ano em que isso se tornou possível, não se ouviu falar de qualquer movimento de massas que buscasse empolgar o poder para colocar os brasileiros na órbita de Moscou. Ao contrário, o único grande movimento popular que se verificou foi o dos "fiscais do Sarney", colaborando com o seu presidente, um centrista, para que o seu mais ousado plano econômico desse certo.

Depois de saber tudo isso, o cidadão paraguaio não consegue se conformar com o modo como viveu até aqui: tutelado, vigiado, dirigido, sem que pudesse decidir nada acerca do seu destino. Mas o pior de tudo é que a situação tende a se perpetuar.

Os filipinos já se livraram da sua ditadura de 22 anos e o ex-todo-poderoso Ferdinand Marcos só consegue mesmo fazer, à distância, estéreis e patéticas ameaças no seu inglório exílio em Honolulu. Os Duvalliers são lembranças do passado para os haitianos e até hoje, passados quatro meses da queda de Jean-Claude, o "Baby Doc", nenhum dos 169 países da comunidade internacional manifestou qualquer disposição de receber esse verdugo do seu povo.

Com tudo isso acontecendo, o generalíssimo Alfredo Stroessner ameaça disputar um oitavo mandato de cinco anos no Paraguai, num arremedo de eleições que pretende montar em 1988, como tantas encenações semelhantes feitas desde 4 de maio de 1954. Esse é o motivo da paciência do paraguaio, digna de Jó (aquele personagem bíblico caracterizado por essa virtude) estar prestes a se esgotar. Também, não é para menos! Não se tapeia impunemente para sempre todo um povo.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 14 de maio de 1986)


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