O que nunca tivemos
Pedro J. Bondaczuk
O escritor inglês do século XVI, Izaak Walton, escreveu, em um de seus
livros, que “nenhum homem pode perder o que nunca teve”. Parece afirmação para
lá de óbvia (e é mesmo), mas na prática, não nos damos conta dela e, pior,
agimos de forma contrária a essa tão evidente verdade. Postei, recentemente, no
Facebook, reflexão a propósito, que acho oportuna partilhar com você,
esclarecido leitor.
Escrevi, na referida mensagem: “O que nunca tivemos, mesmo que se trate
de algo absolutamente supérfluo, de que não tenhamos a menor necessidade (ou afinidade), excita nossa
imaginação, aguça nossos desejos e faz com que nos empenhemos ao máximo para
conseguir tal coisa (ou pessoa)”. Agimos, pois, como se ignorássemos a óbvia
constatação de Walton, sobre a qual não pensamos mesmo. Quando queremos alguma coisa,
raramente nos damos o trabalho de pensar se precisamos ou não dela. Queremos
porque queremos e não admitimos discussão.
Na reflexão postada no Facebook, acrescentei: “Não raro, todavia, quando
(ou se) conseguimos o que tanto queríamos, esse objeto (ou pessoa) perde o
encanto. Fixamo-nos em outras coisas (ou pessoas) e repete-se todo o processo,
com a mesma obsessão”. Nossos desejos são ilimitados. Na maioria das vezes,
frustramo-nos, pelo fato de que o que tanto queremos não estar ao nosso alcance
– ou do nosso bolso, ou das nossas forças, ou do nosso talento e vai por aí
afora – dependendo da natureza do que desejamos.
O renomado filósofo e matemático britânico, Alfred North Whitehead,
pesquisador na área da Filosofia da Ciência, tratou, e em mais de uma ocasião,
desse tema. Extraí, de um de seus livros, esta declaração: “Nossos desejos são
infinitos. Somos surpreendidos por possibilidades que são infinitas e o
objetivo da vida humana é agarrar o que for possível dessa infinitude”. Essa
sanha, essa compulsão, essa obsessão por “ter” sequer está ligada às nossas
necessidades, reitero. Pelo menos, não sempre (diria, na maior parte dos
casos).
Na minha citada reflexão no Facebook, citei um exemplo em que o desejo
não é o da posse de objetos que excitem nossa fantasia. Escrevi: “Às vezes
conquistamos uma mulher (e, no caso desta, um homem) que não tem nada a ver
conosco. Agimos assim apenas pelo prazer da conquista, mesmo que sequer saibamos
que seja esta a nossa motivação. Conquistada (o), porém, perde o encanto e
rompemos o relacionamento, sem essa ou mais aquela, a qualquer pretexto,
magoando quem não precisávamos magoar”.
Cansei de testemunhar casos como este, que vejo ocorrendo quase todos os
dias ao meu redor. Já agi, também, dessa maneira irracional e tola, movido por
vaidade e por outros sentimentos sem o menor resquício de nobreza (longe disso)
dos quais não me orgulho. Mas o que foi feito, não há como voltar atrás e
mudar. Fato é fato e ponto. Não digo, para me justificar, que “todos” ajam
dessa maneira, pois se trataria de estúpida generalização. Mas que testemunhei
casos e mais casos do tipo, isso posso assegurar com tranqüilidade.
Um dos nossos desejos mais recorrentes refere-se a dinheiro. Até os que
não se apegam a ele e consideram-no “mal necessário”, desejam obtê-lo, por
razões óbvias. Afinal, é ele que assegura a aquisição de bens indispensáveis à
nossa sobrevivência. E, quando obtido na quantidade mais do que necessária (que
ninguém sabe precisar qual é), permite que possamos satisfazer, até, “n”
fantasias consumistas, claramente supérfluas. O mundo gira em torno desse
símbolo criado pelo homem para facilitar as transações. Uma cédula ou uma
moeda, intrinsecamente, não servem para nada. Sua serventia está, somente, no
que simboliza, mediante convenção que se perde nas brumas do tempo.
Muito bem, conseguido o dinheiro, pelo qual tanto lutamos e sacrificamos
tanta coisa na vida, mesmo que em quantidade exorbitante, nos satisfazemos?
Não, não e não!!! Queremos mais, sempre mais, cada vez mais. E sequer sabemos
explicar porque queremos tanto. Afinal, não há explicação lógica e racional
para tanta cupidez. O multimilionário norte-americano Jean Paul Getty, fundados
da Getty Oil Company, declarou, certa feita, a propósito, em uma entrevista: “Quando não se tem dinheiro, pensa-se sempre
nele. Quando se tem, pensa-se somente nele”. E não se trata de mero jogo de
palavras. É a pura expressão da realidade. Somos, de fato, assim, variando apenas
nas graduações.
E por que temos essa obsessão pelo que nunca tivemos? Suponho que o que
nos motiva é o mistério e um tantinho de desafio. No caso da conquista de belas
mulheres (ninguém é obcecado por conquistar as feias), há forte dose de
vaidade. E também o fascínio pelo desconhecido. No que se refere a bens
materiais, é um certo condicionamento a que somos submetidos desde crianças por
políticas consumistas. O raciocínio dos economistas, fartamente trabalhado
pelos diversos aparatos de propaganda, é: quanto mais as pessoas consumirem,
mais a indústria produzirá, maior será o movimento do comércio e mais e mais
empregos serão gerados, criando-se, e fazendo circular mais riquezas. Eles
denominam isso de “Círculo Virtuoso”. Mas... nem é preciso citar o aspecto
negativo dessa equação, traduzido, principalmente, no desperdício de preciosos
recursos do Planeta que não são renováveis.
O sociólogo Vince Packard definiu muito bem nossa sanha consumista.
Afirmou: “Somos todos escravos de uma estratégia do desperdício e vivemos
correndo atrás da felicidade, que se resume numa palavra: consumir”. Mas,
trazendo o tema para o campo do nosso interesse, o da Literatura, pincei
revelador poema do poeta chileno
Armando Uribe Arce, curtinho, mas enfático, que trata desse assunto, cujo
título é, exatamente, “O que nunca tivemos” e que diz:
“O que nunca tivemos
nos rodeia e amamos
o que nunca tivemos.
Que doce o nosso amor que
nunca é nosso!”.
No comments:
Post a Comment