Cantor com samba no
sangue
Pedro
J. Bondaczuk
A composição “Se acaso
você chegasse”, que consagrou de vez o compositor gaúcho Lupiscínio Rodrigues
(hoje mais conhecido Brasil afora como o autor do hino do Grêmio de Porto
Alegre), música que compôs em parceria com Felisberto Martins, se tornou “hit”
da MPB na voz rouca e sensual de Elza Soares. Antes, porém, da excelente
sambista havê-la gravado, muito antes por sinal, essa criação musical já havia
sido estrondoso sucesso, na época de ouro do rádio no Brasil. E quem a gravou
pela primeira vez, e lançou para a fama seus autores e a si próprio, completa
centenário de nascimento no próximo dia 28 – escrevo estas reflexões em 25 de
maio de 2013, três dias antes desse evento – foi um cantor que fez enorme
sucesso na primeira metade do século XX e que hoje (infelizmente) anda um tanto
esquecido. Refiro-me a Cyro Monteiro.
Embora se trate de um
dos meus intérpretes preferidos, entre os integrantes da chamada “Velha
Guarda”, eu dispunha de escassas referências sobre ele, insuficientes para
redigir mero parágrafo, quanto mais um texto um pouco mais extenso. Por isso,
para escrever esta modesta homenagem, recorri aos préstimos de Mário Leônidas
Casanova. É questão de justiça mencionar a fonte onde colhi preciosas
referências – de algumas, eu tinha vagas noções, mas não tinha certeza – com a
dupla função de me esclarecer e de partilhar meus esclarecimentos com os que me
honram com a leitura.
Uma das características
de Cyro Monteiro que mais chamavam a atenção dos que escreviam a seu respeito
era o fato dele fazer de uma reles caixa de fósforos instrumento de
acompanhamento para seus sambas. Muito tempo depois, o sambista paulista (se
não me falha a memória, paulistano) Germano Mathias, também se utilizou desse
expediente, com idêntico êxito. Cyro, porém, fazia misérias com esse objeto que
nada tem a ver, evidentemente, com música.
Outro aspecto que chama
a atenção na biografia desse cantor é a quantidade de artistas em sua família.
Um deles, seu irmão Careno, com quem fez dupla por muitos anos, antes de se
lançar para o estrelato, hoje completamente esquecido, merece pelo menos
menção, pela importância que teve no início da sua carreira. Poucos sequer
lembram que ele ao menos “existiu”. Aliás, por falar em irmãos, Cyro teve nove
(ele era o quarto dos filhos), todos com nomes começados pela letra “C”, alguns
dos quais bastante exóticos.
Outro artista famoso
(pelo menos no seu tempo) da sua família foi seu tio Nonô (Romualdo Peixoto),
grande pianista de samba e compositor dos mais inspirados. Tem mais. Cyro
Monteiro foi tio de um dos mitos da MPB (felizmente ainda vivo) que no auge da
carreira, chegou a ser mais famoso até do que é hoje o “rei” Roberto Carlos.
Refiro-me a Cauby Peixoto, a respeito do qual escrevi, tempos atrás, longo
texto, que partilhei com vocês neste espaço. Como se vê, não lhe faltavam
“modelos”, exemplos, inspirações em seu círculo familiar. Ainda assim... sua
carreira começou praticamente por acaso. Não tinha intenção alguma de seguir
vida artística.
É verdade que Cyro
gostava de cantar (e cantava bem), sempre fazendo dueto com o irmão. Mas
cantava, apenas, como “hobby”, em festinhas íntimas e em restritos círculos de
amigos. Todavia, em certa ocasião, o consagrado Sílvio Caldas (o inesquecível
“Caboclinho Querido”) ouviu os irmãos cantarem e se encantou com o duo. Não vou
reproduzir os passos que levaram o par das apresentações esparsas e sem
compromisso ao rádio. Inicialmente, eles cantavam sempre em dueto. Cyro seguiu
carreira e tornou-se cantor consagrado. Já Careno... não viu futuro na atividade e buscou outro
caminho.
O leitor certamente já
notou que estou redigindo esta caótica resenha de forma nada convencional, ou
seja, do fim para o começo. Vamos, portanto, à informação que deveria ser a
inicial. Cyro Monteiro nasceu em 28 de maio de 1913, na Estação do Rocha, no
Rio de Janeiro. Sua primeira
apresentação pública ocorreu em 1933, na
Rádio Educadora da ex-capital do País, substituindo, a pedido de Sílvio
Caldas, a Luiz Barbosa. Não assinou, porém, nenhum contrato com a emissora nas
época. Este só viria a ser assinado em
1934, mas com a Mayrink Veiga, integrando elenco de astros e estrelas poucas
vezes igualado, que tinha, entre outros, Carmem Miranda, Francisco Alves, Mário
Reis, Custódio Mesquita, Noel Rosa, Gastão Formenti e vai por aí afora. Um
timaço de cobras, não é mesmo?!!!
O primeiro disco que
Cyro gravou, e que “encalhou” nas lojas, foi um samba para o Carnaval de 1936,
“Vê se desguia e perdoa”. Na sequência, porém, viria a gravar dezenas de outros
discos, dos quais, sem nenhum exagero, pelo menos vinte se tornaram campeões de
vendas e líderes das várias paradas de sucesso. Entre estes, cito, um tanto a
esmo, “Sereia de Copacabana” (1948), “Rugas” (1946), “Falsa baiana” (1944),
“Boogie-woogie na favela” (1945) e, claro, “Se acaso você chegasse” (1938, pela
gravadora Odeon).
Cyro Monteiro teve uma
bem sucedida experiência como ator, a que não deu sequência, em 1956, na peça
“Orfeu da Conceição”, de Vinícius de Moraes. Com o advento da televisão,
participou de programas famosos, nos anos de 50 e 60, como o “Bossaudade” e “O
fino da bossa”. Morreu jovem, levando em conta os padrões atuais de
longevidade, aos 60 anos de idade, em 13 de julho de 1973. Só espero que os
produtores de rádio não deixem passar em branco o centenário de nascimento
desse ícone da MPB, desse cantor (foi, também, compositor) que entre tantas
peculiaridades e características, tinha o samba no sangue. Cyro Monteiro não
merece ser esquecido.
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