Friday, May 31, 2013

José de Anchieta e São Paulo

Pedro J. Bondaczuk

O padre José de Anchieta teve ou não participação direta na fundação da cidade de São Paulo? Essa é uma dúvida que ainda não foi esclarecida e que divide os mais ilustres e respeitáveis historiadores. De tudo o que li, a propósito, pude concluir (e posso, claro estar equivocado) que, no que se refere, digamos, à “movimentação política” para a elevação à categoria de vila do povoamento de colonos e de índios, surgido ao redor da escola construída sob as ordens do superior da Companhia de Jesus, esse jesuíta não teve nada a ver com a histórica decisão. Isso, porém, não quer dizer que ele não teve nenhuma participação na fundação de São Paulo. Teve e das mais relevantes. É o que tentarei demonstrar (espero) da forma mais clara e didática possível.

Em 1554, José de Anchieta recebeu um pedido do padre Manoel da Nóbrega, superior da Companhia de Jesus, para ajudá-lo no recém-criado Colégio do Planalto de Piratininga, que viria a ser o embrião da futura metrópole paulistana. Isso fazia todo o sentido, óbvio, já que o jesuíta canarino era conhecido como eficiente educador. Entre os historiadores persiste, também, a celeuma em torno da criação dessa casa de ensino. Alguns afirmam, baseados em não sei que documentos, que quando Nóbrega instalou o Colégio, já havia, e desde 1532, uma vila nas cercanias: a de Piratininga. Estão enganados.

As cartas de Anchieta – que podem ser lidas no livro “Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil”, volume II, página 107 – trazem importantes esclarecimentos a respeito. O vilarejo, confundido por alguns como sendo o do futuro embrião de São Paulo, realmente existia. Contudo, ficava muito distante do Colégio. Era a Vila de Santo Amaro – atual distrito da capital paulista e que já foi município autônomo – que na época estava sob a jurisdição de outra capitania, que não a de São Vicente, à qual a escola fundada pelos jesuítas estava subordinada.

Alguns historiadores atribuem (sem nenhum fundamento documental), a escolha do atual sítio em que São Paulo se localiza, junto ao pátio do Colégio – onde foi instalado o pelourinho, símbolo de justiça que dava foro às vilas – ao padre José de Anchieta. Contudo, o frei Gaspar da Madre de Deus, em suas “Memórias para a História da Capitania de São Vicente”, dissipa qualquer dúvida que porventura ainda possa existir a propósito. Afirma: “Depois de contender por alguns anos por esse modo, chegaram finalmente os padres a cantar a vitória porque, achando-se em São Vicente o governador geral Mem de Sá, em 1560, tais razões lhe propôs o padre Nóbrega, a quem ele muito venerava, que, persuadido delas, mandou extinguir a Vila de Santo André e mudar o pelourinho para defronte o Colégio; executou a ordem no mesmo ano, e daí por diante ficou a povoação na classe das vilas  com o título de São Paulo de Piratininga, que conservava desta o seu princípio”.

Portanto, não cabe participação alguma a José de Anchieta na movimentação política para que o povoamento em torno do Colégio ganhasse o status de vila. Júlio de Mesquita Filho – em um discurso que proferiu em 25 de janeiro de 1964 na Casa de São Paulo, citado no artigo “Reflexão sobre uma grande data” publicado pelo jornal “O Estado de São Paulo”, em 2 de fevereiro de 1964 – esclarece a respeito: “A própria índole espiritual da poética figura do canarino está a dizer-nos que jamais lhe passaria pela mente disputar a seu irmão maior a honra insigne. Embora tivesse ele próprio a intuição do destino que esperava o humilde vilarejo, é evidente que a idéia estava mais no caráter empreendedor daquele que, no dizer de Serafim Leme, fora considerado por Southey o maior político do Brasil”. Essa referência foi feita a Manoel de Nóbrega.

Isso não quer dizer que José de Anchieta não teve nada a ver com a fundação de São Paulo. O historiador Pedro Calmon, num artigo da antiga revista “O Cruzeiro” (edição de 2 de junho de 1962), na coluna “Segredos e Revelações da História do Brasil”, sob o título “Dois santos americanos”, escreveu: “Guardou-se a tradição (que revelam documentos do século XVIII), que José de Anchieta, ufano de ter ajudado a fundar o povoado luso-goianá de São Paulo, predisse-lhe a grandeza, estendendo sobre o seu mesquinho perfil quinhentista a bênção cheia de sonho e voto. Inspiradamente vaticinou (como Anchises na Eneida falando aos romanos do porvir) – que a vila despovoada e mameluca seria, com o rodar do tempo, ampla, monumental, admirável; e enchendo de torres o céu propício, levantaria a massa monstruosa das construções acima da linha dos montes – como as poderosas capitais do universo”. E Anchieta, o que diria hoje, se visse suas previsões realizadas, diante da majestosidade da São Paulo deste século XXI?!


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