Assombroso
desperdício
Pedro J. Bondaczuk
O
problema da fome, que nunca foi novo, mas que –
dada a globalização determinada pela avançada tecnologia de comunicação
de que a humanidade dispõe atualmente –
é cada vez mais conhecido e, portanto, poderia ser, até facilmente,
solucionado, aumenta. É certo que em números relativos à população mundial, até
que se verifica razoável redução de famintos em várias partes do mundo.
Todavia, em termos de absolutos (que é o que conta), ou seja, na quantidade de
seres humanos que não têm com o que se alimentar, o problema cresce, e
escandalosamente.
Tempos
atrás, quando não existiam veículos tão ágeis e tão fartos de difusão de
informações, pessoas até mesmo bem intencionadas (e dispostas a partilhar o que
lhes sobejava com quem não dispunha sequer do mínimo para garantir a
sobrevivência), argumentavam que não ajudavam esses necessitados nos limites
extremos da miséria, porque não sabiam quem eles eram e onde estavam. E que,
quando eram informadas a respeito, já era tarde. A maioria dessa horda de
famintos já morrera em decorrência da inanição. Essa desculpa até que fazia
certo sentido. Mas, e hoje, qual o pretexto para não socorrer esses nossos
semelhantes que, por uma série de circunstâncias, se vêem nessa contingência
extrema?
Falta
de informação, convenhamos, não é. E muito menos indisponibilidade de
alimentos. Fica no ar, portanto, a incômoda pergunta de um dos personagens do
romance “Balada Africana”, de Stuart Cloete (Boa Leitura Editora) que
questiona, perplexo: “Por que hoje, no nosso mundo maravilhoso que está repleto
de correias, de rodas e de polias, que giram e giram sem cessar; que está
repleto de matérias plásticas e de outras coisas mágicas; a maior parte dos
homens passa fome? E de que serve um tostador elétrico de pão, se não há pão?”.
As
causas dessa carência extrema são múltiplas e vão desde políticas alimentares
equivocadas dos governos, notadamente de países subdesenvolvidos (e isto quando
estas existem, pois muitos deles sequer se dão o trabalho de cogitar dessa
questão), passando pela falta de solidariedade, pela ganância, pelo egoísmo e
por tantas e tantas mazelas das várias sociedades mundo afora. Cada uma dessas
questões precisa ser tratada em detalhes para ser bem compreendida.
Façamos
(pelo menos por enquanto) uma abstração do problema que num futuro nem tão
remoto haverá, fatalmente, de se constituir no maior de todos, na mais grave
ameaça à civilização e até à vida, ou seja, o da explosão demográfica, que vem
se acelerando desde meados do século XIX e que
está levando o mundo ao limite populacional. Uma pergunta, de imediato,
se impõe: o mundo produz quantidade de alimentos necessária para alimentar
“todos” os 7,1 bilhões de habitantes atuais do Planeta, caso se conseguisse (e
principalmente, se quisesse) distribuí-los equitativamente, de sorte que todo
ser humano, sem distinção, tivesse acesso à ração necessária para ser nutrido
adequadamente, sem faltas e sem excessos? A resposta é: sim!!!
O
que se produz anualmente, em termos mundiais, daria para alimentar todas,
absolutamente todas as pessoas do Planeta e não somente por um ano, mas por
cinco ou seis. A produção estimada de comida, no mundo, a cada ano, é, em
média, de quatro bilhões de toneladas. Ocorre que os alimentos se constituem no
principal produto comercial (óbvio). Quem já não ouviu falar em “comodities”?
Para serem produzidos, há custos e que nem tão baixos assim. Quem os produz,
portanto, quer recuperar (o que é justo e lícito) o que gastou e ainda lucrar.
E não está errado nessa pretensão. Afinal, o lucro é o grande motor que
impulsiona toda e qualquer economia.
Surge,
aí, porém, o primeiro grande problema: o da carência econômica dos potenciais
consumidores. Dois terços da humanidade não dispõem de renda suficiente para
adquirir todos esses alimentos: uma parte, não os adquire na quantidade
suficiente para satisfazer suas necessidades básicas. Outra, ainda maior, não
pode comprar nem o insuficiente. Depende só da caridade alheia para não morrer
de inanição. Isso sempre foi, é e dificilmente deixará de ser a perversa
realidade mundial e não de pequenos grupos, mas de multidões que ascendem a
milhões, quiçá bilhões de indivíduos.
Entra
em cena, porém, outro fator, que poderia mudar esse quadro para melhor e até
pôr fim à fome mundial: o desperdício de alimentos. E este é imenso, absurdo e
inconcebível, tendo em conta a importância vital para todos nós daquilo que
tanto se desperdiça. Tratei, aliás, inúmeras vezes dessa questão, e nos mais
diversos contextos, em análises que tive a oportunidade de partilhar com vocês
tanto aqui, quanto em vários outros espaços da internet em que divulgo meus
textos.
Li,
no dia 11 de janeiro deste 2013, no site UOL, matéria que me deixou
estarrecido, chocado e, sobretudo, envergonhado de integrar a espécie do
suposto “homo sapiens” e, claro, revoltado. Trata-se de um relatório da
organização britânica “Institution of Mechanical Engineers” – entidade que
reúne cem mil engenheiros mecânicos em todo o Reino Unido – dando conta que até
metade de toda a comida produzida a cada ano vai parar, simplesmente, no lixo.
O absurdo é tão grande, que a conclusão dos autores é a mesma minha (mero leigo
na matéria), ou seja, que se trata de um fato “assombroso” (da minha parte
conheço dezenas de outros adjetivos muito mais contundentes, porém mais
apropriados para qualificar tamanho absurdo). O relatório conclui que, se esses
alimentos fossem doados aos que deles tanto precisam, estariam resolvidos tanto
o vergonhoso problema da fome mundial, quanto a potencialmente catastrófica
questão da superpopulação.
O
estudo, intitulado “Global Food: Wast not, Want not” (“Alimentos globais: Não
desperdice, Não Queira”) apurou que dois bilhões de toneladas de comida são,
simplesmente, jogados fora. Apontou como motivos (alguns deles) para que isso
ocorra, condições inadequadas de abastecimento (estocagem), estratégias de
colheita descuidadas, perdas determinadas pelo transporte incorreto e a adoção
de prazos de validade demasiadamente rigorosos. Revela, ainda, que até 30% das
frutas, legumes e verduras plantados somente na Grã-Bretanha sequer chegam a
ser colhidos, por causa da aparência, simplesmente apodrecendo nos pomares,
hortas e campos. Diz a lógica que esses porcentuais são idênticos, se não muito
maiores, pelo mundo afora! Vai daí...
É
ou não é loucura, se não terrível perversidade em relação aos milhões, quiçá
bilhões de famintos mundo afora? Aduza-se a essa prática, por si só assombrosa,
o fato de tamanha perda encarecer em pelo menos 50% (equivalente ao total do
desperdício) esses produtos tão essenciais. Ou será que há algum ingênuo que
acredita que os produtores arcam com os prejuízos, ditados, apenas, pelos
caprichos dos privilegiados consumidores? Claro que não! Esse encarecimento,
óbvio, torna ainda mais inacessíveis esses alimentos que, sem esse
desnecessário acréscimo de custos, já não estariam ao alcance dos bolsos dos
que têm rendas escandalosamente insuficientes para suprir suas necessidades
essenciais. Este relatório merece análise mais cuidadosa, o que farei, com
certeza, em outra oportunidade.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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