Tuesday, May 07, 2013


Alma da cultura germânica

Pedro J. Bondaczuk

O bicentenário de nascimento do compositor, maestro, diretor de teatro e ensaísta Wilhelm Richard Wagner, em 22 de maio de 2013, enseja-me oportunidade, que espero há muito tempo, para escrever alguns comentários sobre as idéias, condutas, obras e comportamentos desse polêmico personagem, cuja genialidade é contestada por alguns, mas reconhecida incondicionalmente pelos que amam a música, linguagem universal (e única) da humanidade e que, quando de qualidade, sobrevive a quem a criou. Trata-se de figura polêmica, impulsiva, apaixonada, que merece ser estudada – com isenção, interesse e vagar – pelas lições que nos enseja aprender.

São tantos, tão heterogêneos e não raro paradoxais aspectos da biografia de Wagner a considerar, que eles suscitam opiniões e observações suficientes para a produção de alentados ensaios, dezenas deles, quiçá até de alguns livros (e aqui não vai nenhum exagero) que (quem sabe) talvez eu venha ainda a redigir e a partilhar com os que me honram com o prestígio da leitura. É o típico caso em que ao escritor é mais apropriado se deixar levar pelo tema, para ver no que vai dar, em vez de seguir uma única linha de raciocínio que, no caso, seria contraproducente e perdulária.

Richard Wagner não se limitou à sua arte, na qual, como pretendo demonstrar, foi genial e inovador. Teve vigorosa atuação política, Era ferrenho nacionalista, profundamente idealista, embora ideologicamente tivesse idéias paradoxais. Foi, por exemplo, amigo pessoal do célebre anarquista russo Mikhail Bakunin e foi, por muito tempo, fortemente influenciado por idéias anarquistas.   Para entender sua postura, é indispensável contextualizar a questão.

Wagner nasceu, foi educado e atuou em um período de grande efervescência revolucionária em uma Alemanha que sequer existia como a conhecemos hoje. Era, na ocasião, uma colcha de retalhos de pequenos reinos, ducados, principados e cidades-Estado, cada qual defendendo interesses particulares e não raro antagônicos, embora houvesse, vivo e poderoso, genuíno sentimento da necessidade de unificação. Existia consciência latente que, se esta viesse a acontecer – e para tanto, havia inúmeros obstáculos a superar – emergiria do processo uma federação germânica poderosa e respeitada, uma potência entre as maiores do mundo bem no centro da Europa.

Richard Wagner, no que se refere à atuação política, tem que ser compreendido como produto do seu tempo. Nasceu em uma época em que o “furacão napoleônico” ainda varria o continente, deixando enorme rastro de mortes, destruição e humilhações em seu caminho. Quando Napoleão Bonaparte, afinal, foi contido, ao ser derrotado militarmente na Batalha de Waterloo, na Bélgica, por uma coligação de exércitos europeus (a sétima) que incluía uma força britânica comandada pelo Duque de Wellington e outra prussiana, sob a chefia do general Gerhard Leberecht von Blücher,  o futuro maestro e compositor tinha somente dois anos de idade. O célebre confronto foi travado em 18 de junho de 1815.

Foi a partir daí, das conseqüências da fúria conquistadora do chamado “Grande Corso”, que começou a nascer, entre os povos germânicos, o sentimento, embora ainda um tanto difuso, informe e incipiente, de união, de fusão, de uma instituição genuinamente nacional fundindo aquela profusão de pequenos reinos, ducados, principados e cidades-Estado em uma única e grande pátria, como a lógica política indicava que deveria acontecer. Afinal, tudo os unia – língua, cultura, tradições etc, - e pouca coisa, ou seja, alguns espúrios interesses pessoais e de grupos minoritários além de vaidades das respectivas elites, os dividia.

No período considerado mais fértil da vida de Richard Wagner, quando estava com 35 anos de idade, cheio de vigor e de ideais, uma onda de idéias liberalizantes varria todos os Estados germânicos. Agitações populares sucediam-se em todas as unidades autônomas, com um objetivo único: a unificação. Tanto é que, em virtude dessas pressões, foi instituído, em maio de 1848, o Parlamento de Frankfyrt – dissolvido pouco tempo depois – cujo objetivo era o de redigir uma Constituição para uma Alemanha unificada, cuja criação embalava os sonhos de multidões, de milhões de pessoas.

Claro que havia obstáculos gigantescos a serem superados para a unificação. Entre estes, o mais ostensivo eram as aparentemente inconciliáveis divergências entre republicanos e monarquistas sobre o regime a vigorar em uma Alemanha unificada.  O projeto de unificação começou, somente, a ganhar contornos de possibilidade concreta e, mais do que isso, de realidade, a partir de 1862, face ao inequívoco papel de liderança exercido pelo político prussiano Otto Von Bismarck.

Foram, certamente, essa realidade política, essa efervescência de idéias e esse fervor nacionalista que inspiraram Wagner a se valer de temas que valorizavam a cultura germânica em sua mais lídima expressão, “bebendo” fartamente em suas fontes do passado. O compositor recorreu a sagas, mitos e lendas, cujas origens perdiam-se no tempo, mas que eram transmitidas de geração a geração pelo povo em todos os Estados germânicos, como assuntos para suas óperas. Essas histórias fantásticas eram comuns a todos os alemães, não importando de que reino, ducado ou principado procediam, como elos naturais a ligar de alguma forma populações tão antagônicas e divididas. É certo, no entanto, que os objetivos declarados de Wagner não eram propriamente, ou especificamente, políticos (embora subconscientemente, provavelmente fossem). Ele julgava-se, conforme próprias declarações, um predestinado, um homem do destino, um escolhido por Deus para uma tarefa que não poderia ser levada a cabo por mais ninguém. E, de certa maneira, o era. Eram sobretudo, a “alma” da milenar cultura germânica que tão bem valorizou.

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