Afinal o ensaio
prometido
Pedro
J. Bondaczuk
O romance “O jogo do
anjo”, do catalão Carlos Ruiz Zafón (lançado no Brasil pela Editora Objetiva,
com tradução de Eliana Aguiar) pode ser lido como uma espécie de continuação de
“A sombra do vento” – embora com enredo e personagens independentes – ou de
forma isolada, sem comprometer em nada o entendimento. O enredo se desenvolve
na mesma Barcelona gótica e misteriosa do livro anterior, mas o autor explora
ângulos novos da cidade, que era na época em que o situa (1920) muito diferente
da importante metrópole européia em que ela se transformou na atualidade.
Entre os lugares
familiares, que Zafón retoma nessa nova narrativa, se destacam, principalmente,
o estranhíssimo “Cemitério dos Livros Esquecidos” e a “Livraria Sempere e
Filhos”. Ambos têm importância muito grande para o personagem principal do
romance, David Martin, principalmente o segundo, que o jovem protagonista do
romance amava mais do que amou o próprio pai, homem desiludido, que vivia se
embriagando com freqüência, traído e abandonado pela esposa e que teve morte
trágica, abatido por um tiro destinado a outra pessoa.
“O jogo do anjo” é,
como foi destacado na orelha do livro, “uma história de suspense, amor e fé”.
Termina, porém, de forma um tanto vaga, sugerindo que a trilogia, que tem
também o romance “O prisioneiro do céu”, provavelmente se transformará em
tetralogia. E Zafón confirmou que, de fato, pretende escrever esse quarto
volume, que fecharia, finalmente, o ciclo. Pode-se esperar, pois, mais coisa
boa, brotada de sua inspirada pena, a julgar pela qualidade do que já publicou
até aqui;
“O jogo do anjo”, que
tem personagens fortes e marcantes, com destaque para David Martin, apresenta
poucas figuras femininas. As duas principais, todavia, Cristina (a grande
paixão de sua vida) e Isabella (que o autor sugere ser apaixonada por ele, mas
que generosamente aceita se ligar a Sempere filho, para consolá-lo e redimi-lo
após a morte do pai), são mulheres inesquecíveis, cada qual por uma razão
própria: ou pela insegurança (caso da primeira) ou pela capacidade de
iniciativa e inteligência (característica da segunda). O leitor é instado,
sutilmente, a tomar partido. E toma. Da minha parte, torci o tempo todo para
que David Martin se apaixonasse por Isabella, personagem pela qual, confesso,
me apaixonei.
O jovem escritor,
todavia, era obcecado por Cristina. Não conseguiu se esquecer dela nem mesmo
quando ela foi parar nos braços do seu amigo e protetor, Pedro Vidal, herdeiro
do (decadente) jornal “La voz de la industria”, onde David deu seus primeiros
passos no incerto e não raro frustrante mundo das palavras. Houve um momento em
que parecia que o romance iria, finalmente, decolar. Foi quando sua amada
separou-se do marido e foi procurá-lo no sombrio, fantasmagórico e assustador
casarão que ele habitava. Ambos combinaram, então, fugir para a França e
iniciar vida nova.
Cristina, todavia, por
alguma razão que nunca soube explicar, “desapareceu” às vésperas da viagem,
quando as passagens de trem já estavam compradas e tudo pronto para a fuga do
casal. David reencontrou-a, tempos depois, em um sanatório da França, em que o
pai dela – motorista de Pedro Vidal – foi internado para tratar-se de uma
doença que o levou à morte. Mas a mulher que reviu na ocasião era uma sombra da
que tanto amou. Havia perdido a razão, enlouquecera, e tinha raros e fugazes
momentos de lucidez. Ainda assim, ele tentou reatar uma relação, que nunca
havia prosperado de fato, mas o caso terminou em tragédia.
Cristina conseguiu
desvencilhar-se das correias que a mantinham imóvel na cama do sanatório, pulou
a janela e dirigiu-se rumo à cidadezinha que abrigava a instituição. Para
chegar lá, porém, teria que atravessar um rio congelado. Ao tentar fazer isso,
pisou em um ponto frágil do gelo, que cedeu ao seu peso, e ela morreu afogada.
E mesmo que não se afogasse, morreria congelada ou em decorrência de
hipotermia.
Para lançar “O jogo do
anjo”, Zafón valeu-se da sua experiência de publicitário, profissão que exerceu
com sucesso antes de optar por fazer literatura. Tão logo o livro ficou pronto,
ele promoveu seu lançamento de maneira feérica e espetacular, como se fosse um
show de rock ou um jogo do Barcelona, precedido por uma campanha na mídia como
nunca se viu antes e nem depois, quer na Espanha, quer em qualquer outra parte
do mundo. A apresentação do romance ocorreu no Grande Teatro do Liceu Barcelonês,
meticulosamente decorado para a ocasião. Foi criado um cenário espetacular,
recriando uma antiga biblioteca.
O lançamento ocorreu em
18 de abril de 2008. Reitero que nunca houve, em lugar algum, tamanha
expectativa nos meios de comunicação espanhóis para o lançamento de um livro.
Para que o leitor tenha uma idéia, basta informar que estiveram presentes ao
evento 150 jornalistas, tanto da Espanha, quanto de várias partes da Europa,
além de quinze emissoras de televisão, com suas câmeras e repórteres, que
cobriram ao vivo o que se pode até classificar de espetáculo. Essa primeira
edição já saía com uma tiragem recorde de um milhão de exemplares, inusitada
até para padrões europeus. E tamanha enxurrada de livros esgotou-se já na
primeira semana, exigindo da editora que trabalhasse dia e noite para rodar
mais e mais volumes para atender à inusitada procura.
As filas no teatro eram
intermináveis, de pessoas ávidas por conseguirem uma dedicatória e um autógrafo
de Zafón. De acordo com um balanço feito na ocasião, só nesse dia 18 de abril
de 2008, e apenas na Catalunha, foram vendidos 250 mil exemplares (cerca de
vinte mil por hora ou o equivalente a 300 por segundo). Uma loucura! Em uma
semana, venderam-se 580 mil volumes. A mesma procura repetiu-se dois meses
depois, em junho de 2008, na Feira do Livro de Madri.
Creio que está mais do
que justificado, portanto, o fato de eu haver decidido escrever um ensaio sobre
“O jogo do anjo” e seu bem sucedido autor, conforme prometi, e cujo esboço são
estes cinco textos que partilhei com você, caríssimo leitor. Claro que a versão definitiva terá muitas
mudanças – cortes (muitos), acréscimos (alguns) e correção de eventuais erros
gramaticais ou de digitação que possam ter escapado. Mas a essência da minha
avaliação crítica é esta, que tive e tenho a satisfação de partilhar com vocês.
Mais uma vez, portanto, promessa feita e promessa cumprida.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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