Pobreza e fome
Pedro
J. Bondaczuk
O problema da fome está
diretamente ligado à pobreza e, notadamente, à sua condição extrema: a miséria.
Trata-se, sei disso, do óbvio ululante. Nunca soube que nenhum rico (e já nem
digo milionário) tenha sido privado, algum dia, do mínimo que fosse de alimento para sua sobrevivência. Muito
pelo contrário. Seu problema é exatamente o oposto. É o excesso de comida e,
para piorar as coisas, é o consumo de alimentos inadequados. Observe-se que o
fato de estar alimentado nem sempre quer dizer que o indivíduo esteja nutrido.
Caso sua dieta seja inadequada, ele não estará sujeito à fome, mas certamente
terá carência de indispensáveis nutrientes para manter a saúde.
O que vem a ser,
afinal, a pobreza? Claro, é a falta de recursos suficientes para assegurar uma
vida minimamente digna. Uma de suas definições mais corretas, técnicas,
precisas, é a que li (não me recordo onde) num texto da professora
universitária e historiadora Heloisa Liberalli Belloto (que anotei, mas não
registrei a fonte) que diz: “O estar pobre é uma condição que, podendo ser temporária quase sempre
passa à perenidade sem saída: passa-se a ser pobre. E qual é, afinal, o perfil
do pobre? Sua definição é atemporal. Em qualquer momento da história pode ser
caracterizado como aquele que se encontra em situação de debilidade,
dependência e humilhação em razão de privação de dinheiro, de relações sociais,
de influência, de poder, de ciência, de qualificação técnica, de honorabilidade
de nascimento, de vigor físico, de capacidade intelectual, de liberdade e de
dignidade pessoais. São muito poucas as possibilidades de sobrevivência sem
ajuda alheia”.
Teoricamente, esta é
uma condição que pode ser apenas temporária. Contudo, são raras, raríssima, na
verdade honrosas exceções, pessoas que, em decorrência de alguma feliz
circunstância – como herança, prêmio de loteria etc. ou, mais raramente, em
decorrência do seu trabalho, braçal (mais raro ainda) ou intelectual – sobe na
vida e pode ostentar uma condição econômica pelo menos média, que lhe garanta
três nutritivas refeições por dia.
E a historiadora
prossegue em sua brilhante explanação: “E como a sociedade via – e vê – os pobres? Como uma massa de pessoas à
beira dos limiares sociais e biológicos, às quais logo e facilmente àquelas
condições negativas faz-se aderir outras qualidades depreciativas e que nos
tempos medievais são, em grande parte, coincidentes mesmo com o estado de
pobreza. O pobre também é o enfermo, o órfão, o deficiente físico, o famélico,
o sujo, o esfarrapado (como demonstra, à farta, a pintura e literatura). Tudo
isso atrai, de parte dos não pobres, atitudes que vão da condescendência ao
desdém, do desdém ao desprezo, do desprezo à repulsa. Ora, os pobres
assenhoram-se desse espelho, reconhecem sua condição e passam a responder no
mesmo diapasão”.
O escritor português,
Eça de Queiroz, identifica a urbanização crescente (que no tempo em que viveu
sequer era tão ostensiva, mas que hoje concentra mais de 80% da população
mundial em, no máximo, duas centenas de cidades), com o êxodo maciço de
camponeses, que deixam suas pequenas propriedades (em que obtêm pelo menos o
essencial à subsistência) rumo a essas tantas selvas de pedra, cimento e
asfalto, em busca da ilusão de melhoria de vida, como a “fonte da miséria”. Li,
em vários de seus livros, esse tipo de opinião. Mas esta é explicitada,
sobretudo, em um romance em especial. É no “A cidade e as serras”.
Em determinado trecho
desse livro, o romancista escreve, literalmente: “O homem pensa ter na cidade a base de toda a
sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria...
Na cidade perdeu ele a força e beleza
harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e
afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trêmulos como arames,
com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem febra, sem
viço, torto, corcunda – esse ser em que Deus, espantado, mal pôde reconhecer o
seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na cidade findou a sua liberdade moral; cada
manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma
dependência; pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular,
vergar, rastejar, aturar; rico e superior..., a sociedade logo o enreda em
tradições, preceitos, etiquetas, cerimônias, praxes, ritos, serviços mais
disciplinares que os de um cárcere ou de um quartel... A sua
tranqüilidade...onde está? (...) Sumida para sempre, nessa batalha desesperada
pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de
ouro!”
Considero exagerada, e
reducionista, essa afirmação de Eça de Queiroz, embora não possa deixar, até
certo ponto, de lhe dar razão. Todavia, é nas cidades que as pessoas pobres
encontram, posto que escassas e mínimas (diria, ínfimas) oportunidades de ascensão
social. É nelas que o indivíduo pode ter acesso à instrução, mesmo que
precária, em escolas públicas. É ali que pode conseguir tratamento médico
quando preciso (a despeito da ostensiva carência e não raro até do caos nos
sistemas de saúde). É, enfim, nesses aglomerados urbanos que tem possibilidades
de conseguir uma ocupação que remunere seu trabalho pelo menos um pouco melhor
do que no campo.
O tema, como se vê, é
extenso e complexo. Uma questão emerge, todavia, quando se aborda o assunto. A
pobreza, afinal de contas, vem aumentando, em âmbito mundial, ou diminuindo? Na
minha avaliação (que pode, claro, estar totalmente equivocada), ela diminuiu,
em termos proporcionais, mas aumentou muito no aspecto absoluto, até em
decorrência do explosivo aumento da população da Terra. Atualmente, estima-se
que dois terços dos habitantes do Planeta possam ser (tecnicamente)
considerados pobres, nos diversos estágios de pobreza. A maioria das análises a
respeito é pessimista e conclui, invariavelmente, que a superpopulação ampliará
as taxas de miserabilidade a um ponto insustentável, de calamidade.
Todavia, o polêmico
estrategista militar norte-americano, teórico da corporação RAND, Herman Kahn,
em entrevista que concedeu em fevereiro de 1977, previu que a pobreza, em um
futuro nem tão distante, de apenas dois séculos, não somente irá se reduzir
drasticamente, como até desaparecer por completo. Afirmou, textualmente: “Duzentos anos atrás, quase toda a humanidade
era pobre. Os humanos eram poucos e viviam, em quase toda parte, dependentes
das forças da natureza. Daqui a duzentos anos, os homens serão todos ricos,
numerosos e terão o pleno domínio da natureza. Esses quatrocentos anos são
apenas um período de transição, representado pela era industrial. Mas são mais
importantes do que o advento da agricultura 10 mil anos atrás, que lançou as
bases da civilização”.
Que bom seria se ele
estivesse com a razão!!! Todavia, nem eu, incorrigível otimista (posto que não
alienado) acredito nessa possibilidade. Pelo contrário, entendo que se algo não
for feito, e com a máxima urgência, para deter (num primeiro estágio) e
reverter (num segundo) a acelerada concentração de renda (em âmbito mundial)
cada vez mais em menos mãos, o futuro que nos aguarda é sombrio e aterrador. É
de anarquia e de caos. Deus que nos livre disso!!! Como eu gostaria de estar
errado nesta questão!
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