Misteriosa presença
Pedro J.
Bondaczuk
Chovia...Os pingos d’água na vidraça
esculpiam sombrio itinerário
de melancolia, saudade e solidão.
Lanças pontiagudas do silêncio
feriam-me, com crueldade,
e sangravam incômodas emoções.
Fantasmas esquivos e caricatos
rodopiavam, trôpegos, sem compasso,
em insólita, tresloucada ciranda,
em incoerentes coreografias.
Tenso, mas imóvel, eu ouvia
seus miúdos passos em surdina,
cautelosos e medindo distâncias
qual ritmado, rouco tambor.
Percebia seus passos esquivos,
miúdos, constantes, inflexíveis:
tum, tum, tum, em surdina.
Ela estava ali, camuflada,
espionando meu desespero
a auscultar minhas emoções.
Os pingos d’água na vidraça
compunham doloroso calidoscópio,
alternavam passado e presente,
imagens confusas da infância
e closes do meu gélido quarto vazio,
silencioso e escuro, onde
em espasmódica agonia,
ouvia os seus passos em surdina.
Campos ensolarados da Horizontina
natal e esta bruma espessa do presente.
Esta solidão opressiva e mofina
e a imagem de cada amigo e parente.
Não a via, na falange dos fantasmas,
só seus passos, ritmados, em surdina,
retumbavam, no silêncio sepulcral,
metodicamente medindo distâncias.
Em delírio, julguei vislumbrar,
o corvo, de mau agouro, de Poe,
a surdir, a grasnar, a murmurar.
Uma antiga, pia e ingente prece?
Velha e pungente canção de ninar?
Profundos e emotivos versos de amor?
Não! Ecoavam, confusos, no ar,
qual os pios de gaivotas no cais,
monótonos, constantes, sem cessar:
“Nunca mais! Nunca mais! Nunca mais!”
Tenso, mas imóvel, eu ouvia,
da minha amada, os passos em surdina,
e censuras, e lamentos e quetais,
confundidos com os sombrios augúrios
do corvo, esquivo, negro, sombrio...
Ouvia, comovido, seus murmúrios,
os “nunca mais! Nunca mais! Nunca mais!”,
os seus passos medidos, ritmados,
e os seus queixumes, suspiros e ais.
(Poema composto em Campinas, em 30 de outubro de 1974).
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