Sunday, May 05, 2013


Afinal o ensaio prometido

Pedro J. Bondaczuk

O romance “O jogo do anjo”, do catalão Carlos Ruiz Zafón (lançado no Brasil pela Editora Objetiva, com tradução de Eliana Aguiar) pode ser lido como uma espécie de continuação de “A sombra do vento” – embora com enredo e personagens independentes – ou de forma isolada, sem comprometer em nada o entendimento. O enredo se desenvolve na mesma Barcelona gótica e misteriosa do livro anterior, mas o autor explora ângulos novos da cidade, que era na época em que o situa (1920) muito diferente da importante metrópole européia em que ela se transformou na atualidade.

Entre os lugares familiares, que Zafón retoma nessa nova narrativa, se destacam, principalmente, o estranhíssimo “Cemitério dos Livros Esquecidos” e a “Livraria Sempere e Filhos”. Ambos têm importância muito grande para o personagem principal do romance, David Martin, principalmente o segundo, que o jovem protagonista do romance amava mais do que amou o próprio pai, homem desiludido, que vivia se embriagando com freqüência, traído e abandonado pela esposa e que teve morte trágica, abatido por um tiro destinado a outra pessoa.

“O jogo do anjo” é, como foi destacado na orelha do livro, “uma história de suspense, amor e fé”. Termina, porém, de forma um tanto vaga, sugerindo que a trilogia, que tem também o romance “O prisioneiro do céu”, provavelmente se transformará em tetralogia. E Zafón confirmou que, de fato, pretende escrever esse quarto volume, que fecharia, finalmente, o ciclo. Pode-se esperar, pois, mais coisa boa, brotada de sua inspirada pena, a julgar pela qualidade do que já publicou até aqui;

“O jogo do anjo”, que tem personagens fortes e marcantes, com destaque para David Martin, apresenta poucas figuras femininas. As duas principais, todavia, Cristina (a grande paixão de sua vida) e Isabella (que o autor sugere ser apaixonada por ele, mas que generosamente aceita se ligar a Sempere filho, para consolá-lo e redimi-lo após a morte do pai), são mulheres inesquecíveis, cada qual por uma razão própria: ou pela insegurança (caso da primeira) ou pela capacidade de iniciativa e inteligência (característica da segunda). O leitor é instado, sutilmente, a tomar partido. E toma. Da minha parte, torci o tempo todo para que David Martin se apaixonasse por Isabella, personagem pela qual, confesso, me apaixonei.

O jovem escritor, todavia, era obcecado por Cristina. Não conseguiu se esquecer dela nem mesmo quando ela foi parar nos braços do seu amigo e protetor, Pedro Vidal, herdeiro do (decadente) jornal “La voz de la industria”, onde David deu seus primeiros passos no incerto e não raro frustrante mundo das palavras. Houve um momento em que parecia que o romance iria, finalmente, decolar. Foi quando sua amada separou-se do marido e foi procurá-lo no sombrio, fantasmagórico e assustador casarão que ele habitava. Ambos combinaram, então, fugir para a França e iniciar vida nova.

Cristina, todavia, por alguma razão que nunca soube explicar, “desapareceu” às vésperas da viagem, quando as passagens de trem já estavam compradas e tudo pronto para a fuga do casal. David reencontrou-a, tempos depois, em um sanatório da França, em que o pai dela – motorista de Pedro Vidal – foi internado para tratar-se de uma doença que o levou à morte. Mas a mulher que reviu na ocasião era uma sombra da que tanto amou. Havia perdido a razão, enlouquecera, e tinha raros e fugazes momentos de lucidez. Ainda assim, ele tentou reatar uma relação, que nunca havia prosperado de fato, mas o caso terminou em tragédia.

Cristina conseguiu desvencilhar-se das correias que a mantinham imóvel na cama do sanatório, pulou a janela e dirigiu-se rumo à cidadezinha que abrigava a instituição. Para chegar lá, porém, teria que atravessar um rio congelado. Ao tentar fazer isso, pisou em um ponto frágil do gelo, que cedeu ao seu peso, e ela morreu afogada. E mesmo que não se afogasse, morreria congelada ou em decorrência de hipotermia.

Para lançar “O jogo do anjo”, Zafón valeu-se da sua experiência de publicitário, profissão que exerceu com sucesso antes de optar por fazer literatura. Tão logo o livro ficou pronto, ele promoveu seu lançamento de maneira feérica e espetacular, como se fosse um show de rock ou um jogo do Barcelona, precedido por uma campanha na mídia como nunca se viu antes e nem depois, quer na Espanha, quer em qualquer outra parte do mundo. A apresentação do romance ocorreu no Grande Teatro do Liceu Barcelonês, meticulosamente decorado para a ocasião. Foi criado um cenário espetacular, recriando uma antiga biblioteca.

O lançamento ocorreu em 18 de abril de 2008. Reitero que nunca houve, em lugar algum, tamanha expectativa nos meios de comunicação espanhóis para o lançamento de um livro. Para que o leitor tenha uma idéia, basta informar que estiveram presentes ao evento 150 jornalistas, tanto da Espanha, quanto de várias partes da Europa, além de quinze emissoras de televisão, com suas câmeras e repórteres, que cobriram ao vivo o que se pode até classificar de espetáculo. Essa primeira edição já saía com uma tiragem recorde de um milhão de exemplares, inusitada até para padrões europeus. E tamanha enxurrada de livros esgotou-se já na primeira semana, exigindo da editora que trabalhasse dia e noite para rodar mais e mais volumes para atender à inusitada procura.

As filas no teatro eram intermináveis, de pessoas ávidas por conseguirem uma dedicatória e um autógrafo de Zafón. De acordo com um balanço feito na ocasião, só nesse dia 18 de abril de 2008, e apenas na Catalunha, foram vendidos 250 mil exemplares (cerca de vinte mil por hora ou o equivalente a 300 por segundo). Uma loucura! Em uma semana, venderam-se 580 mil volumes. A mesma procura repetiu-se dois meses depois, em junho de 2008, na Feira do Livro de Madri.

Creio que está mais do que justificado, portanto, o fato de eu haver decidido escrever um ensaio sobre “O jogo do anjo” e seu bem sucedido autor, conforme prometi, e cujo esboço são estes cinco textos que partilhei com você, caríssimo leitor.  Claro que a versão definitiva terá muitas mudanças – cortes (muitos), acréscimos (alguns) e correção de eventuais erros gramaticais ou de digitação que possam ter escapado. Mas a essência da minha avaliação crítica é esta, que tive e tenho a satisfação de partilhar com vocês. Mais uma vez, portanto, promessa feita e promessa cumprida.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

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