Astros e estrelas de
outro firmamento
Pedro
J. Bondaczuk
Os atores e atrizes (de
teatro, cinema e televisão), são, no meu entendimento, via de regra, excelentes
leitores. Têm que ser. Para poderem emprestar vida aos personagens que
representam, precisam conhecer o máximo possível deles e até “adivinhar” a
intenção do autor que os criou. Com isso, “treinam” o cérebro a perceber
nuances que o leitor comum raramente percebe. Faz parte da sua profissão. Como
para alguém ser bom escritor deve, antes de tudo (salvo raras exceções) ser bom
leitor, os atores e atrizes que se aventuram no mundo das letras tendem a se
dar bem. Ou seja, têm potencial de se tornar, também, astros e estrelas de um
outro firmamento: o literário.
“Por que, então,
seguindo seu raciocínio, poucos profissionais do ramo, sucessos dos palcos e
das telas, se arriscam a escrever livros?”, perguntou-me, ainda hoje, um amigo,
a quem liguei pela manhã para comentar sobre esse potencial para as letras
dessas pessoas. Sei lá!! Talvez por falta de tempo (o que é provável). Ou por
acharem o mundo editorial mais competitivo até do que o cinema, o teatro e a
televisão, onde a competição é ferrenha. Ou por não gostarem de escrever. Ou
por tantas e tantas outras razões, que não me vêm à cabeça, mas que devem
existir.
Todavia, pensando
melhor, nem são tão poucos os atores e atrizes que já escreveram livros,
gostaram da experiência e que dividem (ou dividiram) sua atividade dos palcos e
das telas com a Literatura. Assim, de memória, lembro-me de um número razoável
de casos. Posso citar, por exemplo, a atriz Mayana Neiva (a Desiré da novela
“Ti-ti-ti”, que também foi Miss Paraíba), autora do livro “Sofia”. Querem
outra? Cito Denise Stocklos, autora de diversos livros, entre os quais conheço
quatro, de gêneros diferentes: “Teatro essencial”, “Tipos” (poesia), “500 anos
– um fax para Colombo” (peça teatral) e “Amanhã será tarde demais e depois de
amanhã nem existe” (romance).
E o que dizer da atriz
e escritora Bruna Lombardi? Nada, nada, ela já publicou oito livros, o que a
credencia como “veterana” em Literatura. Os de poesia que lançou, “O perigo do
dragão”, “Gaia” e no “Ritmo dessa festa”, arrancaram entusiásticos e rasgados
elogios de um dos principais poetas brasileiros de todos os tempos, Mário
Quintana, que confessou, de público, ser seu admirador incondicional, não
somente como atriz, mas como excelente escritora.
Entre os atores (e que
ator!) destaco o saudoso Chico Anysio, a quem dediquei, há uns quatro ou cinco
anos, toda uma crônica e que publicou dezoito livros, sumamente bem escritos,
desses que a gente quer ler de um só “sopro”, que não consegue largar enquanto
não chegar à última linha. Poderia citar outros tantos astros e estrelas dos
palcos e das telas, que se aventuraram no mundo das letras e se deram bem, mas
não o farei.
Minto. Mencionarei um
outro caso, por se tratar de lançamento recente – se não me falha a memória, de
dezembro do ano passado – que é a excelente obra literária “Crônicas nuas”
(Editora Giosti) de Kátia Saules. A autora é uma jovem atriz (33 anos) que
esbanja talento literário, como se fosse veterana no ramo, embora este seja seu
primeiro livro. Espero que primeiro de muitos. Ela optou por um gênero que
parece fácil, mas que derruba muita gente que não tem talento para as letras,
mas que acha que tem: a crônica. E saiu-se muito bem, mostrando que sabe
escrever, é observadora, tem sensibilidade e pode ir muito longe, caso persista
e imprima a seus futuros livros a mesma qualidade deste.
Para refrescar a
memória dos “esquecidos”, lembro que Kátia participou de novelas e de
minisséries de grande sucesso na Rede Globo, como “Ti-ti-ti”, “Malhação”,
“Belíssima”, “Pé na jaca”, “A casa das sete mulheres”, “América” e “Senhora do
destino”. Fez aparições, também, em “A grande família”, “Linha direta”, “A
diarista” e “A turma do Didi”. Lembraram agora? Pois é ela mesma! Além da
Globo, ela atuou em produções da Record, como “Bela, a feia”, “Chamas da vida”,
“Floribella” e “Luz do sol”.
Apesar de tão jovem,
Kátia já tem um currículo dramático invejável em seus quinze anos de brilhante
carreira, e não apenas na telinha da TV, mas também nos palcos e na telona. No
cinema atuou, por exemplo, nos premiados curtas-metragens “Burguesia” (de
Rodrigo Parra) e “Efusão” (de Sandra Pereira) e no longa-metragem “Efeito
sanfona” (de André de Lucca). É pouco? Claro que não! Ademais, a atriz está em
plena atividade e certamente colecionará muitos e muitos êxitos mais na sua
atividade dramatúrgica.
O mérito literário
maior de Kátia é escrever sobre o que conhece, e com talento e verdade. Suas
crônicas (o livro contém cinqüenta delas) tratam de assuntos cotidianos,
daquelas coisas simples e aparentemente triviais que preenchem a vida de todos
nós, às quais, raramente, damos alguma atenção, mas que são importantes e que,
se atentarmos a elas, poderemos extrair preciosas lições. A atriz/escritora
aborda, por exemplo, a perda de um grande amor. Quem nunca passou por essa
experiência dolorosa? Poucos, não é verdade? Para não dizer nenhum de nós.
Kátia fala, ainda, sobre a decisão de se fazer uma tatuagem (pessoalmente, eu
nunca faria, mas entendo quem faça) ou sobre uma simples e trivial ida à praia,
local que reúne tantos tipos variados e onde a vida “acontece”, sem maquiagem,
bem diante dos nossos olhos.
Ela, portanto, comprova
minha tese de que atores e atrizes são (salvo raras exceções) excelentes
leitores. E, por serem tão atentos “devoradores” de textos, têm potencial para
escrever bem. Claro que para ser escritor, apenas isso não basta. Mas...
convenhamos, já é importante passo que, complementado por tantos outros, pode
transformar, sem surpresas, esses astros e estrelas dos palcos e das telas em
ases, também, do complexíssimo (e quase sempre frustrante) mundo das letras. Só
espero que sua experiência literária não se restrinja a esse único livro. Que
siga os passos de um Chico Anysio, de uma Denise Stocklos e, principalmente, de
uma Bruna Lombardi e nos brinde com muitas e muitas obras de beleza e de
verdade, como este excelente “Crônicas nuas”.
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