Que os juízes se atenham às provas
Pedro J.
Bondaczuk
O julgamento que se desenvolve, em Jerusalém, do ucraniano
Ivan Demjanjuk, acusado de ser criminoso de guerra nazista, por ter compactuado
com os alemães durante a Segunda Guerra Mundial, traz de novo à baila um dos
períodos mais deprimentes que a humanidade já conheceu em todos os tempos. Uma
época em que seis milhões de pessoas, de uma única etnia (além de um número
indeterminado de outras), foram trucidadas covardemente, sem que lhes fosse
dada nenhuma chance de defesa.
Por isso, compreende-se o empenho
dos israelenses em levarem às barras da Justiça qualquer criminoso desse
período, mesmo tendo decorrido quatro décadas daqueles lamentáveis fatos.
A Promotoria, no presente caso,
acusa o réu, extraditado há pouco mais de um ano dos Estados Unidos, onde
trabalhava numa indústria automobilística, de ser “Ivan, o Terrível”, um
quinta-coluna ucraniano, que servia de guarda para os nazistas no campo de
concentração de Treblinka, na Polônia, e que teria participado do envio de 850
mil judeus para as câmaras de gás e para os fornos crematórios.
Este, obviamente, nega isso.
Garante, de todas as maneiras, que os israelenses estão equivocados a seu
respeito. Jura que não é “Ivan, o Terrível” e que tudo, portanto, não passa de
um erro de identidade. Que a pessoa que se deseja punir morreu em 1943, durante
um levante contra os nazistas.
Há dois aspectos muito
importantes a se considerar nesse julgamento. O primeiro é que existe a
possibilidade de Demjanjuk estar dizendo a verdade. Portanto, as provas da
Promotoria precisam ser rigorosamente conferidas e elas têm que ser de caráter
irrefutável. Caso contrário, há um sério risco de se cometer um erro judiciário
irreparável, já que se tem como certo que se o réu for condenado, sua sentença
será a de morte.
É preciso que os juízes julguem,
somente, as comprovações. Que não se deixem levar por paixões ou por um
instinto de vingança, que não trará, a esta altura do tempo, os seis milhões de
mortos há quatro décadas de volta à vida.
Mas há, também, uma segunda
possibilidade, e esta mais provável. A de Demjanjuk estar mentindo e de ser até
um mentiroso contumaz. Leon Uris, em seu genial livro “QB-VII”, narra um caso
mais ou menos nesta linha. O de um médico, à primeira vista tido como vítima
dos nazistas e como um benfeitor da espécie humana, que subitamente se vê
acusado de ser criminoso de guerra.
Ardilosamente, entretanto, ele
consegue envolver a todo o mundo em suas mentiras e provar a sua inocência.
Findo o julgamento e tendo o réu recebido absolvição, eis que se descobre que a
Justiça errou lamentavelmente. Deixou-se enganar por um perigoso assassino, que
usou os seus dotes de médico para realizar hediondas experiências genéticas.
Não estamos afirmando aqui que o
mesmo esteja ocorrendo com Demjanjuk. Só que ele foi às barras dos tribunais já
em nítida desvantagem. Mentiu, uma vez, nos Estados Unidos, a respeito do seu
passado, quando solicitou cidadania norte-americana. Sua fraude foi
desmascarada e ele não a obteve.
Por que ele teria mentido a esse
respeito? O que pretendia esconder? Sabe-se, conversando com imigrantes
procedentes do Leste europeu, que a despeito do ódio que os nazistas nutriam
pelos eslavos, aos quais consideravam “raça inferior”, muitos ucranianos foram
colaboracionistas. A maioria acabou morta pelos próprios alemães, que apenas
usavam esses traidores para os seus propósitos.
Outros tantos morreram nas mãos
dos guerrilheiros soviéticos. Muitos, contudo, conseguiram escapar. Como, só
eles podem explicar. Talvez mentindo, traindo, trapaceando e usando todos os
expedientes imagináveis para garantir a sobrevivência. O que a comunidade
internacional espera, neste caso, portanto, é apenas justiça.
Se não conseguir comprovar a
culpabilidade do acusado, que ele seja absolvido e indenizado. Se as provas,
contudo, forem irrefutáveis, nada mais justo e honesto que ele pague pelo seu
hediondo delito.
(Artigo publicado na página 9,
Internacional, do Correio Popular, em 20 de fevereiro de 1987).
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