De ceticismo e de exageros
Pedro J. Bondaczuk
“O artista deve gostar da vida e mostrar-nos que ela é bonita. Se não
fosse ele, duvidaríamos disso”. Essa afirmação categórica é de um dos maiores
escritores de todos os tempos, que assinava seus textos com o pseudônimo de
Anatole France. Seu nome verdadeiro, para os que não sabem ou que se
esqueceram, era Jacques Anatole François Thibault. A qualidade dos seus livros
é incontestável. Não deixa de ser pitoresca essa sua declaração quando se sabe
que sua principal característica, a que o consagrou e o fez merecedor do Prêmio
Nobel de Literatura – que ganhou em 1921, pelo conjunto da sua obra – foi o
ceticismo. Pelo menos é o que seus críticos dizem.
Entendo, todavia, que não há contradição entre o que Anatole France
afirmou sobre a vida e sua postura supostamente cética face quase tudo. Notem
que disse “quase” e não “absolutamente” tudo. Não há ninguém – e ponho minha
mão no fogo por essa até ousada declaração – que não creia rigorosamente em
nada. Crê, sim, e muito mais do que, por algum motivo, ousa admitir.
Se vasculhar seu íntimo, bem lá no fundo (e nem precisa ser o
inconsciente ou o subconsciente), se fizer profunda (e, sobretudo, sincera)
avaliação dos seus mais secretos pensamentos e não reveladas opiniões, sempre
encontrará algo em que acredita. Levando o exemplo ao extremo dos extremos, e
se mesmo assim esse cético empedernido não encontrar rigorosamente nada em que
creia, ainda assim acreditará em algo: no seu ceticismo. Não deixa de ser uma
crença, posto que, no meu entender, não seja a mais recomendável.
Não proponho, óbvio, o procedimento contrário. Ou seja, a total
credulidade, sem criteriosa análise das crenças, mesmo a pretexto da fé. Esta,
a despeito de se tratar, por definição, crença absoluta e incontestável no
objetivamente incrível e improvável, tem lá seu fundamento lógico. Por exemplo,
se acreditar, sem admitir contestação ou exigir prova, que a caneta que tenho à
minha frente opera “milagres”, que compõe, digamos, textos à minha revelia,
sozinha, como se tivesse vida, essa minha fé será uma aberração. Óbvio que
estarei errado. Temo, todavia, que haja pessoas assim. Que creiam em disparates
como este ou piores.
Aliás, sequer concordo que Anatole France tenha sido escritor cético.
Pelo menos não sempre. Aprendi muito com suas observações e conseqüentes
conclusões. Prefiro classificá-lo de “racional”. Suas eventuais descrenças são
as mesmas que tenho (e que você, esclarecido leitor, certamente tem). Fosse o
empedernido descrente que seus críticos afirmam que foi, sua obra jamais faria
o sucesso que fez (e que ainda faz). Jamais receberia o Nobel de Literatura. E
nunca defenderia a postura de que o artista deva gostar da vida e, muito menos,
que sua missão é “mostrar-nos que ela é bonita”. Notem o tempo que utilizou do
verbo “ser”. Conjugou-o no presente do indicativo. Afirmou que ela “é” bela e
não que “poderia” ser, ou que “talvez fosse” ou outra forma qualquer que
expressasse a mais ligeira descrença a propósito.
A dúvida, no caso, Anatole France expressou no condicional. Ou seja,
que duvidaríamos que a vida é bonita “se” o artista não existisse. Mas existe.
E capta e transmite a beleza que há, até, no aparentemente feio. As aparências
sim enganam. E enganam muito. Ademais, somos dados a exageros e,
principalmente, das coisas ruins, negativas e indesejáveis. Raramente
exageramos nas coisas positivas.
Aliás, pincei essa outra declaração, a esse propósito, em um dos
livros de Anatole France: “Se exagerássemos nossas alegrias, como fazemos com
nossos sofrimentos, nossos problemas perderiam importância”. E não perderiam? É
por causa dessa tendência de exagerar o negativo que ele finda por se
concretizar, por nos tornarmos predispostos a isso. E, dessa forma, as coisas
se tornam como o poeta chileno, Armando Roa, expressou, nestes magníficos (e
exageradamente expressivos) versos: “A vida é uma assembléia de
sombras/que se imolam umas às outras”. Pense nisso!
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