Thursday, May 02, 2013


Que os juízes se atenham às provas


Pedro J. Bondaczuk


O julgamento que se desenvolve, em Jerusalém, do ucraniano Ivan Demjanjuk, acusado de ser criminoso de guerra nazista, por ter compactuado com os alemães durante a Segunda Guerra Mundial, traz de novo à baila um dos períodos mais deprimentes que a humanidade já conheceu em todos os tempos. Uma época em que seis milhões de pessoas, de uma única etnia (além de um número indeterminado de outras), foram trucidadas covardemente, sem que lhes fosse dada nenhuma chance de defesa.

Por isso, compreende-se o empenho dos israelenses em levarem às barras da Justiça qualquer criminoso desse período, mesmo tendo decorrido quatro décadas daqueles lamentáveis fatos.

A Promotoria, no presente caso, acusa o réu, extraditado há pouco mais de um ano dos Estados Unidos, onde trabalhava numa indústria automobilística, de ser “Ivan, o Terrível”, um quinta-coluna ucraniano, que servia de guarda para os nazistas no campo de concentração de Treblinka, na Polônia, e que teria participado do envio de 850 mil judeus para as câmaras de gás e para os fornos crematórios.

Este, obviamente, nega isso. Garante, de todas as maneiras, que os israelenses estão equivocados a seu respeito. Jura que não é “Ivan, o Terrível” e que tudo, portanto, não passa de um erro de identidade. Que a pessoa que se deseja punir morreu em 1943, durante um levante contra os nazistas.

Há dois aspectos muito importantes a se considerar nesse julgamento. O primeiro é que existe a possibilidade de Demjanjuk estar dizendo a verdade. Portanto, as provas da Promotoria precisam ser rigorosamente conferidas e elas têm que ser de caráter irrefutável. Caso contrário, há um sério risco de se cometer um erro judiciário irreparável, já que se tem como certo que se o réu for condenado, sua sentença será a de morte.

É preciso que os juízes julguem, somente, as comprovações. Que não se deixem levar por paixões ou por um instinto de vingança, que não trará, a esta altura do tempo, os seis milhões de mortos há quatro décadas de volta à vida.

Mas há, também, uma segunda possibilidade, e esta mais provável. A de Demjanjuk estar mentindo e de ser até um mentiroso contumaz. Leon Uris, em seu genial livro “QB-VII”, narra um caso mais ou menos nesta linha. O de um médico, à primeira vista tido como vítima dos nazistas e como um benfeitor da espécie humana, que subitamente se vê acusado de ser criminoso de guerra.

Ardilosamente, entretanto, ele consegue envolver a todo o mundo em suas mentiras e provar a sua inocência. Findo o julgamento e tendo o réu recebido absolvição, eis que se descobre que a Justiça errou lamentavelmente. Deixou-se enganar por um perigoso assassino, que usou os seus dotes de médico para realizar hediondas experiências genéticas.

Não estamos afirmando aqui que o mesmo esteja ocorrendo com Demjanjuk. Só que ele foi às barras dos tribunais já em nítida desvantagem. Mentiu, uma vez, nos Estados Unidos, a respeito do seu passado, quando solicitou cidadania norte-americana. Sua fraude foi desmascarada e ele não a obteve.

Por que ele teria mentido a esse respeito? O que pretendia esconder? Sabe-se, conversando com imigrantes procedentes do Leste europeu, que a despeito do ódio que os nazistas nutriam pelos eslavos, aos quais consideravam “raça inferior”, muitos ucranianos foram colaboracionistas. A maioria acabou morta pelos próprios alemães, que apenas usavam esses traidores para os seus propósitos.

Outros tantos morreram nas mãos dos guerrilheiros soviéticos. Muitos, contudo, conseguiram escapar. Como, só eles podem explicar. Talvez mentindo, traindo, trapaceando e usando todos os expedientes imagináveis para garantir a sobrevivência. O que a comunidade internacional espera, neste caso, portanto, é apenas justiça.

Se não conseguir comprovar a culpabilidade do acusado, que ele seja absolvido e indenizado. Se as provas, contudo, forem irrefutáveis, nada mais justo e honesto que ele pague pelo seu hediondo delito.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 20 de fevereiro de 1987).

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