A experiência de ser vidraça
Pedro J. Bondaczuk
A “Alianza Popular Revolucionária Americana”, conhecida
pela sigla APRA, uma das organizações políticas melhor organizadas e mais
antigas do Peru e de toda a América Latina, dentro de apenas 16 dias, deixará
de ser pedra, para tornar-se vidraça.
Pela primeira vez na história do
partido, iniciada em 1929 com o falecido Victor Haya de la Torre (e com um
programa inicialmente antiimperaliasta e de nítido conteúdo esquerdista)
assumirá o poder, num momento extremamente dramático para os peruanos.
Desde anteontem, o líder aprista,
Alan Garcia Perez, eleito em abril passado, embora sem obter a maioria exigida
pela Constituição, é o virtual presidente do Peru, faltando apenas a cerimônia
de transmissão do cargo, que vai ocorrer no dia 28 próximo.
É que o jovem político
latino-americano, com seus verdes 36 anos de idade, foi, oficialmente,
credenciado pela Justiça Eleitoral como o vencedor das eleições. Num discurso
de improviso, revivendo os velhos tempos revolucionários da PARA, propôs uma
confederação continental de defesa dos pobres, que é o que não falta nesta
atormentada América Latina.
Resta saber como Alan Garcia fará
para passar do discurso à prática, da retórica às ações efetivas, da exposição
de intenções à sua concretização. O país que o jovem presidente vai receber de
Fernando Belaunde Terry não é, nem de longe, a sociedade ideal com que ele
sonha.
Estrangulado por uma dívida
externa, hoje avaliada em torno de US$ 13 bilhões, o Peru conta, ainda, com uma
inflação acumulada anual em torno de 120%, com altíssimas taxas de desemprego e
subemprego e com uma insatisfação generalizada, que varre a República de alto a
baixo. É uma sociedade muito difícil de governar e de vida muito violenta no
âmbito continental.
Não apenas a violência
representada pela ação de dois grupos guerrilheiros, de filosofias diferentes e
objetivos idênticos, o “Sendero Luminoso” e o Tupac Amaru. Mas, principalmente,
uma outra, mais constante, até mais sutil, consubstanciada nas relações patrão-escravo,
em que ambos buscam se agredir mortalmente, embora um não podendo prescindir do
outro.
Ou uma terceira forma de
violência, esta mais injustificada ainda para um país que deseja se transformar
numa sociedade moderna e democrática. Ou seja, a exclusão de 50% da população
peruana da participação na vida política. E esse processo excludente,
reconheça-se, não vem de hoje. Não se prende aos vários regimes militares que
governaram o Peru e muito menos à gestão atual de Belaunde Terry.
A rigor, os peruanos nunca
tiveram uma efetiva participação nas mais importantes decisões nacionais, antes
mesmo que o seu território fosse conquistado pelos espanhóis. Desde o último
século do Império Inca, que, talvez por essa razão, tenha ruído fragorosamente,
diante de meros caçadores de fortuna, como o foram Pizarro e Almagro, sua
população vinha sendo marginalizada.
Quando colônia da Espanha, o Peru
permaneceu totalmente à margem da escolha do seu próprio caminho. A
independência política, em 1821, não veio acompanhada de um arejamento da
mentalidade. E o país ficou entregue a algumas oligarquias. E estas resistem,
ainda hoje, ao tempo e às transformações deste século.
O escritor peruano, Manuel
Scorza, em seu livro “Garambombo, o Invisível”, criou um personagem que exprime
com exatidão como é o pobre peruano. E não somente do Peru, diga-se de
passagem, mas também do Brasil, do Uruguai, da Argentina, do Chile e dos demais
integrantes desta sofrida América Latina.
Segundo a visão exímia do arguto
romancista, os deserdados e desvalidos latino-americanos tiveram a sua
importância reduzida a tal ponto, chegaram a um grau de miséria tão agudo, que
até seu líder (involuntário, por sinal) pensa que é invisível, tantas vezes os
poderosos topam com suas angústias e frustrações e nada fazem para minorar seus
sofrimentos.
Livrar o Peru dos “Garambombos”
deverá ser o principal empenho do seu novo presidente. E nessa tarefa, cheia de
obstáculos imensos até para políticos mais vividos e experientes, Alan Garcia
Perez, e por extensão a PARA, sentirão, pela primeira vez, o dissabor de serem
vastas e brilhantes vidraças, vulneráveis a pedras de todos os tamanhos e
vindas de todas as direções.
(Artigo publicado na
página 9, Internacional, do Correio Popular, em 12 de julho de 1985).
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