Considerações
sobre a fome
Pedro J. Bondaczuk
O problema da
fome pouco tem a ver – por enquanto – com a superpopulação do Planeta. Todavia,
a mínima das lógicas indica que, em algum momento, na próxima década, ou no
próximo século ou nos outros vindouros, será impossível produzir alimentos
necessários para alimentar contingentes crescentes de bocas. Elas já são, neste
início de 2013, 7,1 bilhões. Ao que tudo indica, todavia, serão 16 bilhões, já
no final deste século XXI, em 2100. E não estou sequer levando em consideração
o acelerado desequilíbrio climático e a já presente escassez do recurso mais
precioso, por ser indispensável à vida (e não somente humana): a água potável.
A produção
agrícola, óbvio, depende das condições climáticas. Um ano de escassez de
chuvas, ou de excesso delas, nas regiões produtoras dos principais insumos
agrícolas, tende a quebrar safras e a causar desequilíbrio no mercado, com
conseqüências danosas “sempre” para as pessoas desprovidas de recursos. Como no
comércio (local, nacional e internacional) prevalece a inflexível lei de
mercado, a da “oferta e procura”, havendo menos produtos à venda, os preços,
logicamente, vão às alturas. Quem pode arcar com custos sobressalentes, embora
reclame, proteste e exija providências, ainda se defende. E quem não tem? Se
vê, óbvio, em tremenda enrascada.
Quebras de
safras, causadas por desequilíbrio climático ou por outros fatores, como pragas
e tantos outros, são mais comuns do que se pode pensar. Em 2012, por exemplo,
ocorreu um desses casos, na região dos Estados Unidos que é a maior produtora
de milho do Planeta, atingida por severíssima seca. Esse fato, além de reduzir
drasticamente a oferta mundial do produto, aumentou sua procura. Como a única
superpotência da Terra é, também, a sociedade nacional mais rica que há, embora
a cotação do cereal no mercado tenha ido às alturas, abasteceu-se dele
adquirindo-o de outras regiões produtoras no mundo (entre as quais o Brasil).
Embora os agricultores das áreas não afetadas por desequilíbrios climáticos
tenham, obviamente, festejado, diante da inesperada possibilidade de altos
lucros que lhes caiu no colo, as economias desses mesmos países que aumentaram
suas exportações de milho para os Estados Unidos se desequilibraram, mas
negativamente.
“Como?”,
perguntará o leitor, “não houve maior entrada de dólares?”. Houve, mas
acompanhada do desequilíbrio entre a oferta e a procura no mercado interno.
Certa quantidade do produto, que deveria abastecer os consumidores locais, foi
desviada para socorrer os norte-americanos. Por conseqüência, os preços
internos foram às alturas, interferindo, para cima, nas taxas de inflação. O
milho é matéria-prima para a produção de ração animal. Seu custo mais elevado
encareceu, portanto, as carnes (de boi, frango e porco). Quem pode arcar com
essas despesas excedentes protesta, mas se defende. E quem não pode?
Como se observa,
a afirmação dos que ridicularizam a tese de Robert Malthus, de que o homem é
capaz de produzir o dobro de alimentos, por ano, do que o aumento do número de
bocas a alimentar, é uma balela. Produtos, de fato, há, e em quantidades mais
do que suficientes. Mas quantos podem adquirir essas mercadorias? Com folga,
apenas um terço dos 7,1 bilhões de habitantes. Os outros dois terços têm que se
desdobrar, cada vez mais, para garantir o pão nosso de cada dia próprio e da
família. E isso sem que a questão da superpopulação interfira diretamente no
problema. E quando interferir, como será? É disso que trata o livro “Volta ao
Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley que, ao contrário do anterior
(“Admirável Mundo Novo”), que era de ficção, é uma obra de idéias e muito bem
fundamentado.
Além da
instabilidade climática (e do egoísmo e das injustiças sociais, lógico), outro
fator que causa surtos – diria, até, “epidemias” – de fome, são as guerras. E
tanto as travadas entre países, quanto as civis, ou seja, internas, aliás,
muito mais comuns, notadamente na África. Esses conflitos mobilizam, lógico, os
melhores braços, as pessoas mais fortes e produtivas, para o exercício de
matar, em detrimento da agricultura (e de outras atividades econômicas também).
Desalojam multidões, que acabam (quando acabam) abrigadas em precaríssimos
campos de refugiados instalados pelas Nações Unidas, onde há escassez de tudo o
que o leitor possa imaginar. E, principalmente, do essencial: de água potável e
de comida. E esses refugiados morrem, aos milhares, de fome e de doenças
causadas por severa desnutrição e falta de higiene.
O economista
indiano, Amartya Sem – ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998 – narrou
sua primeira experiência com a fome em massa. Isso ocorreu em 1943, em Bengala
e causou a morte de milhões de pessoas. Mas o motivo dessa severa escassez de
alimentos não teve nada a ver com quebra de safra ou algo parecido. Deveu-se ao
fato do governo colonial britânico (a Índia, então, ainda era colônia da
Grã-Bretanha) ter decidido estocar alimentos destinados aos seus soldados em
campanha, durante a Segunda Guerra Mundial, em detrimento da população indiana.
É repugnante essa atitude, perversa e discriminatória, mas ela é mais comum do
que se possa imaginar.
Esse relato
dramático do laureado economista foi citado pelo ex-ministro da Fazenda
brasileiro, Rubens Ricúpero, no artigo “Os pobres entre nós”, publicado no
caderno “Dinheiro”, do jornal “Folha de S. Paulo”, na edição de 24 de outubro
de 1998. A certa altura, Amartya diz: “Eu tinha
9 anos e me lembro do choque de ver gente descarnada, que vinha não se sabia de
onde e morria aos milhares. O que me chocou igualmente foi perceber que eu não
conhecia ninguém entre toda essa gente. Eram todos pobres e nós não conhecemos
os pobres. Esse é o grande problema de nossa sociedade: não nos preocupamos com
os pobres, não pensamos neles. Por isso, quando, ao saber que sou economista,
alguém me pede conselho sobre como investir, respondo sempre: ‘não tenho a menor idéia e não me interessa. Aliás, o que me interessa
são justamente as pessoas que jamais terão dinheiro para investir’".
Voltarei,
oportunamente, ao tema, desagradável (sem dúvida) para quem está alimentado,
quando não superalimentado a ponto de ostentar obesidade mórbida (e para quem o
aborda, creiam), por entender que este também é o papel do escritor responsável
e consciente, se não o principal deles. A boa Literatura não é aquela que se
limita apenas a entreter o leitor. É a que o induz à reflexão, para que se
conscientize sobre as principais questões humanas, mesmo que sua especialidade
seja a mera ficção. O bom romance não é aquele que só contém muita ação, que
nos prenda à leitura da primeira à última página, mas que, ao cabo dela não
tenhamos sido induzidos a raciocinar sobre nada e muito menos sobre os
problemas e contradições humanos. É o que faz as duas coisas, e
simultaneamente. Ou seja, que entretém, mas que também conscientiza.
Por hoje,
deixo-lhes, como tema de reflexão, esta afirmação de Josué de Castro (citado na
matéria “Josué de Castro, um homem contra a fome”, de Raimundo Magalhães
Junior, publicada na revista “Manchete”, em 6 de julho de 1973): “Ou salvamos o
mundo dando pão aos que têm fome, ou perecemos todos sob o peso esmagador do
ouro acumulado à custa da miséria e da fome de dois terços dos nossos
semelhantes”. E o autor do célebre “Geografia da fome” não está certo? Claro
que sim! Pense nisso.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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